Diretrizes da ANVISA para o PGA em neonatologia e pediatria, na prática e comentadas quanto sua evidência científica e comparação com guias internacionais.
Introdução e Objetivo do Guia
A “Diretriz Nacional para Implantação de Programa de Gerenciamento de Antimicrobianos em Serviços de Neonatologia e Pediatria – 2025” tem como objetivo central oferecer orientações para o planejamento, a execução e a avaliação de intervenções voltadas ao gerenciamento de antimicrobianos (PGA) em unidades neonatais e pediátricas. Este documento visa subsidiar a prescrição e o uso criterioso desses fármacos, complementando diretrizes existentes com recomendações detalhadas e adaptadas às especificidades da neonatologia e pediatria, que demandam abordagens diferenciadas. A crescente ameaça da resistência aos antimicrobianos (RAM), considerada a terceira causa de óbitos globalmente em 2019, com 4,95 milhões de mortes associadas, fundamenta a urgência de tais programas. O uso inadequado e excessivo de antimicrobianos é um dos principais fatores no agravamento da RAM, tornando seu gerenciamento criterioso indispensável para assegurar uma utilização eficiente e segura, minimizando efeitos adversos e prevenindo a seleção e disseminação de microrganismos resistentes.
Entidades Responsáveis
A elaboração da diretriz é de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A equipe técnica da Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde (GVIMS/GGTES), vinculada à Terceira Diretoria (DIRE3) da ANVISA, esteve diretamente envolvida. O documento lista diversos autores de instituições renomadas como o Hospital Pequeno Príncipe, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Laboratório Central do Estado do Paraná (LACEN-PR) e Hospital e Maternidade Santa Joana, além de colaboradores e revisores externos de diversas universidades, hospitais e órgãos como a Câmara Técnica de Resistência Microbiana em Serviços de Saúde (CATREM) e a Comissão Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (CNCIRAS).
Metodologia da Revisão Bibliográfica da Diretriz
A diretriz afirma que sua elaboração contou com “literaturas científicas e orientações nacionais e internacionais”, além das “importantes experiências de seus autores na implementação do PGA em instituições de saúde, principalmente em unidades pediátricas e neonatais”.
Fontes de Pesquisa e Critérios de Seleção de Artigos
O documento não detalha explicitamente as bases de dados específicas que foram consultadas para a revisão bibliográfica, nem os termos de busca ou estratégias de pesquisa utilizadas. Da mesma forma, não são especificados os critérios formais para a inclusão ou exclusão dos artigos científicos e outras fontes de literatura. A ênfase recai sobre a combinação de evidências publicadas com a experiência prática dos especialistas envolvidos na sua redação.
Quantidade de Artigos e Resumo dos Achados
A diretriz não informa o número de artigos encontrados ou revisados durante seu processo de elaboração. Embora referencie diversos estudos e documentos ao longo do texto e na seção de referências, não há um resumo consolidado dos achados de cada artigo utilizado como base para as recomendações. Os achados são integrados diretamente na discussão dos tópicos.
Critérios de Classificação e Seleção de Evidências Científicas
Não são mencionados critérios específicos utilizados para a classificação da força da evidência científica ou para a graduação das recomendações, como os sistemas GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) ou PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses). A ausência de uma descrição metodológica detalhada sobre a busca, seleção, avaliação e síntese da literatura impede a inferência de que tais sistemas foram formalmente aplicados. As recomendações parecem derivar de uma combinação de literatura científica disponível e consenso de especialistas, incluindo suas experiências práticas.
Avaliação da Qualidade do Guia (GRADE ou PRISMA)
A diretriz não menciona explicitamente o uso de sistemas como GRADE ou PRISMA para a avaliação da qualidade da evidência ou para a sua elaboração. A metodologia de revisão bibliográfica, conforme apresentada, não fornece detalhes sobre processos sistemáticos de busca, seleção, avaliação crítica e síntese das evidências que são característicos de diretrizes desenvolvidas seguindo rigorosamente os frameworks GRADE ou PRISMA. Embora a colaboração de múltiplos especialistas e a citação de literatura científica sejam pontos positivos, a ausência de uma metodologia transparente para a revisão e graduação das evidências limita uma análise formal da qualidade do guia sob a ótica desses sistemas. A robustez das recomendações apoia-se, portanto, na expertise dos autores e na literatura citada, mas sem uma classificação explícita do nível de evidência para cada recomendação específica.
Infelizmente estas limitações comprometem o grau de evidência científica deste guia que sequer pode ser considerado uma revisão sistemática de literatura, apenas uma opinião de seus autores, embora de reconhecida qualidade.
Recomendações e Fundamentos da Diretriz (Principais Conclusões por Capítulo)
A diretriz está estruturada em cinco capítulos principais, cada um abordando aspectos cruciais para a implantação de um PGA em neonatologia e pediatria.
Capítulo 1: Estrutura de um Programa de Gerenciamento de Antimicrobianos na Pediatria e na Neonatologia
Este capítulo estabelece as bases para a criação de um PGA, destacando a importância de uma estrutura de governança bem definida e adaptada às particularidades infantis.
- Impacto da RAM e Particularidades Pediátricas: As infecções bacterianas são responsáveis por aproximadamente 25% das mortes neonatais anuais. Crianças, especialmente recém-nascidos, são mais suscetíveis a infecções e à RAM devido a fatores como altas taxas de exposição a antibióticos, procedimentos invasivos e hospitalizações prolongadas. A Declaração da Sociedade Mundial de Doenças Infecciosas Pediátricas (WSPID) é citada, reforçando a necessidade de considerações especiais para esta população nos PGAs.
- Modelo de Governança do PGA: Propõe um modelo com visão estratégico-tática (Comissão PGA, alta direção, CCIH, chefias, etc.) e operacional (Time PGA composto por médicos, microbiologistas, enfermeiros, farmacêuticos e facilitadores). A oficialização do time PGA é uma prerrogativa.
- Pirâmide Estratégica do PGA: Descreve a interação entre os níveis estratégico (alta direção: apoio político e financeiro), tático (coordenação do PGA: tradução de resultados, comunicação, definição de indicadores) e operacional (Time PGA: execução de estratégias, coleta de dados).
- Diagnóstico Situacional: Recomenda um processo de três passos: 1) Diagnóstico situacional (avaliar estrutura e processos existentes, utilizando o questionário da Diretriz Nacional de PGA geral); 2) Análise crítica (identificar pontos fortes e oportunidades de melhoria); 3) Plano de ação (usar ferramentas de gestão de qualidade como 5W2H ou PDCA).
- Mapeamento do Consumo e Custo: Sugere o uso da classificação AWaRe da OMS (Access, Watch, Reserve) para priorizar e monitorar o uso de antibióticos, com a meta de que antibióticos do grupo ACCESS representem ≥60% do consumo global. A Curva ABC de medicamentos também é recomendada para identificar os antimicrobianos de maior consumo e custo, cruzando essa informação com a classificação AWaRe para definir prioridades.
Capítulo 2: Papel de Cada Serviço e Participação Efetiva dos Membros do Time de PGA
Este capítulo detalha as responsabilidades e a importância da colaboração multidisciplinar, com destaque para a “quadrangulação” entre médicos, enfermeiros, farmacêuticos clínicos e microbiologistas.
- Farmácia Clínica: Considerada um eixo estruturante, com envolvimento em toda a cadeia terapêutica. O farmacêutico clínico treinado em doenças infecciosas (ID) ou AMS (Antimicrobial Stewardship) é crucial, podendo até coliderar o programa. Suas atividades incluem desde ajustes de dose e monitoramento terapêutico de medicamentos (TDM) até a participação na elaboração de protocolos e educação.
- Laboratório de Microbiologia: Essencial para o diagnóstico preciso, orientando o tratamento e detectando surtos. Responsável pelo processamento adequado de amostras, controle de qualidade e fornecimento de dados para antibiogramas cumulativos. O microbiologista deve instruir a equipe clínica sobre coleta, transporte e interpretação de resultados, além de contribuir na distinção entre colonização, contaminação e infecção.
- Equipe de Enfermagem: Desempenha papel vital na administração segura de antimicrobianos, monitoramento de pacientes, coleta de amostras, implementação de precauções e educação. Suas ações devem ser inseridas no Processo de Enfermagem. Barreiras como falhas na comunicação e sobrecarga de trabalho devem ser superadas, e facilitadores como educação e adesão a protocolos devem ser promovidos.
- Equipe Médica e Gestores: O médico especialista em doenças infecciosas idealmente lidera o time PGA, oferecendo suporte técnico, desenvolvendo protocolos e educando prescritores. Na ausência deste, pediatras ou neonatologistas com expertise podem assumir. Os gestores devem prover estrutura, recursos, acesso a medicamentos e laboratórios, além de apoio político e financeiro, participando ativamente da Comissão PGA para garantir a sustentabilidade do programa.
Capítulo 3: Particularidades do Recém-Nascido e Crianças no Uso de Antimicrobianos
Este capítulo foca nas especificidades farmacocinéticas (PK) e farmacodinâmicas (PD) da população pediátrica, que impactam diretamente a terapia antimicrobiana.
- Idade, Peso e Estatura: A dose varia com a faixa etária (prematuro, termo, lactente, criança, adolescente). O peso é a variável mais importante para dosagem (mg/kg/dia ou mg/kg/dose), necessitando de pesagens frequentes. A estatura é usada para calcular o clearance de creatinina (ClCr) pela fórmula de Schwartz (TFGe(1,73m2ml/min)=K×estatura(cm)/CrS(mg/dl)). São fornecidos valores de K e de referência para TFG, além dos critérios PRIFLE para lesão renal.
- Farmacodinâmica e Farmacocinética:
- Absorção: pH gástrico elevado e esvaziamento gástrico lento em neonatos afetam a absorção. Maior permeabilidade da pele aumenta absorção tópica.
- Distribuição: Maior percentual de água corporal em neonatos (até 80%) aumenta o volume de distribuição (Vd) de fármacos hidrofílicos, exigindo doses maiores. Menor ligação a proteínas plasmáticas aumenta a fração livre de fármacos. A ceftriaxona é citada como exemplo de fármaco com alta ligação proteica que pode deslocar a bilirrubina e é incompatível com soluções de cálcio em neonatos, recomendando-se cefotaxima como alternativa.
- Metabolismo: Imaturidade hepática em neonatos e metabolismo mais rápido em crianças (1-12 anos) comparado a adultos.
- Eliminação: Função renal imatura em prematuros leva a clearance mais lento. Crianças até 12 anos podem ter clearance renal maior que adultos.
- Farmacocinética no Paciente Crítico Pediátrico: Sepse e choque séptico alteram a PK, com aumento da permeabilidade capilar, hipoalbuminemia e alterações no Vd de fármacos hidrofílicos. Lesão renal aguda diminui a depuração, enquanto outras condições podem aumentá-la.
- Acesso Venoso e Infusão: Dificuldades de acesso venoso em pediatria e risco de flebite química (pH extremo, alta osmolaridade). A escolha do acesso (periférico vs. central) deve considerar características do fármaco, duração da terapia e rede venosa do paciente. Recomenda-se discussão multidisciplinar.
Capítulo 4: Estratégias para Implantação e Gerenciamento de Antimicrobianos
Este capítulo apresenta estratégias práticas para o PGA, desde a elaboração de protocolos até a educação continuada.
- Protocolos Terapêuticos: Essenciais para padronizar o manejo das IRAS mais comuns (infecções da corrente sanguínea, pneumonia, meningite, ITU). Devem ser baseados em evidências e monitorados.
- Terapia Empírica: Deve ser guiada pela epidemiologia local e perfil de sensibilidade institucional (antibiogramas cumulativos específicos para pediatria/neonatologia). Para sepse neonatal precoce, sugere-se ampicilina/penicilina + aminoglicosídeo. Para tardia, oxacilina + amicacina é uma opção, com cefalosporinas de 3ª geração reservadas. Vancomicina empírica apenas se alta prevalência de MRSA como causa de ICS.
- Timeout de Antimicrobianos: Reavaliação formal em 36-48 horas após início da terapia empírica. Envolve 4 momentos: 1) Há infecção? 2) Culturas coletadas? Qual terapia empírica? 3) Timeout: parar, descalonar, trocar IV-VO? 4) Duração do tratamento. O descalonamento é crucial.
- Modelo “Handshake Antimicrobial Stewardship”: Auditoria prospectiva com feedback presencial (“face-to-face”) pela equipe PGA à equipe assistencial. Requer colaboração interprofissional, educação continuada e habilidades de comunicação.
- Monitoramento Sérico de Antimicrobianos (TDM): Para fármacos com índice terapêutico estreito (vancomicina, aminoglicosídeos).
- Vancomicina: Alvo de AUC/MIC>400. Infusão contínua é uma opção, especialmente em pediatria/neonatologia, podendo reduzir nefrotoxicidade. O cálculo de AUC/MIC é o ideal; na impossibilidade, usar nível de vale (15−20 mcg/dL para infecções graves). Evitar associação com piperacilina/tazobactam e aminoglicosídeos devido à nefrotoxicidade.
- Aminoglicosídeos: Concentração-dependentes. Monitorar se tratamento > 48h. Níveis de vale de gentamicina <1 mg/L (neonatos) ou <0,5 mg/L (crianças) e de amicacina <5 mg/L para evitar toxicidade. Atenção à ototoxicidade, com triagem auditiva neonatal.
- Testes Diagnósticos Infecciosos: O time PGA deve integrar dados laboratoriais e clínicos. O microbiologista auxilia a diferenciar microbiota, contaminantes e patógenos.
- Ferramenta PRAT (Problem Related Antimicrobial Therapeutic): Classificação para identificar e intervir em problemas relacionados ao uso de antimicrobianos, com 17 categorias e 67 subcategorias. Permite medir o desempenho da equipe e harmonizar o registro de intervenções.
- Ações para Prevenção da Resistência (CDC – 12 Passos): Adaptados para pediatria/neonatologia, abrangendo desde vacinação e remoção de cateteres até diagnóstico correto, uso criterioso de antibióticos e prevenção da transmissão.
- Educação: Fundamental para profissionais, pacientes e cuidadores. Abordagem multimodal de ensino, incluindo telessaúde e simulação realística, é promissora.
Capítulo 5: Indicadores de Gerenciamento de Antimicrobianos em Pediatria e Neonatologia
Este capítulo foca em métricas para avaliar processos e resultados do PGA, adaptadas para a pediatria, já que métricas de adultos (como DDD e taxa de CDI) nem sempre são aplicáveis.
- Domínios e Métricas:
- Consumo: Dias de Terapia (DOT) por 1000 pacientes-dia; Total de dias de antimicrobianos; Dias Livres de Antimicrobianos (DLA).
- Processo: Adesão às recomendações do PGA; Positividade de hemoculturas; Contaminação de exames microbiológicos.
- Resultados Clínicos: Taxa de reação adversa a antimicrobianos; Taxa de infecções por bactérias multirresistentes (MDR).
- Cálculo e Interpretação das Métricas:
- DOT por 1000 pacientes-dia: (Total de dias de uso de ATM x 1000) / Total de pacientes-dia. Reflete o consumo; idealmente automatizado.
- Total de dias de ATM: Somatório dos dias de tratamento com cada ATM. Reflete intervenções de indicação e tempo de uso.
- Dias Livres de Antimicrobianos (DLA): (Total de dias de hospitalização de quem usou ATM – Soma do LOT de todos) / Total de dias de hospitalização de quem usou ATM x 100. Quanto maior, menor a exposição.
- Adesão às recomendações do PGA: Percentual de sugestões do time PGA aceitas. Mede a eficácia das estratégias de feedback. A ferramenta PRAT pode ser usada para categorizar intervenções.
- Taxa de Reações Adversas a ATM: (Nº de RAs / Nº de pacientes que usaram ATM) x 100. Conectar com farmacovigilância.
- Positividade de Hemocultura: (Total de frascos positivos / Total de frascos coletados) x 100. A “positividade real” subtrai a contaminação. Baixa positividade pode indicar coletas desnecessárias ou falhas pré-analíticas.
- Contaminação de Exames Microbiológicos: (Total de culturas contaminadas / Total de culturas solicitadas) x 100. Taxa de contaminação de hemocultura idealmente <3%.
- Taxa de Infecções por Bactérias MDR: (Nº de infecções por MDR x 1000) / pacientes-dia. Monitorar MRSA, Enterobacterales produtoras de ESBL e resistentes a carbapenêmicos.
Análise Crítica da Diretriz
A “Diretriz Nacional para Implantação de Programa de Gerenciamento de Antimicrobianos em Serviços de Neonatologia e Pediatria – 2025” representa um avanço significativo para a saúde pública brasileira, ao focar em uma população vulnerável e com particularidades farmacocinéticas e farmacodinâmicas distintas.
Pontos Positivos:
- Foco Específico: O direcionamento para neonatologia e pediatria preenche uma lacuna importante, pois muitas diretrizes de PGA são generalistas ou focadas em adultos. A diretriz reconhece que crianças não são “pequenos adultos”.
- Abordagem Multidisciplinar: A ênfase na colaboração entre médicos, farmacêuticos, enfermeiros e microbiologistas é fundamental para o sucesso de qualquer PGA. A descrição detalhada dos papéis de cada profissional é um ponto forte.
- Conteúdo Abrangente: Cobre desde a estrutura e governança do PGA, passando pelas particularidades farmacológicas, estratégias de implantação (como timeout e handshake stewardship), até indicadores de monitoramento.
- Ferramentas Práticas: A sugestão de ferramentas como a classificação AWaRe, Curva ABC, e a introdução da ferramenta PRAT oferece instrumentos concretos para a gestão e avaliação dos programas.
- Relevância dos Anexos: Os anexos sobre testes laboratoriais , ações do enfermeiro e a ferramenta PRAT são recursos valiosos para a prática clínica. (ver no original do documento, citado nesta sinopse)
- Contextualização da RAM: A introdução contextualiza bem a gravidade da RAM e a necessidade urgente de PGAs.
Pontos para Melhoria e Considerações:
- Metodologia da Revisão Bibliográfica: A ausência de uma descrição detalhada da metodologia de revisão bibliográfica, incluindo estratégias de busca, critérios de seleção e avaliação da qualidade das evidências (como o uso de GRADE), é uma limitação. Isso dificulta a avaliação da robustez de algumas recomendações sob uma perspectiva estritamente baseada em evidências. A menção de que se baseou também na “experiência dos autores”, embora valiosa, necessitaria de maior transparência sobre como essa experiência foi sistematizada e integrada às evidências científicas.
- Aplicabilidade em Cenários de Baixos Recursos: Embora a diretriz seja nacional, a aplicabilidade de todas as recomendações (ex: TDM para todos os casos indicados, disponibilidade de todos os testes diagnósticos rápidos, equipes completas de PGA com especialistas) pode ser um desafio em hospitais com recursos limitados, uma realidade em muitas partes do Brasil. Seria útil incluir um capítulo ou seções específicas com estratégias adaptadas para esses cenários, como já é abordado na diretriz geral da ANVISA de 2023.
- Integração com a Atenção Primária: Embora o foco seja hospitalar, uma breve discussão sobre a transição do cuidado e o papel da atenção primária na continuidade do uso racional de antimicrobianos após a alta hospitalar pediátrica poderia enriquecer o documento.
- Atualização Contínua: Dada a rápida evolução do conhecimento em infectologia e resistência antimicrobiana, um plano para revisões e atualizações periódicas da diretriz deveria ser mencionado. A data de “2025” no título sugere uma visão de futuro, mas a dinâmica da RAM exige vigilância constante.
Análise Crítica Geral: A diretriz é um documento de grande valor e utilidade, fornecendo um roteiro compreensivo para a implementação de PGAs em neonatologia e pediatria no Brasil. Seus pontos fortes residem na especificidade para a população alvo, na abordagem multidisciplinar detalhada e na apresentação de estratégias e ferramentas práticas. A principal fragilidade metodológica reside na falta de transparência do processo de revisão sistemática da literatura e graduação das evidências. No entanto, a expertise dos autores e colaboradores envolvidos confere credibilidade às recomendações. A implementação efetiva das orientações contidas nesta diretriz tem o potencial de melhorar significativamente a qualidade do uso de antimicrobianos em crianças e recém-nascidos, contribuindo para a segurança do paciente e para o combate à RAM.
Aplicabilidade Prática
A aplicabilidade prática da diretriz é alta, especialmente em serviços de saúde com estrutura mínima para estabelecer um PGA.
- Estruturação de Programas: Fornece um guia claro para hospitais que desejam iniciar ou aprimorar seus PGAs pediátricos/neonatais, desde a formação da equipe até a definição de responsabilidades.
- Otimização da Terapia: As seções sobre particularidades farmacocinéticas, terapia empírica, timeout e TDM oferecem subsídios técnicos para a tomada de decisão clínica diária.
- Monitoramento e Melhoria Contínua: A descrição de indicadores específicos para pediatria e o uso da ferramenta PRAT permitem que os serviços monitorem seu desempenho e identifiquem áreas de melhoria.
- Educação e Treinamento: As recomendações sobre educação podem ser diretamente implementadas para capacitar as equipes de saúde e conscientizar pacientes e familiares.
- Padronização de Condutas: A adoção dos protocolos e das 12 etapas de prevenção da RAM pode levar a uma maior padronização e segurança nos cuidados.
Contudo, a plena aplicabilidade pode ser limitada por:
- Disponibilidade de Recursos Humanos: A necessidade de infectologistas pediátricos, farmacêuticos clínicos com dedicação ao PGA e microbiologistas pode não ser uma realidade em todos os serviços. A diretriz reconhece isso ao sugerir alternativas, como pediatras com expertise.
- Recursos Diagnósticos e Terapêuticos: O acesso a testes diagnósticos rápidos, TDM e um espectro completo de antimicrobianos pode variar entre instituições.
- Cultura Organizacional: A mudança de cultura em relação à prescrição de antimicrobianos requer engajamento da alta gestão e de todas as equipes, o que pode ser um processo lento.
Apesar desses desafios, a diretriz oferece um arcabouço robusto que pode ser adaptado, mesmo que parcialmente, à maioria dos contextos hospitalares que atendem crianças e recém-nascidos.
Recomendações Adicionais e Pontos para Pesquisas Futuras
Com base na análise da diretriz e na literatura complementar, algumas recomendações e áreas para pesquisas futuras podem ser delineadas:
Recomendações Adicionais para a Prática:
- Fortalecimento da Formação: Investir na capacitação de profissionais de saúde (médicos, farmacêuticos, enfermeiros) em gerenciamento de antimicrobianos pediátricos desde a graduação e por meio de educação continuada, com foco nas particularidades dessa população.
- Desenvolvimento de Ferramentas de Suporte à Decisão Clínica: Criar e disseminar ferramentas eletrônicas ou aplicativos que incorporem as recomendações da diretriz, facilitando o acesso a informações sobre doses, interações, TDM e protocolos locais.
- Implementação Gradual e Adaptada: Incentivar que os serviços de saúde iniciem a implementação do PGA com as estratégias mais factíveis para sua realidade, expandindo gradualmente conforme os recursos e a maturidade do programa aumentam.
- Redes de Colaboração: Fomentar a criação de redes de colaboração entre hospitais para troca de experiências, dados de sensibilidade e desenvolvimento de estratégias regionais de PGA.
- Engajamento de Pacientes e Familiares: Desenvolver materiais educativos e estratégias de comunicação eficazes para engajar pais e cuidadores no uso racional de antimicrobianos e na prevenção de infecções.
Pontos para Pesquisas Futuras: A diretriz aponta, explícita e implicitamente, diversas áreas que necessitam de mais investigação :
- Infusão Contínua de Vancomicina em Neonatos: A diretriz menciona explicitamente a necessidade de “mais estudos prospectivos […] nessa população” para validar e otimizar a prática da infusão contínua de vancomicina em recém-nascidos.
- Métricas Pediátricas de PGA: “As métricas de uso de antimicrobianos em PGA pediátricos permanecem obscuras e que estudos adicionais são necessários”. Pesquisas são cruciais para desenvolver e validar métricas de consumo e desfecho mais robustas e específicas para a pediatria.
- Eficácia e Sustentabilidade de Estratégias Educacionais e de Facilitação: Avaliar o impacto a longo prazo de diferentes abordagens educativas (ex: telessaúde, simulação, aplicativos) para profissionais e para o público.
- Estratégias para Superar Barreiras ao Descalonamento: Investigar intervenções eficazes para aumentar as taxas de descalonamento antimicrobiano, incluindo a otimização do tempo de liberação de resultados microbiológicos.
- Impacto da Ferramenta PRAT: Estudar a aplicabilidade e o impacto da ferramenta PRAT na melhoria dos processos e resultados dos PGAs pediátricos em diferentes contextos brasileiros.
- Farmacocinética/Farmacodinâmica em Populações Pediátricas Específicas: Continuar estudos de PK/PD para diversos antimicrobianos em subpopulações pediátricas (ex: prematuros extremos, obesos, pacientes críticos com disfunções orgânicas) para refinar as recomendações de dosagem.
- Impacto Clínico e Econômico dos PGAs Pediátricos no Brasil: Realizar estudos multicêntricos para avaliar o impacto dos PGAs na redução da RAM, morbimortalidade, tempo de internação e custos em serviços de neonatologia e pediatria no contexto brasileiro.
- Microbiota e Uso de Antimicrobianos: Investigar mais a fundo o impacto do uso de antimicrobianos na microbiota de neonatos e crianças e suas consequências a longo prazo para a saúde, buscando estratégias para mitigar disbioses.
Fonte:
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (Brasil). Diretriz Nacional para Implantação de Programa de Gerenciamento de Antimicrobianos em Serviços de Neonatologia e Pediatria 2025. Brasília, DF: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/servicosdesaude/prevencao-e-controle-de-infeccao-e-resistencia-microbiana/gerenciamento-de-antimicrobianos-em-servicos-de-saude/DiretrizNacionalPGAPEDeNEO15.05.2025.pdf
Fontes Adicionais:
- ARAÚJO DA SILVA, A. R. et al. Patterns of antimicrobial consumption in neonatal and pediatric intensive care units in Germany and Brazil. European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases, v. 39, n. 2, p. 249–255, fev. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10096-019-03714-9
- Principais Conclusões: Observou-se diferentes padrões de consumo de antimicrobianos entre UTIs neonatais e pediátricas na Alemanha e no Brasil, com maior consumo nas unidades brasileiras, provavelmente relacionado a diferentes perfis locais de resistência. No Brasil, aminopenicilinas + aminoglicosídeos foram comuns em UTINs, e glicopeptídeos em UTIPs. Houve uso significativo de carbapenêmicos em ambos os países.
- ARAÚJO DA SILVA, A. R. et al. Effectiveness of antimicrobial stewardship programmes in neonatology: a systematic review. Archives of Disease in Childhood, v. 105, n. 6, p. 563–568, jun. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1136/archdischild-2019-318026
- Principais Conclusões: Programas de gerenciamento de antimicrobianos (ASPs) podem ser aplicados eficazmente em neonatologia. Limitar o uso de antibióticos de amplo espectro e encurtar a duração do tratamento são as abordagens mais promissoras. O impacto dos ASPs na RAM e nas infecções associadas aos cuidados de saúde (IRAS) necessita de avaliação em estudos de longo prazo.
- KRUMMENAUER, E. C. et al. A nationwide survey of Antimicrobial Stewardship in Pediatric Intensive Care Unit: implementation notes from the Brazilian underground. Antimicrobial Stewardship & Healthcare Epidemiology, v. 3, n. 1, e250, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ash.2023.530
- Principais Conclusões: Um estudo diagnóstico multicêntrico em UTIs pediátricas brasileiras revelou que os principais impedimentos para a implementação de PGAs incluem a falta de profissionais e recursos disponíveis para o programa.
- SHEIKH, S. et al. Identifying targets for antibiotic stewardship interventions in pediatric patients in Punjab, Pakistan: point prevalence surveys using AWaRe guidance. Frontiers in Pediatrics, v. 12, 1469766, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fped.2024.1469766
- Principais Conclusões: Alta prevalência de uso de antibióticos (82,1%), especialmente da categoria “Watch” da OMS (72,1%), e baixa adesão a prescrições baseadas em cultura (2%) em pacientes pediátricos no Paquistão, ressaltando a necessidade crítica de PGAs robustos. Ceftriaxona e vancomicina foram os mais usados.
- CANTRELL, S. et al. Antibiotic Stewardship in the Neonatal Intensive Care Unit: Effects of an Automatic 48-Hour Antibiotic Stop Order on Antibiotic Use. Journal of the Pediatric Infectious Diseases Society, v. 8, n. 4, p. 310–316, set. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1093/jpids/piy107
- Principais Conclusões: A implementação de ordens de parada automática de antibióticos após 48 horas em UTINs pode reduzir significativamente o uso desnecessário de antibióticos e a duração da terapia empírica, sem aumentar desfechos adversos, sendo uma ferramenta de stewardship eficaz.
Pesquisa no site www.ccih.med.br
- Título: Intervenção de stewardship antimicrobiano para reduzir doses desnecessárias de antibióticos em neonatos.
- Link: https://www.ccih.med.br/intervencao-de-stewardship-antimicrobiano-para-reduzir-doses-desnecessarias-de-antibioticos-em-neonatos/
- Resumo: Discute um estudo onde a alteração na redação da prescrição de antibióticos para sepse neonatal (de “antibióticos por 48 horas se a hemocultura for negativa” para “antibióticos por 48h, a menos que a hemocultura seja positiva”) reduziu significativamente o número de neonatos que receberam doses extras desnecessárias de 50% para 7,2%. Enfatiza que uma intervenção simples de stewardship pode ter grande impacto.
- Título: Atraso na administração de antibióticos entre bebês prematuros com infecção da corrente sanguínea.
- Link: https://www.ccih.med.br/atraso-na-administracao-de-antibioticos-entre-bebes-prematuros-com-infeccao-da-corrente-sanguinea/
- Resumo: Apresenta um estudo retrospectivo que identificou o impacto e fatores relacionados ao atraso na administração de antibióticos em prematuros com infecção primária da corrente sanguínea. O tempo médio até o início dos antibióticos foi de 1,9 horas. Fatores associados a maior tempo incluíram coleta de LCR/urina antes da administração e dificuldade de acesso venoso. Defende um equilíbrio entre administração rápida e estabilidade fisiológica, e o uso criterioso de antibióticos em UTINs.
- Título: Anvisa lança diretrizes para programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos.
- Link: https://www.ccih.med.br/anvisa-lanca-diretrizes-para-programa-de-gerenciamento-do-uso-de-antimicrobianos/
- Resumo: Noticia o lançamento de diretrizes da ANVISA para PGA, provavelmente referindo-se à diretriz geral de 2023 , e não especificamente à diretriz pediátrica/neonatal de 2025 aqui analisada, mas demonstra o alinhamento do site com as iniciativas da ANVISA.
Revisão Bibliográfica Adicional e Comparação com Outras Diretrizes
A diretriz da ANVISA se alinha com os princípios globais de antimicrobial stewardship, como os promovidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Os “Core Elements of Outpatient Antibiotic Stewardship” do CDC, por exemplo, enfatizam compromisso, ação para política e prática, rastreamento e relatórios, e educação e expertise, elementos também fortemente presentes na diretriz brasileira, embora esta última tenha um foco hospitalar pediátrico/neonatal.
Diretrizes internacionais de sociedades pediátricas como a Pediatric Infectious Diseases Society (PIDS) e a European Society for Paediatric Infectious Diseases (ESPID) também ressaltam a necessidade de programas de stewardship adaptados às crianças.
- PIDS: Enfatiza a importância de equipes de ASP incluindo médicos infectologistas e farmacêuticos, o uso de estratégias como auditoria prospectiva com feedback (semelhante ao handshake stewardship da diretriz ANVISA) e pré-autorização. A PIDS também discute métricas como DOT e taxas de aceitação de recomendações. Um ponto de convergência é a dificuldade de aplicar DDD em pediatria. A PIDS também aborda o papel crucial dos enfermeiros e a necessidade de alvos, processos e métricas de resultados adaptados localmente. Iniciativas como ordens de parada automática de antibióticos em UTINs, como descrito em estudos associados à PIDS , são exemplos de intervenções práticas alinhadas com o timeout proposto pela ANVISA.
- ESPID: Publica diretrizes para infecções específicas em crianças, como ITU complicada , que detalham a coleta de amostras, investigações e reavaliação da resposta terapêutica, complementando as orientações da ANVISA sobre diagnóstico e timeout. A ESPID também destaca a importância da formação em AMS desde a graduação médica e a necessidade de adaptar os princípios de AMS às particularidades pediátricas, como altas taxas de infecção e sintomas inespecíficos.
A diretriz da ANVISA de 2023 para PGA em serviços de saúde gerais já estabelecia componentes essenciais como apoio das lideranças, definição de responsabilidades, educação, ações para melhorar o uso (protocolos, auditoria, medidas restritivas), monitoramento e divulgação de resultados. A nova diretriz pediátrica/neonatal aprofunda esses componentes com as especificidades da faixa etária, como as discussões detalhadas sobre farmacocinética pediátrica, dosagem baseada em peso, TDM para fármacos específicos, e métricas de consumo adaptadas (DOT, DLA em vez de DDD).
O “Consenso sobre o uso racional de antimicrobianos” do Ministério da Saúde de 2001, embora mais antigo, já trazia recomendações importantes sobre diagnóstico, escolha de antimicrobianos, profilaxia (com dosagens pediátricas específicas para várias condições) e a necessidade de controle e padronização em hospitais. A diretriz de 2025 atualiza e expande significativamente esses conceitos dentro de uma estrutura formal de PGA, com foco nas estratégias de stewardship modernas.
Comparativamente, a diretriz da ANVISA é bastante completa ao integrar a estrutura de um PGA com as nuances clínicas e farmacológicas da pediatria e neonatologia. Enquanto diretrizes internacionais podem focar em aspectos específicos ou em contextos de sistemas de saúde diferentes, a diretriz brasileira busca ser um guia prático para a realidade nacional, incentivando a adaptação local. A ênfase na ferramenta PRAT parece ser uma contribuição particular da abordagem brasileira para sistematizar intervenções.
Principais Conclusões da Diretriz e das Fontes Adicionais:
- Necessidade de PGAs Específicos: Crianças e neonatos não são “adultos pequenos”; suas particularidades fisiológicas, farmacocinéticas e epidemiológicas exigem PGAs dedicados.
- Abordagem Multidisciplinar: O sucesso do PGA depende da colaboração efetiva entre médicos, farmacêuticos, enfermeiros, microbiologistas e gestores.
- Estratégias Centrais: Protocolos baseados em evidência, terapia empírica guiada localmente, timeout de antimicrobianos, handshake stewardship, TDM e educação contínua são pilares do PGA pediátrico.
- Métricas Adaptadas: Indicadores como DOT e DLA são mais apropriados para pediatria do que DDD. O monitoramento de taxas de adesão, contaminação de culturas e infecções por MDR é crucial.
- Desafios Globais e Locais: A RAM é uma ameaça global. No Brasil, desafios incluem a disponibilidade de recursos e profissionais especializados. Em países de baixa e média renda, a implementação de PGAs enfrenta obstáculos como falta de recursos humanos e diagnósticos inadequados.
- Impacto Positivo dos PGAs: PGAs bem implementados reduzem o consumo de antimicrobianos, especialmente os de amplo espectro, e podem melhorar desfechos clínicos, embora o impacto direto na RAM e IRAS em neonatos precise de mais estudos de longo prazo. Intervenções simples, como a alteração na redação de prescrições, podem ter grande impacto.
- Educação Contínua: É vital para todos os envolvidos, incluindo pacientes e familiares, para promover o uso racional e combater a RAM.
Comentários sobre os Achados: Os achados da diretriz da ANVISA são consistentes com a literatura internacional sobre antimicrobial stewardship em pediatria. A ênfase nas particularidades farmacocinéticas e na necessidade de uma equipe multidisciplinar bem definida é um ponto forte. A inclusão de ferramentas como a PRAT é inovadora e pode auxiliar na padronização e avaliação das intervenções. A comparação com outras diretrizes mostra um alinhamento nos princípios fundamentais, mas a diretriz brasileira se destaca por tentar fornecer um guia abrangente e adaptado à realidade nacional, incluindo anexos práticos. A pesquisa em bases de dados e no site ccih.med.br reforça a relevância dos temas abordados e a existência de iniciativas e estudos no Brasil, embora também aponte para desafios persistentes na implementação. A necessidade de mais pesquisas, especialmente em relação a métricas pediátricas robustas e ao impacto a longo prazo dos PGAs em desfechos como RAM em neonatos, é um consenso.
Síntese das Recomendações Finais e Campos para Pesquisa Futura
Recomendações Finais (Síntese da Diretriz):
- Estruturar o PGA: Estabelecer uma governança clara com apoio da alta direção, time multidisciplinar com papéis definidos (médico, farmacêutico, enfermeiro, microbiologista), e realizar diagnóstico situacional contínuo.
- Adaptar à Pediatria/Neonatologia: Considerar as particularidades de idade, peso, PK/PD, e os desafios diagnósticos específicos dessa população ao definir doses, esquemas e duração da terapia.
- Implementar Estratégias Chave: Desenvolver e utilizar protocolos clínicos locais; otimizar a terapia empírica com base em dados de sensibilidade locais; instituir o timeout de antimicrobianos (reavaliação em 36-48h); promover o handshake stewardship (auditoria prospectiva com feedback presencial).
- Otimizar o Uso de Fármacos: Realizar TDM para antimicrobianos de índice terapêutico estreito (vancomicina, aminoglicosídeos), ajustando doses para eficácia e segurança.
- Utilizar o Laboratório Estrategicamente: Garantir a qualidade da coleta e processamento de amostras microbiológicas; utilizar resultados para guiar descalonamento e terapia direcionada; monitorar perfis de resistência.
- Educar Continuamente: Capacitar profissionais de saúde sobre os princípios do PGA e as especificidades pediátricas; educar pacientes e familiares sobre o uso correto de antimicrobianos e prevenção de infecções.
- Monitorar e Avaliar: Utilizar indicadores de consumo (DOT, DLA), de processo (adesão a recomendações, contaminação de culturas) e de resultado (taxas de RAM, infecções por MDR) adaptados para pediatria. A ferramenta PRAT pode auxiliar na análise de intervenções.
- Prevenir a RAM: Adotar os 12 passos do CDC para prevenção da RAM, adaptados ao contexto pediátrico/neonatal.
Campos para Pesquisa Futura (Consolidado):
- Validação e Desenvolvimento de Métricas Pediátricas: Refinar e validar métricas de consumo, processo e desfecho específicas para PGAs em neonatologia e pediatria, que sejam robustas e aplicáveis em diversos contextos, incluindo os de baixos recursos.
- Estudos de Farmacocinética/Farmacodinâmica: Continuar a investigação de PK/PD para antimicrobianos novos e antigos em subpopulações pediátricas específicas (ex: prematuros extremos, obesidade infantil, pacientes com disfunções orgânicas múltiplas, terapia de substituição renal) para otimizar regimes de dosagem.
- Impacto Clínico e Epidemiológico de Longo Prazo: Realizar estudos prospectivos multicêntricos para avaliar o impacto sustentado dos PGAs pediátricos/neonatais na incidência de RAM, taxas de IRAS, mortalidade, tempo de internação e custos no sistema de saúde brasileiro.
- Otimização da Terapia Empírica: Desenvolver e validar algoritmos de decisão para terapia empírica em neonatos e crianças, integrando dados clínicos, biomarcadores e epidemiologia local, visando reduzir o uso desnecessário de antibióticos de amplo espectro.
- Eficácia de Intervenções de Stewardship: Comparar a eficácia e custo-efetividade de diferentes estratégias de stewardship (ex: timeout vs. pré-autorização, diferentes modelos de handshake stewardship) no contexto pediátrico.
- Infusão Contínua vs. Intermitente: Conduzir mais estudos prospectivos sobre a eficácia e segurança da infusão contínua de antimicrobianos (ex: vancomicina, beta-lactâmicos) em neonatos e crianças, avaliando desfechos clínicos e taxas de toxicidade.
- Diagnóstico Rápido e PGA: Avaliar o impacto da implementação de testes diagnósticos microbiológicos rápidos na otimização da antibioticoterapia e nos desfechos dos PGAs pediátricos.
- Estratégias Educacionais Inovadoras: Investigar a eficácia de novas abordagens educacionais (ex: gamificação, simulação realística avançada, plataformas de e-learning adaptativas) para melhorar o conhecimento e as práticas de stewardship entre profissionais de saúde e o engajamento de pais/cuidadores.
- Impacto na Microbiota: Aprofundar a pesquisa sobre os efeitos de curto e longo prazo do uso de antimicrobianos na microbiota intestinal e respiratória de neonatos e crianças, e o desenvolvimento de estratégias para mitigar a disbiose e suas consequências (ex: alergias, doenças autoimunes, obesidade).
- Implementação em Cenários de Baixos Recursos: Desenvolver e testar modelos de PGA adaptados e de baixo custo para implementação em hospitais com recursos limitados, focando em intervenções de alto impacto e viáveis.
A diretriz da ANVISA estabelece um marco importante, e a continuidade da pesquisa nessas áreas será fundamental para refinar as práticas e maximizar os benefícios dos Programas de Gerenciamento de Antimicrobianos para a saúde infantil no Brasil.
Anexo ao guia: Ferrmanta PRAT
A Ferramenta PRAT (Problemas Relacionados à Terapêutica Antimicrobiana) é um instrumento desenvolvido no Brasil com o objetivo de padronizar a identificação, categorização e análise de problemas associados ao uso de antibióticos. Sua finalidade principal é apoiar os Programas de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos (Antimicrobial Stewardship Programs – ASP) nas instituições de saúde, auxiliando na melhoria da qualidade da prescrição, na geração de indicadores e na gestão da terapia antimicrobiana.
Definição e Finalidade da Ferramenta PRAT
A PRAT foi concebida para preencher uma lacuna na harmonização do registro e análise das intervenções farmacoterapêuticas relacionadas aos antimicrobianos. Ela oferece uma estrutura para:
- Identificar o problema: Define o domínio geral do problema (ex: medicamento desnecessário, dose incorreta, duração inadequada do tratamento, espectro de ação inadequado).
- Categorizar o problema: Especifica subdomínios para detalhar a natureza do problema (ex: para “medicamento desnecessário”, um subdomínio poderia ser “profilaxia cirúrgica prolongada” ou “tratamento de colonização”).
- Sugerir intervenções farmacoterapêuticas: Orienta sobre as possíveis ações corretivas.
- Classificar o impacto: Avalia o impacto do problema em relação à terapia antimicrobiana, considerando aspectos de Indicação, Efetividade e Segurança do tratamento.
Ao sistematizar a coleta e análise desses dados, a ferramenta PRAT permite que as instituições de saúde compreendam melhor o perfil dos problemas com antimicrobianos em seus serviços, gerem indicadores de qualidade e monitorem o impacto das ações de stewardship.
Aplicação da Ferramenta PRAT em Unidades Neonatais e Pediátricas
Unidades neonatais e pediátricas são ambientes críticos para o uso racional de antibióticos devido à vulnerabilidade dos pacientes, às particularidades farmacocinéticas e farmacodinâmicas nessas faixas etárias, e ao alto risco de desenvolvimento e disseminação de resistência microbiana. A ferramenta PRAT pode ser aplicada de forma valiosa neste contexto:
Otimização do Uso de Antibióticos:
- Identificação de Prescrições Inadequadas: A PRAT pode ser utilizada para auditar prescrições de antibióticos em recém-nascidos e crianças, identificando problemas como:
- Seleção do antibiótico: Uso de antibióticos de amplo espectro quando um de espectro mais estreito seria apropriado; escolha empírica não alinhada com os perfis de sensibilidade locais.
- Dosagem: Doses subterapêuticas ou tóxicas, considerando peso, idade gestacional (em neonatos), função renal e hepática. A PRAT ajudaria a categorizar esses erros de forma padronizada.
- Duração do tratamento: Tratamentos desnecessariamente prolongados, aumentando o risco de resistência e efeitos adversos, ou tratamentos encurtados que podem levar à falha terapêutica.
- Indicação: Uso de antibióticos para condições não bacterianas (ex: infecções virais) ou para profilaxia quando não indicada.
- Descalonamento: Falha em ajustar a terapia para um antibiótico de espectro mais estreito após a identificação do patógeno e seu perfil de sensibilidade.
- Intervenções Direcionadas: Ao identificar e categorizar os PRATs, as equipes de stewardship podem realizar intervenções mais eficazes junto aos prescritores, como educação, discussão de casos, e desenvolvimento/revisão de protocolos clínicos específicos para a população neonatal e pediátrica.
- Geração de Indicadores de Qualidade: A ferramenta permite quantificar os tipos de problemas mais frequentes, os antibióticos mais envolvidos e as unidades/prescritores com maiores taxas de PRATs. Esses indicadores são cruciais para monitorar o impacto das estratégias de stewardship.
Implementação em Unidades Neonatais e Pediátricas:
Para aplicar a ferramenta PRAT eficazmente nessas unidades, é importante:
- Equipe Multidisciplinar: Envolver farmacêuticos clínicos, médicos neonatologistas/pediatras, infectologistas pediátricos e enfermeiros.
- Treinamento: Capacitar a equipe sobre como usar a ferramenta PRAT de forma consistente.
- Adaptação (se necessário): Embora a PRAT busque a padronização, pode ser necessário considerar as especificidades da neonatologia e pediatria ao definir subcategorias de problemas ou ao analisar o impacto.
- Integração com Sistemas de Informação: Se possível, integrar a coleta de dados da PRAT com os sistemas eletrônicos de prescrição e prontuários para facilitar o processo.
- Feedback Contínuo: Utilizar os dados gerados pela PRAT para fornecer feedback regular aos prescritores e discutir estratégias de melhoria.
Sinopse por:
Karine Oliveira:
https://www.linkedin.com/in/karine-oliveira-789815b4/
https://www.instagram.com/karine_oliveiraoficial/
Antonio Tadeu Fernandes:
https://www.linkedin.com/in/mba-gest%C3%A3o-ccih-a-tadeu-fernandes-11275529/
https://www.instagram.com/tadeuccih/
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