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Perspectivas dos pacientes sobre infecção relacionada à assistência à saúde

Este artigo aborda a percepção dos pacientes quando são diagnosticados com uma infecção associada à assistência à saúde (IRAS), e como podemos melhorar a comunicação e assistência institucional.

Envolvimento do paciente em seu cuidado

1 em cada 10 pacientes contrairá uma infecção associada à assistência à saúde (IRAS), contudo pouco se sabe sobre o impacto das IRAS do ponto de vista dos pacientes.

A fim de melhorar, compreender e conhecer holisticamente as perspectivas dos pacientes sobre as IRAS, incluindo seus impactos na sua saúde física, mental e emocional, é essencial para informar os cuidados de saúde centrados no paciente e as práticas baseadas em evidências.

Pesquisas realizadas na última década indicam que a compreensão e o envolvimento do paciente no cuidado, na vigilância e na prevenção de IRAS em geral deve ser melhorado.

 

Em uma revisão sistemática de Currie et al., os autores analisaram os dados de 17 estudos, abrangendo cinco países, e encontraram que “todas as formas de IRAS levaram a consequências adversas na vida social e nos relacionamentos dos pacientes”; no entanto, este estudo não abrangeu o conhecimento sobre as perspectivas dos pacientes em contrair uma IRAS.

Ao envolver os pacientes de forma mais completa em seu autocuidado pode aumentar sua compreensão, impactando na confiança no profissional de saúde que o assiste.

Objetivo do estudo

Este estudo teve como objetivo aprimorar os cuidados aos pacientes que desenvolvem IRAS, a partir da compreensão sobre o contexto sociocultural e do tratamento clínico ofertados a esses pacientes.

Como a pesquisa foi desenvolvida?

Estudo é qualitativo, baseado em entrevistas semiestruturadas de pacientes que desenvolveram IRAS durante sua hospitalização.

Em situações em que pouco se sabe sobre as perspectivas dos participantes, as metodologias de pesquisa qualitativa podem fornecer uma compreensão de fenômenos sociais complexos, de forma mais completa. Esta abordagem qualitativa concentra-se nas experiências vividas pelos pacientes que desenvolveram e viveram com IRAS.

Os participantes incluídos foram de dois hospitais: um de Nova Gales do Sul e outro da Tasmânia, Austrália.  Cada um desses hospitais possui financiamento público e contam com 400 leitos, oferecem tratamento eletivo e de emergência e possuem uma unidade de terapia intensiva.  Os participantes que desenvolveram IRAS em um desses hospitais foram elegíveis para participar. Aqueles com comprometimento cognitivo e/ou com idade <18 anos foram excluídos do estudo.

O método de amostragem não probabilística foi utilizado para convidar os participantes a contribuir com o estudo. Um profissional controlador de infecção (enfermeiro) identificou potenciais participantes e fez a confirmação de que cada participante tinha o diagnóstico de IRAS. Critérios reconhecidos nacional e internacionalmente para definição de IRAS foram utilizados. Os 10 participantes incluídos no estudo (sendo seis homens e quatro mulheres) tinham idade igual ou superior a 18 anos, seis eram casados, cinco eram aposentados, dois eram autônomos e três não trabalhavam atualmente. Todos os participantes do estudo tiveram alta hospitalar recentemente. Todos foram diagnosticados com IRAS. As principais IRAS contraídas pelos participantes foram: bacteremia (N= 4), infecção do trato urinário (N= 2), infecção de sítio cirúrgico (N= 2) e infecção de tecidos moles (N = 2). Um participante adquiriu pneumonia além de infecção do sítio cirúrgico.

Processo e instrumento de coleta de dados

As entrevistas por telefone (E 10) foram realizadas por dois membros da equipe que foram os entrevistadores experientes em pesquisas de abordagem qualitativa. As entrevistas ocorreram entre outubro de 2019 e julho de 2021, e cada entrevista variou de 13 a 57 min de duração (total de 297 min, média de 30 min por entrevista). Outros dois pacientes consentiram em participar da entrevista, mas posteriormente se retiraram devido a problemas de saúde.

Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado para garantir a coerência entre os entrevistadores. O guia de entrevista também forneceu aos entrevistadores dicas e sugestões sobre como promover a capacidade de resposta do entrevistado. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra. Todos os pacientes receberam um pseudônimo, escolhido aleatoriamente, para proteger a confidencialidade do paciente. As perguntas foram lidas para os entrevistados e posteriormente transcritas, as respostas de cada questão da pesquisa foram coletadas e importadas para o software de análise de dados qualitativos (NVivo, QSR V.12 Plus) para gerenciamento, codificação e análise de dados.

Principais resultados do estudo

Os dados da pesquisa são apresentados pelas quatro questões de pesquisa do estudo e, pelos temas que foram identificados a partir dos comentários feitos pelos entrevistados sobre suas experiências após desenvolverem IRAS.

Para garantir que as vozes dos participantes sejam apresentadas de forma autêntica, várias citações diretas dos dados brutos foram incluídas.

Quatro temas principais foram identificados a partir dos dados analisados:

  • adquirir IRAS;
  • impacto de ter uma IRAS;
  • lidando com a IRAS; e
  • sugestões para melhorar o manejo de pacientes com IRAS.

Tópico 1. Adquirir IRAS

Quando os participantes foram questionados sobre sua experiência recente de desenvolvimento da IRAS, seus comentários refletiram três temas principais:

– Os processos associados ao desenvolvimento de IRAS e tratamento para IRAS;

– Como foram os cuidados fisica e emocionalmente; e

– Informações sobre sua(s) doença(s).

Os pacientes perceberam a experiência de adquirir IRAS como um processo, começando com a infecção inicial, seguido por rápidos declínios na saúde física e psicológica. Apesar de adquirir IRAS, os participantes 1 e 2 não foram particularmente negativos sobre sua experiência. Embora reconhecendo as desvantagens de ter IRAS, nem todos os participantes foram acusatórios sobre a causa de sua IRAS. Por exemplo, o participante 2 sofreu duas hospitalizações separadas por sua IRAS, com intervalo de 5 a 6 meses, que ele descreveu como “má sorte”, “eles se esforçam muito para manter as infecções afastadas” (Participante 2).

O centro da experiência de adquirir IRAS pelo paciente foi se ele se sentiu cuidado, ouvido e acreditado ao expressar suas preocupações. Consideraram importante o seu tratamento médico e pessoal, destacando assim o valor que atribuíam ao seu bem-estar físico e emocional. Eles comentaram sobre receber alívio adequado da dor, receber apoio para lidar com os efeitos da incontinência relacionada a IRAS e a disponibilidade ou falta de disponibilidade da equipe de enfermagem e como isso impactou nos próprios pacientes (ou seja, se os pacientes não foram ‘deixados sozinhos’). Os pacientes observaram que os enfermeiros estavam com falta de pessoal e muito ocupados para prestar cuidados, ou que os pacientes eram apressados ​​pelo sistema, apesar de precisarem de mais tratamento. Por exemplo, o Participante 3 acreditava que foi mandado para casa prematuramente e, de acordo com seus pais, claramente “não estava certo”.

Os participantes deste estudo relataram que a comunicação de informações relevantes foi fundamental para sua experiência com a IRAS. Alocado em coma induzido, durante seu estágio pós-recuperação o participante 4 sentiu que estava “passando pelas coisas junto à equipe de saúde”. Os participantes 3 e 5 sentiram-se bem informados, mas outros pacientes (participantes 6, 7 e 8) receberam informações limitadas sobre suas IRAS, o que causou preocupação, angústia e, em um caso, arrependimento.

A IRAS do participante 6 mostrou-se difícil de tratar, apesar da cirurgia de substituição do implante. O participante 6 relatou que caso tivesse sido informado que os implantes metálicos apresentavam riscos de adesão bacteriana, ele teria decidido não fazer o implante. 

Tópico 2. Impacto de ter uma IRAS

Os participantes relataram amplos impactos em sua saúde e vida diária como resultado de ter adquirido IRAS. Seus comentários foram categorizados em três temas com relação a variedade de impactos, como:

  1. impactos físicos, psicológicos e emocionais;
  2. impactos temporários e contínuos; e
  3. impactos sociais e financeiros.

Os impactos de ter uma IRAS, conforme descrito pelos pacientes, variaram em diversos aspectos de suas vidas desde impactos sociais, a emocionais, financeiros, familiares, psicológicos e físicos.

Os impactos temporários do paciente associados ao desenvolvimento de IRAS foram diversos, incluindo: dor extrema e debilitante, desorientação, sofrimento psicológico e emocional, solidão e incerteza, diarreia incontrolável, náusea, procedimentos cirúrgicos não planejados e interrupções nos horários familiares.

Outros efeitos foram mais contínuos e, em alguns casos, ainda não foram resolvidos, vários meses depois. Por exemplo, os participantes 2, 4, 6 e 7 relataram atividades de vida rotineiras interrompidas devido a insônia, cansaço e falta de força. A participante 7 estava “muito chorosa”, ainda se recuperando do impacto da IRAS em sua saúde e finanças domésticas. O participante 2, que era autônomo e incapaz de trabalhar devido à sua doença, descreveu ter tido “momentos de desespero”, mas recusou-se a insistir neles.

Tanto o participante 10 (aguardando transplante de órgão) quanto o participante 8 estavam temerosos sobre a possibilidade de futura aquisição de IRAS, e os participantes 6, 7 e 8 relataram incontinência urinária e diarreia em curso. Para o participante 6, isso significava uma limitação, pois não poderia ‘ir longe demais por muito tempo’. As atividades diárias do participante 6 permaneceram severamente prejudicadas como resultado da perda de importantes papéis sociais e domésticos. Os participantes 2 e 3 também relataram sentir que perderam sua independência, incluindo a capacidade de dirigir.

Muitos dos impactos descritos pelos participantes foram diversos e interrelacionados.

Tópico 3. Lidando com a IRAS

Os participantes forneceram diversos comentários sobre como lidaram ou não com a IRAS. Ficou bastante evidente a relação que os participantes encaravam sua saúde física e outros aspectos de sua saúde, principalmente a emocional e seus comentários sobre o enfrentamento da IRAS, sendo categorizados em diversos temas, de acordo com as várias experiências para enfrentamento da doença (que vão desde lidar mal até lidar bem).

O participante 7 “realmente não lidou” com a IRAS devido à má comunicação e comentários negativos de outros paciente que compartilhava sua enfermaria. O participante 6 lutou emocionalmente. O participante 1 estava apreensivo com seu prognóstico a longo prazo, devido ao ataque cardíaco e subsequente IRAS. Por outro lado, os participantes 2, 4 e 5 lidaram bem, embora o participante 4, ainda, não tenha claro o motivo de sua IRAS, destacando assim a falta de informação sobre sua doença (mencionada anteriormente). A participante 8 acreditava que as enfermeiras haviam transmitido IRAS a ela, pois seu sistema imunológico estava comprometido, e ela foi forçada a usar o banheiro que estava visivelmente sujo, além de ter que compartilhar com outros pacientes. O participante 6 percebeu que não lhe disseram nada sobre sua condição médica e, posteriormente, desenvolveu uma depressão profunda: ‘Psicologicamente, tem sido uma verdadeira batalha’. Para alguns pacientes e seus familiares, a experiência de adquirir IRAS trouxe uma maior conscientização sobre sua própria vulnerabilidade: ‘[você] percebe que não é à prova de bala’ (Participante 9).

Enquanto a racionalização e a comparação com os outros ajudaram alguns pacientes a lidar com sua situação, alguns comentaram que a relação enfermeiro-paciente é a que intimamente relacionada à sua recuperação. Por outro lado, outros pacientes relataram sentir-se menosprezados ou “perdidos no sistema” (Participante 1). Quando os pacientes relataram sentir-se negligenciados, tais experiências foram tipicamente relacionadas à pontualidade do atendimento. Os comentários dos participantes sobre sua saúde física raramente foram expressos sem alguma referência a outros aspectos de seu bem-estar (emocional, social e psicológico) e o impacto que esse cuidado, ou a falta de cuidado, teve em diversos aspectos de sua vida e sua visão de si mesmos. Em casos extremos, a necessidade de lidar com a IRAS afetou até mesmo sua identidade, como uma participante descreveu sua experiência de adquirir a IRAS e o tratamento posterior da IRAS como uma experiência que havia ‘a lançado na velhice’ (Participante 9).

Vários pacientes tornaram-se interessados ​​e proativos em relação à sua saúde e cuidados, promovendo o enfrentamento por meio de um senso de controle situacional aprimorado. Após meses de internação e reabilitação, o Participante 5 estava ansioso por uma nova prótese de perna e para deixar a IRAS para trás: ‘foi tratado, e pronto’. A participante 9 também estava esperançosa, mas ainda tinha dúvidas sobre a IRAS: ‘um pouco desconhecido e questionador’. 

Tópico 4. Sugestões para melhorar o manejo de pacientes com IRAS

Os participantes fizeram sugestões sobre como melhorar o manejo de pacientes com IRAS. Seus comentários foram categorizados em quatro temas que refletiam suas observações:

  1. Expectativas, enquanto pacientes, de como devem ser tratados;
  2. falhas na comunicação entre o paciente e seus cuidadores;
  3. impacto do ambiente hospitalar no cuidado; e
  4. satisfação com a forma como foram atendidos.

Os participantes 2, 3, 4, 5 e 9 ficaram na maior parte dos momentos satisfeitos com seus cuidados e sentiram que o manejo de suas IRAS não teria como ser melhorado. Apesar de ter passado por um período traumático no hospital, o participante 6 também não apresentou sugestões de melhora. Ele, no entanto, questionou por que foi mantido em uma enfermaria de quatro leitos com outros pacientes enquanto sofria de diarreia: ‘Privacidade: tudo que você tem é uma cortina, e você tem que pedir uma comadre e estes não chegam a tempo porque a enfermeira está cheia de pacientes’.

A inconsistência de comunicação entre pacientes e cuidadores de saúde foi comumente destacada. Por exemplo, o participante 1 relatou que só foi informado do resultado de sua tomografia computadorizada quando pressionou para obtê-lo, 3 dias após a realização do exame. Os pacientes notaram problemas associados à comunicação entre eles e a equipe médica. Por exemplo, os participantes 2, 6 e 10 reclamaram que a equipe de enfermagem e médica se recusavam a ouvir ou agir sobre as preocupações dos pacientes; assim, eles sentiram que isto permitiu que as infecções evoluissem e se espalhassem. Havia uma expectativa dos pacientes de que a equipe de saúde fosse adequadamente treinada e prestasse um atendimento de qualidade: ‘É para isso que você é enfermeiro, é importante fazer o seu trabalho” (Participante 10). Em vários casos, os pacientes comentaram que o atendimento prestado era inadequado.

Limitações do estudo

A coleta de dados foi limitada a dois hospitais australianos. A maioria dos pacientes era de faixa etária semelhante e predominantemente aposentados; assim, alguns dos efeitos de entrar em contato com a IRAS (por exemplo, de forma ocupacional) podem não terem sido detectados.

Como o recrutamento de pacientes e a coleta de dados também foram prejudicados pelas restrições do COVID-19, as entrevistas foram realizadas durante um período de 2 anos. O estudo foi realizado com o objetivo principal de investigar a perspectiva dos pacientes ao adquirir uma IRAS, a fim de que novos estudos possam incorporar a correlação entre as percepções relatadas dos pacientes com eventos reais e práticas médicas.

Conclusões e recomendações finais

Este estudo constatou que, em muitos casos, as informações dadas aos pacientes não levavam em conta as necessidades e o nível de compreensão de cada um deles; portanto, a maioria dos pacientes neste estudo ainda não tinha certeza de seu diagnóstico de IRAS, ou do que isso significava em termos de saúde a longo prazo ou risco de infecção.

A incerteza diagnóstica e prognóstica teve implicações em como os pacientes entenderam sua experiência sobre a IRAS. Os pacientes precisam receber um diagnóstico preciso para evitar que acessem informações erradas ou enganosas, que podem aumentar sua ansiedade ou traumas existentes.

A forma como os pacientes relataram suas experiências de adquirir uma IRAS frequentemente envolveu descrições de aspectos de sua saúde física ao lado de aspectos de sua saúde mental, emocional e/ou psicológica. Suas reflexões tenderam a incluir comentários multidimensionais sobre como as IRAS impactaram suas vidas, especialmente sua saúde mental, emocional e/ou psicológica.

Fonte: Mitchell BG, Northcote M, Rickett C, Russo PL, Amin M, De Sousa F, Pearce K, Sim J, Curryer C. Patients’ perspectives of healthcare-associated infection: ‘you don’t know what impacts it will have on your life’. J Hosp Infect. 2022 Aug; 126:93-102. doi: 10.1016/j.jhin.2022.04.014. Epub 2022 May 10. PMID: 35562072.

Link: https://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(22)00128-1/fulltext

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Links relacionados:

Cuidado centrado no paciente –

https://bmjopen.bmj.com/content/9/4/e027591

Experiência do paciente –

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0196655317312920

https://www.ccih.med.br/experiencia-do-paciente/

Percepção dos pacientes em isolamento –

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S019567012030284X

Times de segurança do paciente –

https://www.ccih.med.br/times-de-seguranca-do-paciente/

Sinopse por: Thalita Gomes do Carmo

https://www.instagram.com/profa.thalita_carmo/

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