Gestão de riscos em saúde é essencial para reduzir eventos adversos. Veja como aplicar as recomendações da Anvisa na prática hospitalar. A nova publicação da Anvisa, lançada em setembro de 2025, reúne metodologias de análise (ACR, FMEA, BowTie, Protocolo de Londres) e recomendações práticas para transformar a investigação de eventos adversos em estratégia de aprendizado organizacional. O documento desafia gestores, CCIH, médicos, farmacêuticos e enfermeiros a romper com a cultura punitiva e construir um modelo proativo e justo de segurança do paciente.
📌 FAQ – Gestão de Riscos e Segurança do Paciente
1. O que é gestão de riscos em saúde e por que ela é essencial?
É o conjunto de práticas para identificar, analisar, avaliar e tratar riscos relacionados à assistência, visando reduzir eventos adversos e proteger pacientes.
🔗 Anvisa – Gestão de Riscos 2025
2. Qual a principal mudança do novo guia da Anvisa (2025)?
A publicação reforça a transição da cultura punitiva para a cultura justa, incorporando metodologias modernas como FMEA e Protocolo de Londres.
🔗 CCIH.med.br – Cultura de segurança
3. O que são eventos adversos (EA)?
São incidentes que resultam em dano ao paciente, podendo ser evitáveis ou inevitáveis.
🔗 WHO – Patient Safety
4. O que são “never events”?
Eventos adversos graves que não deveriam acontecer, como cirurgia em paciente errado ou transfusão incompatível.
🔗 OMS – Never Events
5. Quais ferramentas a Anvisa recomenda para investigar eventos adversos?
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Análise de Causa Raiz (ACR)
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Protocolo de Londres
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FMEA (Failure Mode and Effect Analysis)
6. O que é Análise de Causa Raiz (ACR)?
Método retrospectivo que identifica falhas latentes e sistêmicas após um incidente.
🔗 AHRQ – Root Cause Analysis
7. Como funciona o Protocolo de Londres?
Investiga fatores humanos, organizacionais e tecnológicos que contribuíram para o incidente.
🔗 Anvisa – Gestão de Riscos 2025
8. O que é FMEA (Análise do Modo e Efeito de Falha)?
Método prospectivo para identificar falhas potenciais antes que ocorram, atribuindo prioridades por risco.
🔗 PubMed – FMEA in Healthcare
9. Para que serve o modelo BowTie?
Ferramenta visual que conecta causas, ameaças, barreiras e consequências, ajudando a prevenir falhas.
🔗 Journal of Risk Research
10. Qual a importância da notificação de incidentes?
Permite identificar padrões de falha e orientar melhorias. A subnotificação ainda é um grande desafio.
🔗 CCIH.med.br – Notificação de incidentes
11. O que é “cultura justa”?
É a cultura que substitui a busca por culpados por aprendizado organizacional, incentivando a transparência.
🔗 WHO – Patient Safety Culture
12. Qual o papel da CCIH na gestão de riscos?
Monitorar e prevenir infecções relacionadas à assistência, integrando dados de vigilância ao NSP.
🔗 YouTube – TV CCIH: IRAS
13. Qual a importância da epidemiologia hospitalar nesse contexto?
Transformar dados em informação estratégica, antecipando riscos em vez de atuar apenas de forma reativa.
🔗 CCIH.med.br – Epidemiologia do futuro
14. Quais fatores humanos impactam a ocorrência de eventos adversos?
Sobrecarga de trabalho, falhas de comunicação, treinamento insuficiente e fadiga das equipes.
🔗 Revista Brasileira de Enfermagem
15. Qual a relação entre tecnologia e segurança do paciente?
Tecnologias podem reduzir riscos, mas também introduzir novas vulnerabilidades se não forem bem implementadas.
🔗 ScienceDirect – Technology & Patient Safety
16. Como a atenção primária se insere na gestão de riscos?
Erros de medicação e falhas de comunicação são comuns na APS; a gestão de riscos deve abranger também esse nível de cuidado.
🔗 Cadernos de Saúde Pública
17. Como transformar dados de notificações em melhorias reais?
Com planos de ação baseados no ciclo PDSA (Plan-Do-Study-Act), avaliando continuamente a efetividade das intervenções.
🔗 IHI – PDSA Cycle
18. Qual a importância da colaboração interdisciplinar?
Gestão de riscos eficaz exige integração entre CCIH, NSP, farmácia, enfermagem, corpo clínico e jurídico.
🔗 AHRQ – Risk Management and Patient Safety
19. Como alinhar gestão de riscos com acreditações hospitalares?
Práticas de segurança do paciente são requisitos fundamentais para ONA, JCI e DNV.
🔗 ONA – Manual de Acreditação
20. Quais são os próximos passos para fortalecer a segurança do paciente?
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Incentivar cultura justa
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Expandir notificações
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Aplicar metodologias proativas
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Investir em educação permanente
🔗 OMS – Estratégias Globais de Segurança
A Segurança do Paciente como Imperativo Moderno: Uma Introdução Necessária
A segurança do paciente transcendeu o status de um tema secundário na saúde para se tornar um imperativo global e estratégico. A preocupação com a incidência de danos desnecessários durante a assistência à saúde impulsionou uma mudança de paradigma, reforçada por dados alarmantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um em cada 10 pacientes hospitalizados em países desenvolvidos sofre algum tipo de dano, um número que pode ser ainda mais elevado em nações em desenvolvimento (Ref. 1). Diante desse cenário, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da publicação “Série Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde”, expressa um entendimento evoluído sobre as melhores práticas para a gestão de riscos e eventos adversos (EA) (Ref. 1).
O principal achado do documento não se materializa em uma descoberta estatística, mas na consolidação de uma abordagem sistêmica, didática e regulatória para a segurança do paciente no Brasil. A publicação da ANVISA demonstra que o desafio da segurança foi integrado ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) como um processo contínuo de vigilância e monitoramento, ultrapassando a visão tradicionalmente reativa e fiscalizadora do passado (Ref. 1). O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), instituído em 2013, solidificou essa pauta no país, destacando a gestão de riscos como um de seus pilares fundamentais para a implantação dos Núcleos de Segurança do Paciente (NSP) nos estabelecimentos de saúde (Ref. 1).
O Marco Histórico e o Paradigma da Causalidade: Do “Culpar o Indivíduo” à “Análise do Sistema”
A percepção sobre os eventos adversos na saúde passou por uma transformação radical no final do século XX. Antes da publicação do icônico relatório “To Err is Human” pelo Institute of Medicine (IOM) em 1999, o conhecimento predominante focava nos “erros” de profissionais individuais. Esta visão reativa e punitiva, baseada em um modelo de causalidade linear, atribuía a falha diretamente à ação ou omissão de um único agente, negligenciando os complexos fatores sistêmicos subjacentes. Embora o documento da ANVISA não aprofunde o que se sabia antes desse marco, ele contextualiza a relevância do relatório do IOM, que alertou os Estados Unidos para o elevado número de mortes atribuídas a eventos adversos (EA), superando óbitos por câncer de mama e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) (Ref. 1, Ref. 7). A disciplina da Epidemiologia Hospitalar, por sua vez, historicamente evoluiu de forma reativa, respondendo a crises e eventos catastróficos em vez de adotar uma abordagem preditiva e proativa (Ref. 8).
A mudança de paradigma para uma abordagem de causalidade sistêmica foi um divisor de águas. O relatório do IOM e, posteriormente, a “Aliança Mundial para a Segurança do Paciente” (OMS, 2004) redirecionaram o foco da culpa individual para a compreensão dos serviços de saúde como ambientes complexos, onde múltiplos fatores contribuem para a ocorrência de incidentes (Ref. 1). A gestão de riscos emergiu como a ferramenta para identificar e tratar os perigos, estabelecendo uma cultura de segurança que prioriza o aprendizado com as falhas, em vez de focar na punição.
A publicação da ANVISA busca, em sua essência, promover esta cultura de aprendizado e não de punição, alinhada com o movimento global de segurança do paciente (Ref. 1). No entanto, a implementação desta filosofia no ambiente assistencial ainda enfrenta desafios. A notificação de incidentes, ilustrada no documento por um caso de queda de paciente, pode ser percebida pelas equipes como um processo de “encontrar o culpado”, especialmente quando a denúncia parte de canais como a ouvidoria (Ref. 1). Este receio de retaliação e a falta de uma cultura organizacional que promova a transparência podem levar à subnotificação, mascarando a real incidência de EA e prejudicando a análise de padrões e a efetividade do sistema (Ref. 9, Ref. 10).
A análise de outras fontes de dados, como processos judiciais de má prática médica, oferece uma visão mais aprofundada. Um artigo da AHRQ revela que a análise de sinistros pode identificar falhas sistêmicas, como falhas de comunicação e ausência de protocolos, de forma mais completa e rica do que a notificação voluntária. Este tipo de informação, embora não acessível a todos, fortalece o argumento de que a notificação, por si só, não é suficiente. A colaboração entre os setores de gestão de riscos, segurança do paciente e jurídico torna-se essencial para obter uma visão mais completa dos “furos no queijo suíço” (Ref. 11).
Metodologias e Ferramentas para a Análise de Risco: Um Arsenal para a Melhoria Contínua
Para transformar a teoria da gestão de riscos em prática, o documento da ANVISA descreve um arsenal de metodologias e ferramentas. O guia tem o propósito didático de instrumentalizar profissionais e serviços de saúde a analisarem, de forma retrospectiva ou prospectiva, as vulnerabilidades de seus processos (Ref. 1).
Análise de Causa Raiz (ACR) e o Protocolo de Londres: A Arte da Retrospectiva
A ACR e o Protocolo de Londres são metodologias retrospectivas, aplicadas após a ocorrência de um incidente. O objetivo é reconstruir a sequência de eventos e identificar as causas básicas e sistêmicas, em vez de se deter apenas nas falhas individuais. O Protocolo de Londres, por exemplo, baseia-se no modelo de acidentes organizacionais de James Reason, que busca elucidar as “falhas latentes” que criam as condições para os “atos inseguros” (falhas ativas) (Ref. 1). O exemplo da queda do paciente, no material da ANVISA, ilustra a identificação de causas latentes como a falta de um protocolo de prevenção de quedas, a sobrecarga de trabalho no horário de troca de plantão e a ausência de campainhas em locais estratégicos (Ref. 1).
A versão de 2024 do Protocolo de Londres incorpora uma nova categoria de fatores contribuintes: “Sistemas Eletrônicos de Informação e Tecnologias”. A inclusão desta categoria reflete a crescente complexidade e o papel da tecnologia nos riscos assistenciais (Ref. 1). Um artigo na ScienceDirect exemplifica esse ponto, mencionando o caso de overdoses de opioides durante exames de ressonância magnética, onde o uso de bombas de infusão, embora projetadas para segurança, introduziu um novo risco em um ambiente específico. Isso demonstra que a tecnologia, sem políticas e protocolos claros, pode aumentar a vulnerabilidade do sistema, exigindo uma análise crítica e contextual (Ref. 12).
Análise do Modo e Efeito de Falha (FMEA): A Estratégia da Prospecção
Em contrapartida à análise retrospectiva, o FMEA é uma técnica proativa e prospectiva. Seu objetivo é identificar e eliminar falhas potenciais em um processo antes que elas ocorram (Ref. 1). A metodologia se baseia no cálculo do Número de Prioridade de Risco (NPR), que é o produto da gravidade do efeito, da probabilidade de ocorrência e da probabilidade de detecção (NPR=O×G×D) (Ref. 1). O guia utiliza o exemplo da administração de insulina para demonstrar como o FMEA pode mitigar riscos como a hipoglicemia ou falha terapêutica ao analisar cada etapa do processo e seus potenciais erros (Ref. 1).
Ferramentas Complementares O guia da ANVISA também apresenta ferramentas que, isoladamente, podem não ser suficientes, mas que são indispensáveis em uma gestão de riscos integrada. O Diagrama de Causa e Efeito (ou de Ishikawa) é uma ferramenta visual para organizar as causas de um problema em categorias, facilitando a identificação de fatores contribuintes (Ref. 1). O Diagrama BOWTIE oferece uma representação visual de riscos que conecta causas, ameaças, barreiras de prevenção, consequências e barreiras de mitigação em um único esquema (Ref. 1). Por fim, a técnica SMART (Specific, Measurable, Attainable, Realistic, Timely) ajuda a definir metas e ações de melhoria de forma clara e alcançável (Ref. 1).
A publicação da ANVISA adapta a ACR para a Atenção Primária à Saúde (APS), reconhecendo que a complexidade e os riscos do cuidado não se restringem aos hospitais (Ref. 1). Pesquisas em outras bases bibliográficas reforçam que a metade dos EA globais ocorre na APS, e que falhas de comunicação e erros de medicação são prevalentes neste contexto (Ref. 2, Ref. 9). Isso sugere que o escopo da gestão de riscos precisa expandir-se para além da “Infecção Hospitalar”, tema central do site CCIH, e abranger a totalidade do “cuidado à saúde”.
A Tabela 1, a seguir, sintetiza as principais metodologias de análise de riscos na prática, oferecendo uma visão comparativa dos métodos apresentados no guia da ANVISA.
Tabela 1: Metodologias de Análise de Riscos na Prática
Metodologia | Abordagem Principal | Propósito | Cenário de Aplicação | Vantagens/Limitações |
Análise de Causa Raiz (ACR) | Retrospectiva | Investigar incidentes graves para identificar causas sistêmicas. | Após a ocorrência de um evento adverso (EA), especialmente os de maior impacto. | Vantagens: Elucida falhas latentes, promove o aprendizado. Limitações: Depende da qualidade dos dados notificados, suscetível a viés de memória. |
Protocolo de Londres | Retrospectiva | Análise estruturada de incidentes focada no modelo de causalidade sistêmica de Reason. | Após a ocorrência de EA, integrando o contexto organizacional e os fatores humanos. | Vantagens: Abordagem abrangente, reduz o foco na culpa individual. Limitações: Requer equipe multidisciplinar e tempo dedicado, pode ser complexa. |
Análise do Modo e Efeito de Falha (FMEA) | Proativa/Prospectiva | Identificar e prevenir falhas potenciais em um processo antes que ocorram. | Processos complexos, de alto risco ou antes da implementação de novas tecnologias. | Vantagens: Prevenção de problemas, priorização de riscos. Limitações: Requer conhecimento detalhado do processo, o NPR é subjetivo e depende da equipe. |
Análise de Resultados e Fatores Limitantes: As Lacunas entre a Teoria e a Realidade Assistencial
O documento da ANVISA conclui que a gestão de riscos e o monitoramento de incidentes são essenciais para a melhoria contínua da segurança do paciente (Ref. 4). As ações do SNVS, por meio do Plano Integrado 2021-2025, visam fortalecer a vigilância, a notificação e a adesão às práticas de segurança, como a Avaliação Nacional das Práticas de Segurança do Paciente (Ref. 1). No entanto, a aplicação prática dessas diretrizes enfrenta fatores limitantes e confundidores que não são explicitamente mencionados na publicação (Ref. 5).
Um dos principais desafios é a subnotificação. A cultura de medo da punição e a sobrecarga de trabalho dos profissionais levam à omissão do registro de eventos adversos, o que impede a análise de causa raiz e a identificação de padrões de falha (Ref. 1, Ref. 10). Isso mascara a verdadeira incidência de EA e aprimoramento contínuo dos processos. A qualidade da análise retrospectiva (ACR), por sua vez, depende da qualidade dos dados disponíveis em prontuários e notificações, que muitas vezes são incompletos, inconsistentes ou com viés de memória (Ref. 1).
Além disso, a literatura aponta que a ocorrência de EA está associada a múltiplos fatores que podem confundir a análise se não forem adequadamente considerados. Fatores como a idade do paciente, tempo de internação, gravidade do quadro clínico e a inadequação dos processos de trabalho, como o dimensionamento de equipe e a carga horária, podem influenciar o desfecho e a percepção de causalidade (Ref. 9). A dispersão de informações é outro fator limitante. Um artigo da Journal of Hospital Infection revela que dados cruciais sobre falhas sistêmicas estão dispersos em fontes como processos judiciais de má prática, que não são facilmente acessíveis aos profissionais de segurança (Ref. 11).
Revisão Bibliográfica Estratégica: Ampliando o Horizonte do Conhecimento
A discussão sobre segurança do paciente e gestão de riscos transcende as fronteiras do documento da ANVISA. Para enriquecer o debate e fornecer uma visão mais completa, a revisão de literatura a seguir complementa os pontos abordados no guia, contextualizando-os com achados científicos recentes.
A Persistência de Desafios Clássicos e a Evolução Reativa da Epidemiologia Hospitalar
Apesar dos avanços na segurança do paciente, as Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) persistem como uma das principais causas de morbidade e mortalidade evitáveis, gerando custos humanos e financeiros significativos (Ref. 8). Um artigo publicado no site www.ccih.med.br critica a natureza reativa da Epidemiologia Hospitalar e propõe um futuro em que a disciplina evolua para uma abordagem preditiva, utilizando ferramentas de análise e inteligência para antecipar e mitigar os riscos. Este chamado à ação move a discussão do “o que fazer” para o “como evoluir”, adicionando uma perspectiva futurista e crítica ao tema (Ref. 8).
A Importância Crítica da Notificação e o Papel do Profissional Especializado
O processo de notificação e o tratamento de incidentes são prioridades essenciais para a segurança do paciente (Ref. 13). Um artigo do www.ccih.med.br discute a necessidade de profissionais dedicados nos Núcleos de Segurança do Paciente (NSP), de preferência com conhecimento em epidemiologia, para a identificação e mitigação de riscos (Ref. 14). Esta abordagem é justificada, pois a vigilância epidemiológica é a ciência que estuda os fatores que afetam a saúde com o objetivo de avaliar e propor medidas de prevenção e controle. O documento da ANVISA estabelece o NSP como a primeira instância da gestão de riscos (Ref. 1), e a literatura externa complementa esta visão ao contextualizar o perfil ideal desses profissionais e a relevância da epidemiologia para a efetivação das estratégias. Isso reforça a noção de que a gestão de riscos em um ambiente complexo não pode ser delegada como uma tarefa secundária, mas sim vista como uma ciência que demanda expertise.
Fatores Humanos, Tecnologia e a Dinâmica da Melhoria da Qualidade
Um artigo da ScienceDirect aponta que abordagens de melhoria da qualidade não são eficazes para todos os problemas, e que o contexto e o ambiente são cruciais para o sucesso das intervenções (Ref. 15). Outro artigo da mesma fonte discute novos riscos em ambientes tecnológicos (como overdoses de opioides durante exames de ressonância magnética) e a importância de políticas e protocolos claros para mitigar esses riscos (Ref. 12). O documento da ANVISA já incorpora o modelo de James Reason, que enfatiza os fatores humanos e culturais (Ref. 1). No entanto, as publicações externas aprofundam a discussão, mostrando que a eficácia de qualquer protocolo é limitada pela cultura da organização e que a tecnologia, embora uma solução, pode também ser um vetor de novos riscos. Isso reforça a necessidade de uma análise crítica e adaptativa, em vez de uma implementação cega de protocolos.
Uma Fonte de Dados Inexplorada: A Análise de Sinistros Judiciais
Um artigo da AHRQ revela que a análise de processos judiciais de má prática médica é uma fonte “rica e única” de dados sobre segurança do paciente, pois revela falhas de sistema, como falhas de comunicação e falta de protocolos, que outras fontes, como a notificação voluntária, não capturam. A análise desses dados desidentificados pode guiar esforços de melhoria de forma robusta e profunda (Ref. 11). Este é um ponto que vai além do que a ANVISA propõe em sua publicação, sugerindo que a colaboração entre os setores de gestão de riscos, segurança do paciente e jurídico é essencial para obter uma visão completa e holística dos riscos sistêmicos.
Conclusões Finais e Recomendações: Um Chamado à Ação para uma Cultura de Segurança Justa e Proativa
A publicação da ANVISA “Gestão de Riscos e Investigação de Eventos Adversos Relacionados à Assistência à Saúde” é um guia robusto e necessário para os serviços de saúde brasileiros. O documento consolida a gestão de riscos como um pilar da segurança do paciente e do SNVS, reiterando que a segurança é um processo contínuo de aprendizado, e não um estado a ser alcançado.
Com base na análise crítica do documento e na complementação com a literatura externa, este relatório propõe recomendações que vão além da mera exigência regulatória. O verdadeiro desafio não é apenas implementar os protocolos da ANVISA, mas transformar o mindset do sistema de saúde, evoluindo de uma disciplina reativa para uma proativa e preditiva.
As seguintes recomendações podem servir como um guia para esta transformação:
- Promover uma Cultura de Segurança Justa e Não Punitiva: A recomendação da ANVISA para “disseminar os conceitos” de segurança (Ref. 1) deve ser complementada pelo investimento em educação permanente e pela criação de canais de comunicação abertos que estimulem a notificação e a discussão de incidentes em um ambiente livre de culpa.
- Adotar uma Abordagem Combinada de Metodologias: A recomendação de utilizar metodologias e ferramentas como a ACR e o FMEA (Ref. 3) pode ser otimizada. A FMEA pode ser aplicada proativamente para a prevenção de riscos conhecidos, enquanto a ACR deve ser reservada para a análise de eventos sentinela, como óbitos e never events, que exigem uma investigação mais aprofundada (Ref. 1). A escolha da ferramenta deve ser contextual e adaptativa.
- Integrar a Tecnologia de Forma Crítica e Proativa: O novo Protocolo de Londres já reconhece a tecnologia como um fator contribuinte (Ref. 1). As instituições devem realizar análises de risco proativas, como o FMEA, antes de implementar novas tecnologias, garantindo que políticas e procedimentos claros estejam em vigor para mitigar os riscos associados.
- Implementar a Gestão por Ciclos de Melhoria Contínua: A recomendação de anexar um plano de ação à notificação no Notivisa (Ref. 1) pode ser fortalecida com a sugestão de que esses planos sigam a lógica do ciclo PDSA (Plan, Do, Study, Act). Isso garante o monitoramento e a reavaliação contínua da efetividade das ações propostas.
- Fomentar a Colaboração Interdisciplinar e Interinstitucional: A segurança do paciente não é responsabilidade de um único setor. A colaboração entre o NSP, a Comissão de Prevenção e Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e outros departamentos, incluindo o jurídico, é essencial para obter uma visão holística dos riscos e compartilhar o aprendizado, inclusive com outras organizações.
A segurança do paciente é uma jornada, e a gestão de riscos é o mapa para um cuidado mais seguro e de maior qualidade. O desafio é usar a inteligência e a liderança para quebrar o ciclo reativo do passado e construir um futuro onde a segurança seja a base inegociável de todos os serviços de saúde.
Conclusão
O guia da Anvisa de 2025 é mais que um manual técnico: é um chamado à ação. Ele evidencia que segurança do paciente não se resume à notificação de incidentes, mas à capacidade institucional de aprender com falhas, integrar equipes multiprofissionais e utilizar ferramentas inteligentes de análise de riscos. Para gestores hospitalares e controladores de infecção, o verdadeiro diferencial será transformar protocolos em prática, dados em decisões e cultura em resultados.
Referências Bibliográficas
(Ref. 1) BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Gestão de Riscos e Investigação de Eventos Adversos Relacionados à Assistência à Saúde. Brasília: ANVISA, 2025. 120 p. Disponível em: uploaded:copy2_of_infecc_qualidade_cad_7_completo_web_20250915_final2.pdf. Breve resumo: A publicação consiste em um guia regulatório não normativo que apresenta recomendações sobre as melhores práticas para a gestão de riscos e a investigação de eventos adversos, visando a melhoria da segurança do paciente nos serviços de saúde.
(Ref. 2) CARLESI, S. et al. Estratégias de Notificações e Tratativas dos Incidentes Relacionados às Metas de Segurança do Paciente: Revisão de Escopo. Revista FT,, v. 5, n. 1, p. 119-128, 2020. DOI: https://doi.org/10.51859/revistaft.v5i1.217. Breve resumo: O artigo discute a importância das estratégias de notificação e tratamento de incidentes de segurança do paciente para o controle efetivo dos riscos, enfatizando a necessidade de políticas internacionais e esforços conjuntos de instituições, profissionais e pacientes.
(Ref. 3) BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 529, de 1º de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 abr. 2013. Seção 1, p. 43-44. DOI:(https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000500008). Breve resumo: Documento que estabelece os objetivos do PNSP, incluindo a promoção de iniciativas voltadas à segurança do paciente por meio da implantação da gestão de risco e dos Núcleos de Segurança do Paciente.
(Ref. 4) World Health Organization. World Alliance for Patient Safety. Geneva: WHO, 2008. Breve resumo: O documento detalha o programa da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, que tem como objetivo coordenar programas de segurança do paciente em países membros e fomentar ações para promover a segurança do paciente.
(Ref. 5) GAMA, Z. A. S., SATURNO-HERNANDEZ, P. J. Inspeção de boas práticas de gestão de riscos em serviços de saúde. Natal: SEDIS/UFRN, 2018. Breve resumo: Publicação que apresenta o modelo AGRASS, uma proposta nacional para a gestão de riscos assistenciais em serviços de saúde, validado por profissionais brasileiros.
(Ref. 6) JOINT COMMISSION INTERNATIONAL. Patient Safety Goals Created. Joint Commission Perspectives, v. 26, n. 2, p. 8, 2006. Breve resumo: O artigo descreve as Metas Internacionais de Segurança do Paciente, incorporadas à RDC nº 63/2011, que visam orientar as boas práticas de segurança, como a identificação correta do paciente e a redução de riscos de infecções.
(Ref. 7) KOHN, L. T., CORRIGAN, J. M., DONALDSON, M. S. (Eds.). To Err Is Human: Building a Safer Health System. Washington, DC: National Academies Press, 2000. DOI: https://doi.org/10.17226/9748. Breve resumo: Relatório que foi um marco para a segurança do paciente, ao evidenciar o elevado número de mortes causadas por EA nos EUA, alertando a comunidade médica sobre a magnitude do problema.
(Ref. 8) PAIVA, C., et al. Epidemiologia Hospitalar no Século XXI: Inteligência, Liderança e Transformação. www.ccih.med.br, 2024. Disponível em: https://www.ccih.med.br/epidemiologia-hospitalar-no-seculo-xxi-inteligencia-lideranca-e-transformacao/. Breve resumo: Artigo que critica a evolução reativa da epidemiologia hospitalar e propõe a adoção de inteligência e análise preditiva para combater as IRAS e a resistência antimicrobiana.
(Ref. 9) MARCHON, S. G., MENDES JUNIOR, W. V., PAVÃO, A. L. B. Características dos eventos adversos na atenção primária à saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 11, p. 2313-2330, 2015. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00010915. Breve resumo: Pesquisa que avaliou a ocorrência de EA na atenção primária no Brasil, identificando falhas na comunicação e no cuidado como as principais causas, com uma taxa de incidência de 1,1% de incidentes que atingiram os usuários.
(Ref. 10) NOVELLI, M. C. Z. et al. Sobrecarga de trabalho da Enfermagem e incidentes e eventos adversos em pacientes internados em UTI. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 67, n. 5, p. 692-699, 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-71672014670511. Breve resumo: Estudo que aponta a sobrecarga de trabalho como um fator contribuinte para a ocorrência de incidentes e EA, reforçando a complexidade do ambiente de UTI e a necessidade de adequado dimensionamento de pessoal.
(Ref. 11) AHRQ. Risk Management and Patient Safety. 2010. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/perspective/risk-management-and-patient-safety. Breve resumo: Artigo que discute o papel das seguradoras de má prática médica na melhoria da segurança do paciente, destacando a análise de sinistros como uma fonte rica de dados para identificar falhas sistêmicas e impulsionar a melhoria da qualidade.
(Ref. 12) NATIONAL PATIENT SAFETY AGENCY (UK). Medication incidents in primary care. Quarterly Data Summary: NPSA, 2007. Breve resumo: O relatório do NRLS aponta que 35% dos incidentes notificados em 2006-2007 estavam relacionados a medicamentos, sendo os erros de administração de vacinas uns dos mais frequentes.
(Ref. 13) CARLESI, S. et al. Estratégias de Notificações e Tratativas dos Incidentes Relacionados às Metas de Segurança do Paciente: Revisão de Escopo. Revista FT,, v. 5, n. 1, p. 119-128, 2020. DOI: https://doi.org/10.51859/revistaft.v5i1.217. Breve resumo: O artigo discute a importância das estratégias de notificação e tratamento de incidentes de segurança do paciente para o controle efetivo dos riscos.
(Ref. 14) GOMES, G. et al. O Núcleo de Segurança do Paciente Precisa Ter Profissionais Exclusivos? Quem Deve Fazer Parte?. www.ccih.med.br, 2024. Disponível em: https://www.ccih.med.br/o-nucleo-de-seguranca-do-paciente-precisa-ter-profissionais-exclusivos-quem-deve-fazer-parte/. Breve resumo: Artigo que discute a necessidade de profissionais dedicados em NSP, com conhecimentos em gestão de riscos e epidemiologia, para identificar e mitigar riscos e promover uma cultura de segurança.
(Ref. 15) DIXON-WOODS, M. Harveian Oration 2018: Improving quality and safety in healthcare. Clinical Medicine, v. 19, n. 1, p. 47-56, jan. 2019. DOI: https://doi.org/10.7861/clinmedicine.19-1-47. Breve resumo: O artigo argumenta que abordagens de melhoria da qualidade não são universais e que a eficácia das intervenções depende crucialmente do contexto e do ambiente da organização.
Sinopse realizada por:
Karine Oliveira:
https://www.linkedin.com/in/karine-oliveira-789815b4/
https://www.instagram.com/karine_oliveiraoficial/
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