Pouco utilizados no Brasil, os cateteres de linha média poderão ser indicados substituindo os PICC? Saiba nesta ampla revisão do tema.
Contextualização da Terapia Intravenosa e Acessos Vasculares
A terapia intravenosa (TI) constitui uma pedra angular no tratamento de pacientes adultos em diversos cenários clínicos, desde a administração de fluidos e medicamentos até a nutrição parenteral e quimioterapia. A escolha do dispositivo de acesso vascular adequado é crucial para garantir a eficácia do tratamento, minimizar o desconforto do paciente e reduzir o risco de complicações. Dentre os dispositivos de média e longa permanência, o Cateter Central de Inserção Periférica (PICC) e o Cateter de Linha Média (Midline) são amplamente utilizados.
O PICC é inserido numa veia periférica, usualmente do braço, com a sua extremidade distal progredindo até uma veia central de grande calibre, tipicamente a veia cava superior. Esta característica permite a infusão segura de soluções hiperosmolares, vesicantes ou irritantes, sendo indicado para terapias de longa duração, nutrição parenteral total e regimes quimioterápicos. Por outro lado, o cateter Midline também é inserido perifericamente, mas a sua ponta termina numa veia de maior calibre do braço, como a basílica, cefálica ou braquial, em localização axilar ou subclávia distal, não alcançando o sistema venoso central.1 Os Midlines são geralmente indicados para terapias de duração intermediária, tipicamente entre 1 e 4 semanas, com soluções compatíveis com a infusão periférica.
A seleção criteriosa entre PICC e Midline é fundamental, pois uma escolha inadequada pode levar a complicações, interrupção da terapia e aumento dos custos associados ao cuidado de saúde. A decisão deve ponderar múltiplos fatores, incluindo a duração prevista da terapia, as características físico-químicas do infusato, a qualidade da rede venosa do paciente e o perfil de risco individual para complicações específicas de cada dispositivo.
PICC X Cateter de linha média?
Apesar da sua utilização disseminada, persiste uma controvérsia na literatura científica relativamente à superioridade de um dispositivo sobre o outro em termos de segurança, eficácia e relação custo-benefício. Profissionais de saúde frequentemente se deparam com o dilema de qual cateter oferece o melhor balanço entre benefícios e riscos para um determinado paciente. Esta incerteza é alimentada por estudos com resultados por vezes divergentes, dificultando a padronização de protocolos e a tomada de decisão baseada em evidências robustas.
A crescente utilização de ambos os dispositivos, impulsionada por diferentes vantagens percebidas – PICCs pela sua capacidade de infusão central e longa permanência, e Midlines pela tentativa de reduzir riscos associados ao acesso central, como as infecções da corrente sanguínea associadas a cateter central (CLABSI), uma vez que não são cateteres centrais – torna crucial uma análise comparativa aprofundada. Sem diretrizes claras, baseadas em evidências comparativas sólidas, há o risco de uso inadequado, subótimo ou excessivo de um ou outro dispositivo, o que pode resultar em complicações evitáveis, desconforto para o paciente e desperdício de recursos de saúde.
O que diz uma meta-análise recente?
Este artigo tem como objetivo principal analisar criticamente e de forma comparativa os cateteres PICC e Midline em pacientes adultos. A análise será fundamentada na meta-análise recentemente publicada por Wen J et al. , complementada por uma revisão bibliográfica de outros estudos científicos relevantes, incluindo meta-análises, ensaios clínicos randomizados (ECRs) e estudos de coorte. Serão apresentadas as principais conclusões sobre segurança (com foco em complicações como trombose e infecção), eficácia, custos e satisfação do paciente, comentando os achados e fornecendo conclusões finais embasadas na melhor evidência científica disponível.
Análise crítica da Meta-análise de Referência: Wen J et al. (2024)
A meta-análise conduzida por Jianyun Wen e colaboradores, intitulada “Which is the safer option for adult patients between peripherally inserted central catheters and midline catheters: a meta-analysis”, publicada online em 13 de novembro de 2024 no periódico Infection Control & Hospital Epidemiology, serve como ponto de partida para esta revisão. O estudo possui o DOI: 10.1017/ice.2024.190.
Metodologia da Meta-análise
Os autores realizaram uma busca sistemática em seis bases de dados com o intuito de identificar estudos que comparassem o uso de PICCs e Midlines (MCs) em pacientes adultos. Foram incluídos na análise final 14 estudos, que, em conjunto, englobaram um total de 20.675 pacientes. O desfecho primário avaliado foi a ocorrência de trombose. Como desfechos secundários, foram consideradas outras complicações, os custos associados e a taxa de satisfação dos pacientes com cada um dos dispositivos.
Quais foram seus principais resultados?
Os resultados da meta-análise foram apresentados de duas formas: baseados em dados por paciente e baseados em cateter-dias.
- Baseado em dados por paciente:
- O grupo de pacientes que utilizou Midline (MC) apresentou taxas significativamente mais elevadas de trombose venosa superficial (TVS) relacionada ao cateter (Risco Relativo: 0,42; Intervalo de Confiança [IC] 95%: 0,28–0,64). É importante notar que um RR < 1 para o grupo PICC indica que o risco é menor neste grupo; portanto, o grupo MC teve um risco aproximadamente 2,38 vezes maior de TVS.
- Da mesma forma, o grupo MC exibiu maiores taxas de infiltrações (RR: 0,27; IC 95%: 0,12–0,62), implicando um risco cerca de 3,7 vezes maior para Midlines, e de vazamentos (RR: 0,16; IC 95%: 0,05–0,53), indicando um risco aproximadamente 6,25 vezes maior para Midlines.
- Em contrapartida, o grupo de pacientes com PICC apresentou uma incidência maior de infecções da corrente sanguínea relacionadas ao cateter (ICSRC) (RR: 1,95; IC 95%: 1,15–3,32), ou seja, um risco 1,95 vezes maior em comparação com o grupo MC.
- Baseado em cateter-dias:
- Quando a análise considerou o tempo de permanência do cateter (cateter-dias), o grupo MC demonstrou um aumento nas complicações totais (RR: 0,51; IC 95%: 0,26–0,99), o que sugere um risco 1,96 vezes maior para Midlines ao ser comparado com PICC (dados de referência).
- Observou-se também um aumento na trombose relacionada ao cateter (combinando Trombose Venosa Profunda e TVS) (RR: 0,41; IC 95%: 0,18–0,95), indicando um risco 2,44 vezes maior para Midlines, e nos vazamentos (RR: 0,17; IC 95%: 0,05–0,64), representando um risco 5,88 vezes maior para Midlines.
- Principais 3 complicações (por 1.000 cateter-dias):
- Para o grupo PICC, as três complicações mais frequentes foram: oclusões do cateter (20 por 1.000 cateter-dias), dor no local ou relacionada ao cateter (15 por 1.000 cateter-dias) e flebite (11 por 1.000 cateter-dias).
- Para o grupo MC, as principais complicações foram: vazamentos (33 por 1.000 cateter-dias), remoções prematuras do cateter (22 por 1.000 cateter-dias) e TVP relacionada ao cateter (22 por 1.000 cateter-dias).
- Custos e Satisfação:
- A análise revelou que o grupo PICC esteve associado a taxas de insatisfação do paciente significativamente mais altas (RR: 4,77; IC 95%: 2,33–9,77) e a custos aumentados.
- Conclusões dos Autores (Wen J et al.)
Com base nos achados, os autores da meta-análise concluíram que: “Comparado ao MC, o PICC parece ser uma opção de cateterização intravenosa mais segura para pacientes adultos, exibindo menos complicações”. No entanto, eles próprios ponderam esta conclusão com uma ressalva importante: “No entanto, os custos mais elevados associados e as menores taxas de satisfação do PICC merecem séria atenção”.
Que análise crítica podemos fazer dessas recomendações?
A conclusão de Wen J et al. de que o “PICC parece ser mais seguro” baseia-se predominantemente na contagem de certas complicações, onde os Midlines apresentaram riscos relativos mais elevados para eventos como TVS, infiltrações, vazamentos e complicações totais por cateter-dias. Contudo, esta afirmação necessita de uma análise mais aprofundada. Os próprios dados da meta-análise indicam que os PICCs estão associados a um risco quase duas vezes maior de ICSRC (RR: 1,95), uma complicação de considerável gravidade clínica. Adicionalmente, os PICCs foram associados a um aumento de quase cinco vezes na insatisfação do paciente (RR: 4,77) e a custos mais elevados. Desta forma, a noção de “segurança” apresentada parece focar-se no número agregado de algumas complicações, potencialmente subestimando o impacto clínico diferencial de cada tipo de evento adverso, bem como a perspectiva do paciente e os aspetos econômicos. A “segurança”, neste contexto, é um construto multifacetado e não aponta universalmente a favor do PICC quando todos os desfechos são considerados com o devido peso.
Outro ponto que merece consideração crítica é a heterogeneidade dos estudos incluídos na meta-análise de Wen J et al. Embora não detalhada para todos os desfechos no resumo fornecido, a menção em um dos documentos de “Alta heterogeneidade estatística […] I2=82.4%; P=<0.001” para o desfecho de oclusão de veia de extremidade superior assintomática e que “apenas três estudos [foram] considerados de baixo risco de viés” levanta questões sobre a robustez geral das conclusões. Meta-análises são sensíveis à qualidade e à homogeneidade dos estudos primários. A combinação de estudos com diferentes desenhos metodológicos (ECRs, estudos observacionais) e variados níveis de qualidade pode introduzir vieses e dificultar a interpretação dos resultados agrupados. Esta heterogeneidade pode limitar a força da conclusão principal de Wen J et al. e sublinha a importância de comparar estes achados com os de outras revisões sistemáticas, especialmente aquelas que se concentram em estudos de maior rigor metodológico, como os ECRs.
Que informações adicionais podemos obter de uma revisão bibliográfica complementar: PICC vs. Midline em Adultos
Para obter um panorama mais amplo e contextualizar os achados de Wen J et al., esta seção explora outros estudos relevantes que comparam PICCs e Midlines em pacientes adultos, focando na segurança, eficácia, custos e experiência do paciente.
Segurança e Perfil de Complicações: Uma Visão Multifacetada
- Complicações Totais e Falha do Cateter:
Os achados sobre qual dispositivo está associado a um menor número de complicações totais são notavelmente divergentes na literatura. Em contraste direto com a conclusão principal de Wen J et al., uma meta-análise mais recente de Lai J-Y et al. (2024), que se concentrou exclusivamente em cinco Ensaios Clínicos Randomizados (ECRs) envolvendo 608 pacientes, reportou que os Midlines (MCs) exibiram uma taxa significativamente maior de complicações totais em comparação com os PICCs (RR = 1,95; IC 95% = 1,23–3,08; P=0,005; I2=0%). Adicionalmente, os MCs nesta meta-análise tiveram menores tempos de permanência e uma maior incidência de remoção prematura. A ausência de heterogeneidade (I2=0%) neste achado específico de Lai et al. sugere uma consistência entre os ECRs incluídos.
Corroborando os achados de Lai et al., o ECR conduzido por Thomsen SL et al. (2024), que incluiu 304 pacientes com necessidade de terapia intravenosa por 5 a 28 dias, também demonstrou que o grupo MC teve uma taxa de complicações relacionadas ao cateter significativamente maior (13,2% no grupo MC vs. 7,2% no grupo PICC; Taxa de Incidência Relativa de 2,37; IC 95%: 1,12–5,02; P = 0,02). No entanto, uma análise post-hoc interessante deste mesmo estudo, estratificada pelo tempo de permanência do cateter, não encontrou diferença estatisticamente significativa na taxa de complicações entre os dois grupos para cateteres utilizados por um período inferior a 16 dias (IRR: 1,16; IC 95%: 0,50–2,68; P = 0,73). Este detalhe sugere que a duração da permanência do cateter pode ser um modificador de efeito importante, e que para usos mais curtos, a diferença no perfil de complicações totais pode não ser tão pronunciada.
Por outro lado, um grande estudo de coorte prospectivo multicêntrico realizado por Swaminathan L et al. (2022), que analisou dados de 10.863 pacientes com indicações de curto prazo para acesso vascular (acesso venoso difícil ou antibioticoterapia ≤ 30 dias), encontrou que a inserção de PICC, em comparação com Midline, estava associada a um maior risco de complicações maiores (um desfecho composto que incluía TVP sintomática de membro superior, embolia pulmonar ou ICSRC) em um período de até 30 dias (Hazard Ratio 1,21; IC 95%: 1,02–1,44, conforme , ou Odds Ratio 1,99; IC 95%: 1,61–2,47. Conforme este achado de um estudo observacional robusto, focado em indicações de curto prazo, adiciona mais uma camada de complexidade à questão, sugerindo que, neste contexto específico, os PICCs podem estar associados a um maior risco de eventos adversos graves.
- Infecções da Corrente Sanguínea Relacionadas ao Cateter (ICSRC):
A evidência sobre o risco de ICSRC associado a PICCs e Midlines é particularmente mista. A meta-análise de Wen J et al. indicou um risco aumentado de ICSRC com PICCs (RR: 1,95). De forma semelhante, o estudo de coorte de Swaminathan L et al. encontrou que os PICCs estavam associados a um maior risco de infecção primária da corrente sanguínea (BSI) (1,6% para PICC vs. 0,4% para Midline; HR 1,76; IC 95%: 1,06–2,92).
No entanto, outros estudos apresentam um quadro diferente. A meta-análise de ECRs de Lai J-Y et al. não encontrou diferença significativa nas taxas de ICSRC entre Midlines e PICCs. O ECR de Thomsen SL et al. também reportou uma incidência de ICSRC muito baixa em ambos os grupos, sem diferença estatística (0 casos no grupo MC e 1 caso no grupo PICC; P > 0,99). Adicionalmente, uma meta-análise de Pathak R et al. (2023), que incluiu um ECR e dezenove estudos observacionais, sugeriu que o uso de Midline estava associado a menos pacientes desenvolvendo ICSRC em comparação com PICC (OR: 0,24; IC 95%: 0,15–0,38). Curiosamente, esta associação não foi observada quando os autores avaliaram o risco por cateter-dia.
Esta variabilidade nos achados sobre ICSRC pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo diferenças nas populações de estudo, nas definições de ICSRC utilizadas, nas práticas de inserção e manutenção dos cateteres, e na metodologia de vigilância de infecções em cada estudo ou instituição. A distinção entre risco por paciente e risco por cateter-dia também é crucial, pois terapias de durações diferentes podem influenciar a probabilidade cumulativa de infecção.
- Trombose (TVS e TVP):
O risco de complicações trombóticas, tanto superficiais (TVS) quanto profundas (TVP), é uma preocupação central na escolha entre PICC e Midline, e os achados são complexos. A meta-análise de Wen J et al. reportou que o grupo MC apresentou taxas mais elevadas de TVS (RR: 0,42 para PICC, implicando maior risco para MC) e de trombose relacionada ao cateter (TVP+TVS) por cateter-dias (RR: 0,41 para PICC, também implicando maior risco para MC). Especificamente, a TVP relacionada ao cateter foi uma das três principais complicações para MCs, ocorrendo a uma taxa de 22 por 1.000 cateter-dias.
Em contraste, a meta-análise de ECRs de Lai J-Y et al. não encontrou diferença significativa na incidência de trombose (geral) entre os dois tipos de cateteres. O estudo de coorte de Swaminathan L et al. também não encontrou diferença significativa nas taxas globais de TVP ou embolia pulmonar (EP) entre PICCs e Midlines em indicações de curto prazo. No entanto, uma análise temporal neste estudo revelou um menor risco de eventos de TVP para PICCs quando o tempo de permanência foi considerado (HR 0,53; IC 95%: 0,38–0,74), embora essa diferença não tenha sido significativa nos primeiros 10 dias após a inserção. Este achado sugere que, para terapias de curta duração (até 30 dias), embora o risco inicial possa ser semelhante, os Midlines podem apresentar um risco diário de TVP que se acumula mais rapidamente, ou, alternativamente, os PICCs podem conferir alguma proteção contra TVP com o aumento do tempo de permanência dentro dessa janela.
A meta-análise de Pathak R et al. (2023) corrobora parcialmente os achados de Wen J et al. no que diz respeito à TVS, mostrando, em uma análise de subgrupo, taxas significativamente maiores de TVS em pacientes que utilizaram Midline (OR: 2,30; IC 95%: 1,48–3,57). No entanto, este estudo não encontrou associação significativa para o risco de trombose localizada combinada (TVP+TVS) ou embolia pulmonar.
Um estudo observacional de centro único por Paje D et al. (2020) reportou que nenhum paciente com Midline (n=50) teve TVP documentada em prontuário, em comparação com 14,5% dos pacientes com PICC (n=63). Este resultado, no entanto, deve ser interpretado com cautela devido ao tamanho da amostra, ao desenho do estudo e à dependência da documentação clínica, podendo não refletir a incidência real ou ser generalizável. Em contraste, o estudo de Chopra V et al. (2019), focado em Midlines, reportou uma taxa de TVP de extremidade superior de 1,4% para estes dispositivos.
A incidência de trombose, portanto, parece variar consideravelmente entre os estudos. Há uma sugestão de que Midlines podem estar associados a um maior risco de TVS. O risco de TVP é mais controverso, com alguns estudos indicando um risco potencialmente maior com Midlines ou menor com PICCs ao longo do tempo, enquanto outros não encontram diferenças significativas. Fatores como o número de lúmens e o diâmetro do cateter e os fatores de risco intrínsecos do paciente (como história prévia de TVP, malignidade ativa ou estados de hipercoagulabilidade) são determinantes cruciais que devem ser considerados na avaliação individual do risco trombótico.
- Outras Complicações (Oclusão, Vazamento, Infiltração, Flebite, Dor, Remoção Prematura):
- Oclusão: A meta-análise de Wen J et al. identificou a oclusão como a principal complicação para PICCs, ocorrendo a uma taxa de 20 por 1.000 cateter-dias. O estudo de coorte de Swaminathan L et al. encontrou que os Midlines estavam associados a um risco significativamente menor de oclusão do dispositivo em comparação com os PICCs (2,1% para Midline vs. 7,0% para PICC; P < 0,001). O estudo de Chopra V et al. sobre Midlines reportou uma taxa de oclusão de 2,2% para estes dispositivos 2, e um ECR mencionado em 7 indicou uma taxa de oclusão de apenas 2% para Midlines. A educação da equipe de saúde e dos pacientes sobre os cuidados adequados com a infusão e a manutenção do cateter pode desempenhar um papel importante na redução das taxas de oclusão.
- Vazamentos e Infiltrações: Os achados são mais consistentes em relação a estas complicações. Wen J et al. reportaram que o grupo MC apresentou taxas mais elevadas de infiltrações (RR: 0,27 para PICC) e vazamentos (RR: 0,16 para PICC por paciente; RR: 0,17 para PICC por cateter-dias). De fato, os vazamentos foram a complicação mais frequente para MCs nesta meta-análise (33 por 1.000 cateter-dias). O estudo de Chopra V et al. sobre Midlines também identificou vazamento e infiltração como as complicações menores mais comuns, respondendo por 71% de todos os eventos adversos relacionados aos Midlines.
- Flebite: Wen J et al. listaram a flebite como a terceira principal complicação para PICCs (11 por 1.000 cateter-dias). Informações comparativas detalhadas sobre flebite em outros estudos não foram proeminentes nos materiais de pesquisa fornecidos.
- Dor: A dor relacionada ao cateter foi a segunda principal complicação para PICCs na meta-análise de Wen J et al. (15 por 1.000 cateter-dias). O estudo observacional de Paje D et al. investigou a dor e o desconforto durante a inserção do cateter, reportando que 20,0% dos pacientes com Midline experimentaram esses sintomas, em comparação com 31,8% dos pacientes com PICC, uma diferença que não atingiu significância estatística (P = 0,144). É importante notar a diferença no foco: Wen J et al. referem-se à dor durante a permanência do cateter, enquanto Paje et al. focam na experiência da inserção.
- Remoção Prematura: A remoção prematura do cateter, antes da conclusão da terapia planejada, é um indicador importante de falha do dispositivo. Wen J et al. identificaram as remoções prematuras como a segunda principal complicação para MCs (22 por 1.000 cateter-dias). A meta-análise de ECRs de Lai J-Y et al. também concluiu que os MCs tiveram uma maior incidência de remoção prematura. Um dos documentos cita uma diferença média (MD) de 7,30 remoções prematuras a mais por 1.000 cateter-dias para MCs em comparação com PICCs. Estes achados são consistentes e sugerem um maior risco de falha precoce com Midlines, provavelmente como consequência das taxas mais elevadas de outras complicações, como vazamentos, infiltrações ou mau funcionamento.
A aparente contradição nos achados sobre qual cateter é globalmente “mais seguro” ou apresenta “menos complicações” é, muito provavelmente, um reflexo de diversos fatores metodológicos e contextuais. Primeiramente, as diferenças nas metodologias dos estudos incluídos nas meta-análises são cruciais. A meta-análise de Wen J et al. incluiu uma gama mais ampla de desenhos de estudo (14 estudos, provavelmente uma mistura de ECRs e estudos observacionais), enquanto a de Lai J-Y et al. focou-se exclusivamente em ECRs (5 estudos). Os ECRs, quando bem conduzidos, oferecem um nível de evidência mais alto para avaliar a eficácia e segurança de intervenções, pois minimizam vieses de seleção e confusão. Portanto, os achados de Lai J-Y et al., que sugerem que Midlines têm mais complicações totais, podem ser considerados mais robustos nesse aspecto específico. Estudos observacionais, por outro lado, embora possam refletir melhor a “prática do mundo real”, são mais suscetíveis a vieses que podem influenciar os resultados. Como sabemos, estudos de coorte podem, por vezes, apresentar resultados que contradizem os de ECRs.
Em segundo lugar, as definições de desfechos podem variar significativamente entre os estudos. O que constitui uma “complicação total” pode agregar eventos de gravidade e impacto clínico muito distintos. Por exemplo, uma pequena infiltração pode ter um peso diferente de uma ICSRC. O estudo de Swaminathan L et al. utilizou o conceito de “complicações maiores”, que tem um significado clínico potencialmente mais grave do que um agregado de todas as complicações, menores e maiores.
Em terceiro lugar, as populações de pacientes e as indicações para o uso do cateter são heterogêneas. O estudo de Swaminathan L et al. focou-se especificamente em indicações de curto prazo (acesso venoso difícil ou antibioticoterapia ≤ 30 dias), e os seus resultados podem não ser generalizáveis para pacientes que necessitam de terapias mais longas, onde os PICCs são tradicionalmente mais utilizados. O estudo de Paje D et al. concentrou-se em pacientes com acesso venoso difícil, uma subpopulação específica.
Esta análise comparativa sugere que a escolha do cateter pode envolver um trade-off entre diferentes perfis de risco. Por exemplo, um PICC pode ter um risco menor de vazamento ou infiltração em comparação com um Midline (conforme Wen J et al.), mas pode estar associado a um risco maior de ICSRC (conforme Wen J et al. e Swaminathan L et al. 11) e a uma maior insatisfação do paciente (Wen J et al. 1). Por outro lado, um Midline pode oferecer um risco menor de ICSRC (conforme Pathak R et al. e Swaminathan L et al.), mas pode apresentar um risco maior de TVS (Pathak R et al., Wen J et al.) ou de complicações mecânicas totais e remoção prematura (Lai J-Y et al., Thomsen SL et al.). A decisão clínica, portanto, não se resume a identificar um dispositivo universalmente “mais seguro”, mas sim a ponderar estes riscos diferenciais no contexto das características individuais do paciente, da terapia proposta e dos objetivos do tratamento. Diretrizes de adequação, como as do MAGIC (Michigan Appropriateness Guide for Intravenous Catheters), que recomendam Midline sobre PICC se a terapia for compatível perifericamente e tiver duração até 14 dias, tentam incorporar essa ponderação.
Eficácia e Tempo de Permanência
- Tempo de Permanência:
A duração da permanência do cateter é um indicador de sua capacidade de completar a terapia planejada. Consistentemente, os estudos apontam para um tempo de permanência geralmente menor para os Midlines em comparação com os PICCs. A meta-análise de ECRs de Lai J-Y et al. encontrou que os MCs tiveram tempos de permanência significativamente menores. O estudo de coorte de Swaminathan L et al. reportou um tempo de permanência mediano para PICCs de 14 dias, enquanto para Midlines foi de apenas 6 dias. De forma similar, o estudo de Chopra V et al., focado em Midlines, observou um tempo mediano de permanência de 6 dias, com quase metade (49%) dos Midlines sendo removidos em até 5 dias após a inserção.
Curiosamente, o estudo observacional de Paje D et al. encontrou tempos de permanência curtos para ambos os dispositivos em sua coorte específica: < 5 dias para 50% dos pacientes com Midline e para 46% dos pacientes com PICC. Neste estudo, os Midlines foram predominantemente utilizados para acesso venoso difícil em pacientes que necessitavam de terapias mais curtas, o que pode explicar o tempo de permanência similarmente curto para ambos os cateteres nesse contexto particular.
O menor tempo de permanência dos Midlines pode ser atribuído a dois fatores principais: primeiro, eles são frequentemente indicados para terapias de duração mais curta por natureza; segundo, como discutido anteriormente, eles podem estar associados a taxas mais altas de certas complicações que levam à sua remoção prematura. Se a remoção prematura for frequente, isso impacta diretamente a eficácia do dispositivo em cumprir o plano terapêutico, podendo levar à necessidade de múltiplas tentativas de acesso vascular, o que aumenta o desconforto do paciente, o risco de novas complicações e os custos.
- Falha na Conclusão da Terapia / Remoção Prematura:
Conforme já mencionado, tanto a meta-análise de Wen J et al. quanto a de Lai J-Y et al. indicam uma maior incidência de remoção prematura para Midlines. Esta falha em manter o cateter in situ durante todo o período de tratamento necessário é uma limitação importante.
Em aparente contraste, a meta-análise de Pathak R et al. (2023) sugeriu que o PICC estava associado a um número maior de pacientes que falharam em completar a terapia. Esta discrepância pode dever-se a diferenças na definição de “falha em completar a terapia”, que pode abranger outros fatores além das complicações diretas do cateter, como a progressão da doença do paciente, a decisão de interromper o tratamento por outros motivos, ou mesmo a ocorrência de complicações graves como ICSRC que, embora possam não levar à remoção imediata do cateter, comprometem a continuidade da terapia planejada através desse acesso.
Custo-Efetividade
A avaliação da custo-efetividade de PICCs e Midlines é complexa e influenciada por múltiplos fatores, incluindo custos de aquisição do dispositivo, custos de inserção, manutenção, manejo de complicações e necessidade de substituição.
- Custos Diretos e Indiretos:
A meta-análise de Wen J et al. concluiu que os PICCs estavam associados a custos aumentados. No entanto, um estudo francês de microcusteio apresentou uma perspectiva diferente, encontrando que o Midline era mais econômicos tanto em comparação com o cateter periférico curto (SPC) (resultando numa economia de 39€ em 7 dias e 174€ em 14 dias) quanto em comparação com o PICC (economia de 102€ em 14 dias e 95€ em 21 dias). Este estudo sugere uma vantagem de custo para o Midline em terapias de curta a média duração, mesmo que o seu custo de aquisição individual seja superior ao de um SPC.
É importante notar que os custos de inserção do PICC podem variar consideravelmente dependendo da tecnologia utilizada. O mesmo documento destaca que a implantação de um PICC guiada por eletrocardiograma intracavitário (ECG-IC) envolve custos logísticos e de pessoal significativamente menores em comparação com a inserção guiada por fluoroscopia, que requer instalações de radiologia intervencionista. Além disso, esse estudo, embora focado em dispositivos de estabilização para PICCs, demonstra que a escolha de materiais de fixação (como StatLock® em vez de fita adesiva) pode reduzir significativamente os custos de manutenção e de manejo de complicações associadas ao PICC. Isto sublinha que o custo total de um dispositivo de acesso vascular não se limita ao preço do cateter em si, mas engloba todo o ecossistema de cuidados associados à sua utilização.
A análise de custo-efetividade deve, portanto, ser abrangente. Embora os PICCs possam ter custos iniciais de aquisição e inserção mais elevados (especialmente se for utilizada fluoroscopia), se apresentarem um tempo de permanência mais longo e uma menor taxa de falhas que exijam substituição (um ponto que, como vimos, é debatido na literatura), poderiam, teoricamente, tornar-se mais custo-efetivos para terapias de maior duração. Os Midlines, por sua vez, poderiam ser mais custo-efetivos para terapias de curta a média duração, desde que as suas taxas de complicações e remoção prematura sejam mantidas baixas. Se um Midline falhar prematuramente, como sugerido por alguns estudos, o custo de uma nova inserção (seja de outro Midline ou de um dispositivo diferente) precisa ser contabilizado, o que poderia anular qualquer economia inicial percebida.
Experiência e Satisfação do Paciente
A perspectiva do paciente é um componente essencial na avaliação de qualquer intervenção médica, incluindo a escolha de um dispositivo de acesso vascular.
- Achados sobre Conforto, Dor e Satisfação Geral:
A meta-análise de Wen J et al. reportou que o grupo PICC apresentou taxas de insatisfação significativamente mais altas (RR: 4,77) em comparação com o grupo Midline. Este é um achado preocupante, considerando a frequência com que os PICCs são utilizados.
No entanto, o estudo transversal de Leonardsen ACL et al. (anteriormente Løken et al.) (2020), que investigou as experiências de 359 pacientes com PICCs ou Midlines, oferece uma visão mais matizada. Embora os autores tenham constatado que as experiências dos pacientes não foram ótimas em todos os aspetos avaliados, poucos teriam preferido um cateter venoso periférico tradicional em detrimento do PICC ou Midline. As respostas de texto livre indicaram, inclusive, que muitos pacientes estavam “muito satisfeitos” com o seu cateter. Crucialmente, este estudo identificou que o único fator consistentemente associado às experiências negativas dos pacientes era a ocorrência de “complicações”. Isto sugere que, apesar dos inconvenientes, os pacientes reconhecem o valor de um acesso vascular mais duradouro como PICCs e Midlines, especialmente quando comparado à alternativa de múltiplas punções periféricas. A insatisfação parece estar mais ligada à experiência de complicações do que ao tipo de dispositivo em si.
O estudo observacional de Paje D et al. encontrou que os pacientes com Midlines relataram menos complicações em geral. Eles também reportaram menos dor ou desconforto durante a inserção dos Midlines (20,0%) em comparação com os PICCs (31,8%), embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significativa (P = 0,144). Se os Midlines, de fato, resultarem em menos complicações (conforme sugerido por Paje et al. em sua coorte), isso poderia, teoricamente, levar a uma maior satisfação do paciente, o que contradiria a implicação da meta-análise de Wen J et al. de que os PICCs (que, segundo eles, teriam menos complicações gerais) estão associados a uma menor satisfação.
A “insatisfação” com PICCs reportada por Wen J et al. pode ser um fenômeno multifatorial. Além das complicações diretas, outros fatores podem contribuir, como as restrições percebidas nas atividades diárias com um cateter central, o processo de inserção potencialmente mais invasivo ou desconfortável, ou mesmo a maior duração da terapia para a qual os PICCs são frequentemente indicados (o que implica um período mais longo para desenvolver insatisfação ou experienciar limitações). A natureza da doença subjacente que necessita de um PICC (por exemplo, quimioterapia, que por si só pode causar desconforto e mal-estar) também pode influenciar a percepção geral do paciente sobre o tratamento e o dispositivo. A metodologia utilizada para avaliar a satisfação na meta-análise de Wen J et al. também precisaria ser considerada para uma interpretação completa.
Discussão Integrada dos Achados
A análise comparativa entre PICCs e Midlines revela um cenário complexo, com evidências por vezes contraditórias e nuances importantes que desafiam conclusões simplistas sobre a superioridade de um dispositivo sobre o outro.
Comparação e Contraste dos Achados: Wen J et al. vs. Outros Estudos
A meta-análise de Wen J et al. concluiu que o PICC parece ser uma opção mais segura em termos gerais de número de complicações, mas ressalvou as preocupações com o maior risco de ICSRC, custos mais elevados e menor satisfação do paciente associados a este dispositivo. Esta conclusão central é contrastada por outros corpos de evidência significativos. A meta-análise de ECRs de Lai J-Y et al. e o ECR de Thomsen SL et al. sugerem, ao contrário, que os Midlines podem estar associados a taxas mais altas de complicações totais. Adicionalmente, o grande estudo de coorte de Swaminathan L et al. indica que, para indicações de curto prazo, os PICCs podem estar ligados a um risco maior de complicações maiores e de BSI.
As discrepâncias são também evidentes em desfechos específicos. No que tange às ICSRC, enquanto Wen J et al. e Swaminathan L et al. apontam para um risco maior com PICCs, Lai J-Y et al. e Thomsen SL et al. não encontraram diferenças significativas, e a meta-análise de Pathak R et al. até sugeriu um risco menor por paciente com Midlines. Em relação à trombose, Wen J et al. e Pathak R et al. indicam um risco aumentado de TVS com Midlines. Swaminathan L et al. 11 sugerem um menor risco de TVP com PICCs ao longo do tempo para indicações de curto prazo, enquanto Lai J-Y et al. não encontraram diferença global no risco de trombose.
Análise da Heterogeneidade entre os Estudos
Estas variações nos achados podem ser, em grande parte, atribuídas à heterogeneidade inerente aos estudos e às revisões. O desenho do estudo é um fator primordial. Meta-análises que se baseiam exclusivamente em ECRs, como a de Lai J-Y et al., são geralmente consideradas como fornecedoras de estimativas de efeito mais robustas para intervenções, devido ao menor risco de vieses. Por outro lado, meta-análises que incluem uma mistura de ECRs e estudos observacionais, como as de Wen J et al. e Pathak R et al., podem refletir melhor a prática clínica do “mundo real”, mas são inerentemente mais suscetíveis a vieses de seleção, confusão e informação, que podem distorcer os resultados agrupados. Como destacado, não é incomum que estudos de coorte apresentem resultados que contradizem os de ECRs. Estudos de coorte únicos, mesmo que grandes como o de Swaminathan L et al., podem ser influenciados por práticas institucionais específicas, pela composição da população de pacientes ou por fatores de confusão não medidos.
As definições de desfechos também contribuem para a variabilidade. A ausência de padronização nas definições de “complicação”, “infecção relacionada ao cateter” ou “trombose” entre os estudos dificulta comparações diretas e pode levar a conclusões divergentes. Por exemplo, a agregação de complicações menores e maiores sob o rótulo de “complicações totais” pode mascarar diferenças importantes no impacto clínico.
As populações de pacientes e as indicações para o uso do cateter são igualmente cruciais. A duração prevista da terapia intravenosa, a condição clínica subjacente do paciente (ex: paciente oncológico, crítico, ou com acesso venoso periférico difícil), o tipo de infusato (pH, osmolaridade, potencial vesicante/irritante) e as práticas de cuidado ao cateter variam amplamente e influenciam tanto a escolha do dispositivo quanto os resultados observados. Um dispositivo que se mostra superior em um contexto clínico pode não sê-lo em outro.
Implicações Clínicas dos Diferentes Perfis de Segurança e Eficácia
As evidências sugerem que não há um dispositivo universalmente superior, mas sim perfis de risco e benefício distintos. Se os PICCs, como sugerido por alguns estudos, apresentam um risco aumentado de ICSRC, esta é uma consideração de segurança primordial, dada a morbimortalidade associada a estas infecções. Por outro lado, se os Midlines, como indicado por outras fontes, estão associados a taxas mais altas de complicações mecânicas (vazamentos, infiltrações), remoção prematura e, possivelmente, TVS, isso também tem implicações clínicas significativas, incluindo a interrupção da terapia, a necessidade de novos acessos vasculares, o desconforto do paciente e o aumento da carga de trabalho para a equipe de enfermagem.
A maior taxa de remoção prematura dos Midlines, consistentemente reportada, compromete a sua eficácia em completar o plano terapêutico e pode levar a um ciclo de falhas de acesso e novas punções. Da mesma forma, o maior custo e a menor satisfação do paciente associados aos PICCs, conforme Wen J et al., representam barreiras importantes para a sua utilização, mesmo que algumas complicações específicas possam ser menos frequentes com este dispositivo em certas análises.
Considerações sobre a Escolha do Cateter
A decisão sobre qual cateter utilizar deve ser altamente individualizada, levando em consideração uma série de fatores:
Duração da Terapia: Midlines são geralmente considerados para terapias de curta a média duração (tipicamente 1-4 semanas, ou até 14 dias conforme as diretrizes MAGIC, ou mesmo até 30 dias como no estudo de Swaminathan L et al. PICCs são mais apropriados para terapias de longa duração, que podem estender-se por semanas, meses ou até mais de um ano.
Tipo de Medicação: Esta é uma consideração crítica. PICCs são necessários para a infusão de soluções com características que exigem diluição em uma veia central de grande fluxo, como quimioterápicos vesicantes ou irritantes administrados de forma contínua, soluções de alta osmolaridade (ex: nutrição parenteral concentrada) ou com pH extremo. Os Midlines são adequados apenas para a infusão de medicamentos e soluções compatíveis com veias periféricas.
Características do Paciente: A qualidade da rede venosa periférica do paciente é um fator importante; Midlines podem ser uma excelente opção para pacientes com acesso venoso difícil que necessitam de terapia por mais de alguns dias, mas para os quais um PICC não é estritamente necessário. O risco individual do paciente para trombose (história prévia de TVP, malignidade ativa, estados de hipercoagulabilidade) e para infecção (imunossupressão, neutropenia) deve ser cuidadosamente avaliado. As preferências do paciente, o seu estilo de vida e a capacidade de autocuidado (se aplicável) também devem ser incorporados na decisão.
A complexidade da escolha do cateter é tal que não existe uma resposta única ou um dispositivo “ideal” para todas as situações. A evidência científica atual, embora crescente, permanece fragmentada e, por vezes, contraditória. Isto sugere que o “contexto” – abrangendo o paciente, a indicação terapêutica, as características da instituição de saúde e a expertise da equipe de acesso vascular – desempenha um papel preponderante na determinação do dispositivo mais apropriado. Uma preocupação que emerge da literatura é a tendência de utilizar Midlines com o intuito de “contornar o sistema”, ou seja, para evitar a contabilização de infecções como CLABSI, uma vez que os Midlines não são cateteres centrais. Esta prática, se não for acompanhada de uma consideração cuidadosa do perfil de risco inerente ao Midline (como TVS, vazamentos, ou mesmo TVP em certos contextos), pode não resultar nos melhores desfechos para o paciente e representa uma abordagem problemática à segurança do acesso vascular. A decisão ótima requer uma avaliação criteriosa e multifatorial, e não uma escolha baseada num único parâmetro isolado, como “menor número de CLABSIs reportadas” ou “menos complicações totais num estudo específico”. A ausência de um consenso claro na literatura reforça a necessidade de julgamento clínico informado e da adesão a diretrizes baseadas em evidências, quando disponíveis e aplicáveis.
Conclusões Finais e Recomendações
Síntese das Evidências
A análise comparativa entre Cateter Central de Inserção Periférica (PICC) e Cateter de Linha Média (Midline) em pacientes adultos revela um panorama complexo, sem um vencedor claro universal. As evidências atuais indicam perfis de risco e benefício distintos para cada dispositivo:
PICC: Algumas análises, como a de Wen J et al., sugerem que os PICCs podem estar associados a um menor número de certas complicações mecânicas (como vazamentos e infiltrações) e, possivelmente, TVS, em comparação com os Midlines. No entanto, esta mesma meta-análise e outros estudos, como o de Swaminathan L et al., levantam preocupações significativas sobre um risco aumentado de Infecção da Corrente Sanguínea Relacionada ao Cateter (ICSRC) com PICCs. Adicionalmente, os PICCs foram consistentemente associados a custos mais elevados e a uma menor satisfação do paciente na análise de Wen J et al. O estudo de Swaminathan L et al. também sugere um possível menor risco de TVP com PICCs ao longo do tempo (dentro de uma janela de 30 dias) para indicações de curto prazo, embora o risco inicial possa ser semelhante.
Midline: Em contraste, os Midlines, segundo meta-análises de ECRs (Lai J-Y et al.) e ECRs individuais (Thomsen SL et al.), podem estar associados a taxas mais altas de complicações totais e a uma maior incidência de remoção prematura. Há também evidências de um risco aumentado de vazamentos, infiltrações (Wen J et al.) e TVS (Wen J et al. , Pathak R et al. com Midlines. No entanto, os Midlines podem oferecer vantagens em outros aspetos, como um potencial menor risco de ICSRC (conforme Pathak R et al. e Swaminathan L et al. ), custos potencialmente mais baixos em certos contextos, e podem representar uma boa opção para pacientes com acesso venoso difícil que necessitam de terapia de curta a média duração com infusatos compatíveis perifericamente (Paje D et al.).
- Resposta à Pergunta Central (PICC vs. Midline – o que diz uma meta-análise e a literatura?)
A meta-análise de Wen J et al. sugere que o PICC é uma opção mais segura em termos de uma contagem geral de certas complicações. No entanto, esta conclusão é significativamente matizada pelos próprios achados do estudo sobre maiores riscos de ICSRC, custos mais elevados e menor satisfação do paciente associados aos PICCs.
Outras meta-análises, especialmente aquelas que se focam em Ensaios Clínicos Randomizados (ECRs) como a de Lai J-Y et al. , e ECRs individuais como o de Thomsen SL et al. , apresentam uma visão diferente, sugerindo que os Midlines podem, na verdade, ter taxas de complicações totais mais altas. Adicionalmente, grandes estudos de coorte, como o de Swaminathan L et al., indicam que para indicações de curto prazo, os PICCs podem estar associados a um maior número de complicações maiores e de infecções da corrente sanguínea (BSI).
Portanto, a resposta à pergunta central não é unívoca. A literatura científica atual não aponta para uma superioridade global de um dispositivo sobre o outro. A “melhor” escolha depende criticamente do desfecho que se prioriza (ex: evitar ICSRC vs. evitar vazamentos), das características do paciente, da terapia proposta e do contexto clínico específico.
- Recomendações para a Prática Clínica
Com base na evidência analisada, as seguintes recomendações podem ser formuladas para a prática clínica:
- Individualização da Escolha do Dispositivo: A seleção do cateter (PICC ou Midline) deve ser uma decisão individualizada, baseada numa avaliação cuidadosa de múltiplos fatores. Recomenda-se a utilização de diretrizes baseadas em evidências, como o MAGIC (Michigan Appropriateness Guide for Intravenous Catheters), sempre que aplicável. Os fatores a considerar incluem:
Duração e tipo da terapia intravenosa: Compatibilidade do infusato com veias periféricas vs. necessidade de acesso central.
Condição clínica e histórico do paciente: Avaliar o risco individual para infecção, trombose e outras complicações.
Qualidade da rede venosa periférica: Midlines como opção para acesso difícil.
Custos e recursos institucionais: Considerar a custo-efetividade no contexto local.
Preferências informadas do paciente: Envolver o paciente na decisão, quando apropriado.
- Protocolos Rigorosos de Inserção e Manutenção: Independentemente do dispositivo escolhido, a implementação e adesão a protocolos rigorosos de inserção asséptica e manutenção são fundamentais para minimizar o risco de todas as complicações. A educação contínua da equipe de saúde e dos pacientes (ou cuidadores) sobre os cuidados com o cateter é crucial.
- Vigilância Contínua das Complicações: As instituições de saúde devem manter uma vigilância ativa e sistemática das taxas de complicações associadas a ambos os tipos de cateteres. Estes dados locais são essenciais para monitorizar a qualidade dos cuidados, identificar áreas de melhoria e informar as práticas institucionais.
Recomendações para Futuras Pesquisas
Apesar do volume crescente de pesquisas, persistem lacunas no conhecimento que necessitam ser abordadas:
- ECRs de Alta Qualidade: Há necessidade de mais ECRs multicêntricos, bem desenhados e com poder estatístico adequado, que comparem diretamente PICCs e Midlines em populações de pacientes específicas (ex: oncológicos, críticos, com doença renal crônica) e para diferentes durações de terapia. É crucial a utilização de definições de desfechos padronizadas para permitir comparações e meta-análises mais robustas.
- Estudos de Custo-Efetividade Abrangentes: São necessários estudos que avaliem a custo-efetividade real de cada dispositivo, considerando não apenas os custos de aquisição e inserção, mas também os custos de manutenção, o manejo de complicações, a necessidade de substituição do cateter (retrabalho) e o impacto na qualidade de vida do paciente.
- Estratégias de Redução de Complicações: Pesquisas focadas no desenvolvimento e avaliação de estratégias para reduzir complicações específicas de cada dispositivo são bem-vindas (ex: bundles de prevenção de ICSRC para PICCs, técnicas para minimizar vazamentos e TVS em Midlines).
- Avaliação da Experiência do Paciente: É importante aprofundar a avaliação da experiência e satisfação do paciente com cada tipo de cateter, utilizando instrumentos validados e explorando os fatores que mais influenciam a sua percepção.
A jornada para determinar o dispositivo de acesso vascular “ideal” para cada situação clínica é contínua e evolutiva. A prática clínica deve adaptar-se à medida que novas evidências emergem, mantendo sempre como prioridade a segurança do paciente, a eficácia da terapia e a tomada de decisão compartilhada e informada. A simples substituição de um tipo de cateter por outro, sem uma análise criteriosa dos riscos e benefícios específicos para o paciente e o contexto, pode não levar a melhores desfechos e pode, inclusive, introduzir novos desafios.
Fonte:
WEN, Jianyun et al. Which is the safer option for adult patients between peripherally inserted central catheters and midline catheters: a meta-analysis. Infection Control & Hospital Epidemiology, [S.l.], v. 46, p. 27–34, 2025. Cambridge University Press. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ice.2024.190.
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WEN, J. et al. Which is the safer option for adult patients between peripherally inserted central catheters and midline catheters: a meta-analysis. Infection Control & Hospital Epidemiology, v. 46, p. 27–34, 2025. Publicado online em 13 nov. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ice.2024.190
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