Estudo vai além do óbvio ao avaliar fatores organizacionais e infrestruturais associados às infecções hospitalares. Nem sempre a culpa é só da baixa adesão à higiene das mãos.
As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), especialmente aquelas causadas por Clostridioides difficile (CDI) e Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), continuam sendo desafios significativos para hospitais em todo o mundo. O recente artigo “Organizational and infrastructural risk factors for health care–associated Clostridioides difficile infections or methicillin-resistant Staphylococcus aureus in hospitals” publicado na revista American Journal of Infection Control, oferece insights importantes sobre fatores organizacionais e infraestruturais que afetam a incidência dessas infecções.
FAQ: Fatores Organizacionais e Infraestruturais nas Infecções por C. difficile e MRSA
1. O que são Clostridioides difficile (CDI) e MRSA e por que são tão importantes no ambiente hospitalar?
Clostridioides difficile é uma bactéria formadora de esporos que causa diarreia e colite, especialmente após o uso de antibióticos. MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) é uma superbactéria que pode causar uma variedade de infecções graves (pele, corrente sanguínea, pneumonia). Ambos são causas frequentes de infecções hospitalares, associados a maior morbidade, mortalidade e custos.
2. O artigo aponta que fatores além do cuidado direto do paciente influenciam as taxas de infecção. Quais são eles?
O artigo destaca que fatores organizacionais (como a proporção de enfermeiros por paciente, a cultura de segurança) e infraestruturais (como a disponibilidade de quartos privativos e pias) têm uma associação significativa com as taxas de infecção por CDI e MRSA, mostrando que o ambiente e a gestão são tão importantes quanto as práticas clínicas.
3. Qual o impacto da proporção de enfermeiros por paciente (staffing) nas taxas de infecção?
Um número inadequado de enfermeiros por paciente está associado ao aumento das taxas de MRSA. A sobrecarga de trabalho pode levar a falhas na adesão a práticas essenciais, como a higiene das mãos e a aplicação rigorosa das precauções de contato, facilitando a transmissão cruzada.
4. Como a infraestrutura, especificamente o número de quartos privativos, afeta o controle de MRSA e CDI?
A disponibilidade de quartos privativos é um fator crucial. Eles são essenciais para a implementação eficaz das precauções de contato, que visam impedir a disseminação de patógenos como MRSA e C. difficile. A falta desses quartos pode levar à coorte inadequada de pacientes ou a atrasos no isolamento, aumentando o risco de surtos.
- Referência: The Role of Single Patient Rooms in the Prevention of Healthcare-Associated Infections – CDC
5. Qual a importância da disponibilidade de pias e dispensadores de álcool em gel?
A fácil acesso a pias e álcool em gel é um forte preditor de maior adesão à higiene das mãos. A infraestrutura deve facilitar a prática correta. A falta de pontos de higiene próximos ao cuidado do paciente cria uma barreira física para a adesão, associando-se a maiores taxas de infecção.
6. Qual é a principal via de transmissão para MRSA e C. difficile no hospital?
Ambos são transmitidos principalmente por contato indireto: as mãos dos profissionais de saúde se contaminam ao tocar em pacientes ou superfícies e, em seguida, transmitem os patógenos para outros pacientes. Por isso, a higiene das mãos e a limpeza ambiental são críticas.
7. Qual o papel do médico na prevenção dessas infecções, especialmente CDI?
O médico tem um papel central no uso racional de antibióticos. A prescrição de antibióticos de amplo espectro por tempo prolongado é o principal fator de risco para o desenvolvimento de CDI. O médico deve seguir as diretrizes de Antimicrobial Stewardship para prescrever o antibiótico certo, na dose certa, pelo tempo certo.
8. Como a atuação do farmacêutico clínico é fundamental no controle de CDI e MRSA?
O farmacêutico é um pilar do Antimicrobial Stewardship. Ele revisa as prescrições, sugere descalonamento ou troca de antibióticos, monitora o consumo de antimicrobianos no hospital e educa a equipe, ajudando a reduzir a pressão seletiva que favorece o surgimento de CDI e a disseminação de MRSA.
9. Qual a responsabilidade da equipe de enfermagem na aplicação das precauções de contato?
A enfermagem é a linha de frente na implementação das precauções. Isso inclui garantir o uso correto de avental e luvas ao entrar no quarto, a higiene das mãos antes e depois do contato, e o uso de equipamentos exclusivos para o paciente em isolamento, como termômetros e estetoscópios.
10. A limpeza do ambiente para C. difficile requer cuidados especiais? Por quê?
Sim. C. difficile produz esporos que são extremamente resistentes aos desinfetantes comuns à base de álcool ou quaternário de amônio. Para quartos de pacientes com CDI, a limpeza terminal deve ser realizada com produtos esporicidas, como soluções à base de cloro (hipoclorito de sódio).
11. A higiene das mãos com álcool em gel é suficiente para C. difficile?
Não. O álcool não é eficaz contra os esporos de C. difficile. Após o cuidado de um paciente com suspeita ou confirmação de CDI, os profissionais de saúde devem lavar as mãos com água e sabão, pois a fricção mecânica ajuda a remover os esporos.
12. O que é a “busca ativa” (screening) de pacientes colonizados por MRSA?
É a prática de coletar amostras (geralmente swab nasal) de pacientes de alto risco (ex: vindos de outros hospitais, pacientes de UTI) no momento da admissão para identificar portadores de MRSA. Isso permite a implementação precoce das precauções de contato para evitar a disseminação.
- Referência: Strategies to Prevent Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus (MRSA) Transmission and Infection – CDC
13. Como a cultura de segurança organizacional influencia as taxas de infecção?
Uma cultura de segurança positiva, onde a liderança está engajada, a comunicação é aberta e os profissionais se sentem seguros para relatar erros e preocupações, está fortemente associada a uma maior adesão às práticas de prevenção e, consequentemente, a menores taxas de infecção.
14. Qual a diferença entre colonização e infecção por MRSA?
Colonização significa que a bactéria está presente no corpo (ex: na narina) sem causar doença. Infecção ocorre quando a bactéria invade os tecidos e causa sinais e sintomas (ex: abcesso, pneumonia, sepse). Pacientes colonizados são um reservatório importante para a transmissão.
15. Como é feito o diagnóstico laboratorial da Infecção por Clostridioides difficile (CDI)?
O diagnóstico deve ser feito em pacientes com diarreia (3 ou mais evacuações líquidas em 24h) e sem outra causa aparente. O método mais recomendado combina um teste de alta sensibilidade (GDH) com um teste de alta especificidade (pesquisa de toxinas A/B ou teste molecular/PCR).
16. O que é um “bundle” de prevenção para CDI?
É um conjunto de intervenções baseadas em evidências que, quando implementadas em conjunto, maximizam a prevenção. Um bundle para CDI geralmente inclui: 1) Uso criterioso de antibióticos; 2) Implementação rápida de precauções de contato; 3) Limpeza ambiental com esporicida; 4) Higiene das mãos com água e sabão; 5) Diagnóstico rápido.
17. O uso de probióticos é recomendado para prevenir a CDI?
O uso rotineiro de probióticos para a prevenção primária de CDI em pacientes em uso de antibióticos ainda é controverso e não é recomendado de forma universal pelas principais diretrizes, que enfatizam o Antimicrobial Stewardship como a estratégia mais eficaz.
- Referência: Probiotics for the Prevention of Clostridium difficile–Associated Diarrhea – JAMA Internal Medicine
18. Como a liderança do hospital pode atuar para reduzir essas infecções?
A liderança deve garantir os recursos necessários (infraestrutura, pessoal, insumos), promover uma cultura de segurança, estabelecer metas claras de redução de infecções, e monitorar os indicadores, cobrando responsabilidade e apoiando as equipes nas iniciativas de melhoria.
19. É possível erradicar MRSA e CDI de um hospital?
Erradicar completamente é extremamente difícil, mas o objetivo é atingir taxas “próximas de zero”. Com um programa robusto e multifacetado, que aborda tanto os fatores clínicos quanto os organizacionais e infraestruturais, é possível reduzir drasticamente a incidência dessas infecções.
- Referência: Success Stories in HAI Prevention – CDC
20. Como os dados do artigo podem ser usados para justificar investimentos em meu hospital?
Os dados que associam fatores como staffing e quartos privativos a menores taxas de infecção fornecem uma forte argumentação baseada em evidências para justificar investimentos em recursos humanos e na reforma ou construção de uma infraestrutura mais segura, mostrando que esses não são “custos”, mas investimentos em qualidade e segurança do paciente.
Principal Achado
O estudo identificou que unidades hospitalares mais antigas estão significativamente associadas a taxas mais elevadas de infecção por CDI (RR ajustado: 0,012; IC 95% [0,004, 0,020]). Em relação ao MRSA, destacaram-se como fatores de risco com significância estatística:
- Maior biocarga de MRSA (RR ajustado: 9,008; IC 95% [5,586, 12,429]);
- Uso elevado de leitos nos corredores, refletindo superlotação (RR ajustado: 0,680; IC 95% [0,094, 1,267]);
- Alta taxa de horas extras de enfermagem, indicando possível esgotamento profissional (RR ajustado: 5,018; IC 95% [1,210, 8,826]);
- Baixa taxa de adesão à higiene das mãos (RR ajustado: -0,035; IC 95% [-0,063, -0,008]);
- Porta da sala de suprimentos limpa frequentemente aberta (RR ajustado: -0,283; IC 95% [-0,536, -0,030]).
Importância do Tema
Compreender os fatores organizacionais e infraestruturais permite uma abordagem integrada para prevenir IRAS, reduzindo significativamente morbidade, mortalidade e custos hospitalares associados a CDI e MRSA.
Conhecimento Prévio
Já se sabia que práticas de higiene inadequadas e uso indiscriminado de antimicrobianos aumentam riscos de CDI e MRSA. No entanto, o papel de fatores como idade da unidade hospitalar, superlotação, manter porta da sala de suprimentos aberta e horas extras da equipe ainda não havia sido claramente definido.
Metodologia do Estudo
Trata-se de um estudo observacional retrospectivo realizado em 104 unidades hospitalares da Fraser Health, Canadá, abrangendo o período de abril de 2020 a setembro de 2021. Foi aplicada regressão multivariada para determinar associações significativas entre variáveis organizacionais, infraestruturais e as taxas de CDI e MRSA hospitalares.
Resultados com Significância Estatística
Além dos achados já citados, notou-se que unidades mais antigas apresentaram uma associação significativa com aumento nas taxas de CDI. Já no caso do MRSA, taxas elevadas foram relacionadas à superlotação (leitos nos corredores), sobrecarga profissional (horas extras elevadas da equipe de enfermagem), baixa adesão à higiene das mãos e falta de controle no fechamento das portas da sala de suprimentos limpa.
Conclusões dos Autores
O estudo concluiu que melhorias na infraestrutura hospitalar e gestão organizacional são essenciais para diminuir as taxas de IRAS, recomendando intervenções multidisciplinares e sistêmicas.
Fatores Limitantes e Possíveis Confundidores
O estudo apresenta limitações relacionadas ao desenho transversal, impossibilitando inferências sobre causalidade. Variáveis não analisadas, como práticas regionais específicas e adesão a protocolos não medidos diretamente, também podem ser confundidores potenciais.
Recomendações dos Autores
- Fortalecer práticas de higiene das mãos.
- Reduzir a superlotação hospitalar.
- Diminuir as horas extras para evitar burnout profissional.
- Garantir separação adequada de áreas limpas para reduzir contaminação cruzada.
Comentários Adicionais
Este estudo sublinha a necessidade de investimentos estratégicos em recursos humanos e melhorias físicas hospitalares, com abordagem sistêmica e colaborativa.
Fonte:
WANG, X. et al. Organizational and infrastructural risk factors for health care–associated Clostridioides difficile infections or methicillin-resistant Staphylococcus aureus in hospitals. American Journal of Infection Control, v. 53, p. 93-97, 2025. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ajic.2024.08.013.
Artigos Relacionados :
- WANG, X. et al. Risk factors for the transmission of Clostridioides difficile or methicillin-resistant Staphylococcus aureus in acute care. Antimicrobial Stewardship & Healthcare Epidemiology, v. 3, supl. 2, p. S103, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ash.2023.376
- CALFEE, D. P. et al. SHEA/IDSA/APIC Practice Recommendation: Strategies to prevent methicillin-resistant Staphylococcus aureus transmission and infection in acute-care hospitals: 2022 update. Infection Control & Hospital Epidemiology, v. 43, n. 5, p. 499-534, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1086/676534
- Clostridioides difficile – Um desafio emergente: https://www.ccih.med.br/clostridioides-difficile-um-desafio-emergente/
- Afinal, as precauções de contato reduzem a disseminação do MRSA? https://www.ccih.med.br/afinal-as-precaucoes-de-contato-reduzem-a-disseminacao-do-mrsa/
- Resumo das estratégias para prevenir Clostridioides difficile em hospitais de cuidados agudos – recomendações práticas da SHEA 2022 https://www.ccih.med.br/resumo-das-estrategias-para-prevenir-clostridioides-difficile-em-hospitais-de-cuidados-agudos-recomendacoes-praticas-da-shea-2022/
- Atualização das recomendações da SHEA/IDSA/APIC para prevenção da transmissão hospitalar de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) https://www.ccih.med.br/atualizacao-das-recomendacoes-da-shea-idsa-apic-para-prevencao-da-transmissao-hospitalar-de-staphylococcus-aureus-resistente-a-meticilina-mrsa/
Sinopse por:
Antonio Tadeu Fernandes:
https://www.linkedin.com/in/mba-gest%C3%A3o-ccih-a-tadeu-fernandes-11275529/
https://www.instagram.com/tadeuccih/
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