Índices de infecção hospitalar em UTI neonatal durante 21 anos comprova a importância de programas de controle de infecção e do uso de antimicrobianos num hospital brasileiro.
FAQ: Infecção Hospitalar em Neonatos – Lições e Desafios
Parte I: O Cenário da Infecção Neonatal
1. Por que os neonatos, especialmente os prematuros, são tão vulneráveis a infecções hospitalares?
Os neonatos, sobretudo os prematuros de baixo peso, têm um sistema imunológico imaturo, com defesas celulares e humorais limitadas. Além disso, a barreira da pele e das mucosas é mais frágil, e eles são frequentemente submetidos a procedimentos invasivos (cateteres, ventilação mecânica), que servem como porta de entrada para microrganismos.
2. Quais são as infecções hospitalares (IRAS) mais comuns em uma UTI Neonatal?
As mais comuns e de maior impacto são as Infecções Primárias da Corrente Sanguínea (IPCS), frequentemente associadas a cateteres venosos centrais. Em seguida, vêm a Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV) e, em menor frequência, a meningite.
- Referência: Critérios Nacionais de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde – Neonatologia – Anvisa (2024)
3. Quais foram as principais mudanças no perfil dos microrganismos causadores de infecção neonatal nos últimos 20 anos?
Ao longo das últimas décadas, observou-se uma transição. Embora os Estafilococos coagulase-negativos continuem sendo frequentes, houve um aumento preocupante na incidência de bacilos Gram-negativos, como Klebsiella pneumoniae, muitos deles com perfil de multirresistência, tornando o tratamento um grande desafio.
4. Quais são os principais fatores de risco para um neonato desenvolver uma infecção hospitalar?
Os fatores de risco mais significativos são a prematuridade, o baixo peso ao nascer, o tempo de internação e o uso de dispositivos invasivos, como cateter venoso central, ventilação mecânica e nutrição parenteral prolongada.
- Referência: Healthcare-associated Infections in the NICU – Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
Parte II: Estratégias de Prevenção Baseadas em Evidências
5. Qual a medida de prevenção mais importante e que foi reforçada ao longo das últimas duas décadas?
A higiene das mãos continua sendo a pedra angular e a medida isolada mais eficaz na prevenção de infecções. A pesquisa ao longo dos anos apenas reforçou que a adesão rigorosa a esta prática por toda a equipe e também pelos pais/visitantes é fundamental.
6. O que é um “bundle” de prevenção de infecção de corrente sanguínea (IPCS) e qual seu impacto em neonatos?
Um bundle é um conjunto de poucas práticas baseadas em evidências que, quando aplicadas de forma conjunta e consistente, resultam em uma redução drástica das infecções. Para IPCS em neonatos, o bundle inclui higiene das mãos, precauções máximas de barreira na inserção, antissepsia da pele com clorexidina (em maiores de 2 meses) e reavaliação diária da necessidade do cateter.
- Referência: Prevenção de Infecção de Corrente Sanguínea em Neonatologia – YouTube CCIH Cursos (Nota: Link hipotético, representando o tipo de conteúdo do canal)
7. Qual o papel do leite materno e do colostro na prevenção de infecções neonatais?
O leite materno é uma “medicina” preventiva. É rico em anticorpos (principalmente IgA secretora), prebióticos e componentes imunológicos que protegem a mucosa intestinal, diminuem o risco de sepse e de enterocolite necrosante. A colostroterapia (oferta de gotas de colostro na boca) é uma prática cada vez mais valorizada.
8. Como a política de uso racional de antimicrobianos (Stewardship) se aplica à neonatologia?
É crucial. O uso indiscriminado de antibióticos em neonatos seleciona bactérias multirresistentes e pode causar disbiose intestinal, aumentando o risco de infecções fúngicas e enterocolite. O Stewardship em neonatologia foca em iniciar antibióticos apenas quando estritamente necessário e suspendê-los precocemente (ex: em 48h se as culturas forem negativas).
9. Quais são as estratégias para prevenir a Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV) no neonato?
As estratégias incluem a priorização de ventilação não invasiva, a manutenção da cabeceira elevada, a realização de higiene oral cuidadosa (com leite materno ou soluções apropriadas), a aspiração de secreções apenas quando necessário e a gestão adequada dos circuitos do ventilador.
10. O contato pele a pele (método canguru) pode ajudar a prevenir infecções?
Sim. O método canguru demonstrou reduzir o risco de infecções hospitalares graves. Ele promove a estabilidade térmica e cardiorrespiratória do neonato, estimula a amamentação e favorece a colonização do bebê com a microbiota protetora da mãe.
- Referência: Kangaroo mother care to reduce morbidity and mortality in low-birth-weight infants – Cochrane Review
Parte III: O Papel da Equipe Multiprofissional
11. Quais são os sinais de sepse neonatal que a equipe deve estar atenta?
Os sinais em neonatos são frequentemente sutis e inespecíficos. A equipe deve estar atenta a qualquer mudança no estado geral, como instabilidade térmica (hipo ou hipertermia), letargia, irritabilidade, dificuldade respiratória, intolerância alimentar, vômitos ou alteração da perfusão periférica.
12. Qual o papel do médico neonatologista na liderança da prevenção de infecções?
O médico lidera ao indicar precisamente os procedimentos invasivos, ao reavaliar diariamente a necessidade de cateteres e ventilação, e ao guiar o uso racional de antimicrobianos. Ele é o principal responsável por promover uma cultura de segurança e seguir os protocolos baseados em evidências.
13. Qual a responsabilidade da enfermagem neonatal na execução das medidas de prevenção?
A enfermagem é a principal executora do cuidado seguro. Sua responsabilidade vai desde a higiene rigorosa das mãos até a manutenção impecável dos cateteres, a administração segura de medicamentos e dietas, e a vigilância contínua para a detecção precoce de sinais de infecção.
14. Como o farmacêutico clínico contribui para a segurança do neonato em uma UTI?
O farmacêutico é essencial no cálculo preciso das doses de medicamentos (que são baseadas em peso e idade gestacional), no preparo de nutrição parenteral em ambiente estéril, na orientação sobre diluições e compatibilidades de drogas, e como membro ativo da equipe de Antimicrobial Stewardship.
- Referência: Atuação do Farmacêutico Clínico em Pediatria e Neonatologia – Conselho Federal de Farmácia (CFF)
15. Como os pais/família podem ser envolvidos na prevenção de infecções na UTI Neonatal?
Os pais são parceiros no cuidado. Eles devem ser exaustivamente orientados sobre a importância da higiene das mãos antes de tocar no bebê. Também podem ser incentivados a participar de cuidados como o método canguru e a ordenha de leite materno, que são medidas protetoras.
Parte IV: Desafios Específicos e Futuro
16. Por que os Staphylococcus coagulase-negativos (SCoN) são patógenos tão frequentes em neonatos?
Os SCoN, como o S. epidermidis, fazem parte da microbiota normal da pele. Em neonatos com cateteres de longa permanência, eles podem formar um biofilme no dispositivo, tornando-se uma causa frequente de infecção de corrente sanguínea de início tardio, apesar de sua baixa virulência em outros contextos.
17. Qual o desafio representado por bactérias Gram-negativas multirresistentes na UTI Neonatal?
Surtos por Gram-negativos multirresistentes (como Klebsiella pneumoniae produtora de KPC) em UTIs neonatais são devastadores. As opções de tratamento são muito limitadas e tóxicas para os neonatos, e a mortalidade é extremamente alta. O controle exige medidas de bloqueio rigorosas.
- Referência: Controle de surtos por bactérias multirresistentes – YouTube CCIH Cursos (Nota: Link hipotético)
18. O uso de probióticos é uma estratégia recomendada para prevenção de infecções?
O uso de probióticos para a prevenção de enterocolite necrosante em prematuros de muito baixo peso tem mostrado resultados promissores em diversos estudos. No entanto, a recomendação ainda não é universal e deve ser discutida pela equipe local, considerando a cepa e a dose a ser utilizada, pois existem riscos em populações de extremo risco.
- Referência: Probiotics for prevention of necrotizing enterocolitis in preterm infants – Cochrane Review
19. Como o ambiente da UTI Neonatal (incubadoras, equipamentos) atua como reservatório de patógenos?
Incubadoras, berços aquecidos, ventiladores e outros equipamentos podem se tornar reservatórios de bactérias se não forem limpos e desinfetados corretamente entre o uso dos pacientes. A sobrevivência de patógenos no ambiente reforça a necessidade de uma rotina de limpeza rigorosa.
20. Onde os profissionais podem encontrar as diretrizes mais atualizadas sobre prevenção de infecção em neonatologia?
As principais fontes de diretrizes baseadas em evidências no Brasil são a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a Anvisa. Internacionalmente, as recomendações do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) são referências fundamentais.
1. Principal Achado
O estudo demonstrou que a implementação de medidas de controle de infecção, incluindo o uso racional de antimicrobianos e treinamentos contínuos da equipe de saúde, resultou em uma baixa prevalência de sepse neonatal tardia causada por bactérias multirresistentes (MR) ao longo de 21 anos (2000–2020), sem impacto significativo na mortalidade hospitalar.
2. Importância do Tema
A sepse neonatal tardia (LONS – Late-Onset Neonatal Sepsis) representa uma causa significativa de morbidade e mortalidade neonatal, especialmente quando causada por patógenos multirresistentes. A implementação e manutenção de estratégias eficazes de controle de infecção são essenciais para minimizar o impacto da resistência antimicrobiana em unidades neonatais.
3. O que se sabia sobre o tema
- A sepse neonatal é responsável por 12-15% das mortes neonatais no mundo.
- A resistência antimicrobiana é uma consequência direta da pressão seletiva causada pelo uso inadequado de antibióticos.
- Em 1995, um surto de sepse por Enterobacter cloacae multirresistente em uma UTI neonatal brasileira levou à implementação de medidas de controle, incluindo treinamento da equipe, higiene das mãos e mudanças no protocolo de antibióticos.
- Estudos anteriores mostraram alta incidência de sepses por bacilos Gram-negativos multirresistentes em países de baixa e média renda.
4. Metodologia do Estudo
- Tipo de estudo: Estudo observacional retrospectivo (2000–2020).
- Local: Unidade neonatal de nível III do Hospital da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil.
- População: 12.119 neonatos admitidos na UTI neonatal.
- Critérios de inclusão: Neonatos com diagnóstico de sepse neonatal tardia confirmada por cultura positiva para Staphylococcus aureus, bacilos Gram-negativos (GNB) e Enterococcus sp.
- Critérios de exclusão: Sepses precoces e infecções fúngicas.
- Análises estatísticas: Avaliação de tendência anual por regressão joinpoint.
5. Principais Resultados
- Taxa global de LONS: 4,6% ao longo de 21 anos.
- Tendência temporal: Houve uma redução significativa na incidência de LONS de 2000 a 2016 (p < 0,0001, inclinação -0,36). Entretanto, de 2016 a 2020, observou-se uma tendência de aumento não significativa (p = 0,08, inclinação +0,92).
- Frequência de sepses por bactérias multirresistentes: Representaram 15,8% dos casos analisados.
- Tendência da sepse por MR: Pequeno aumento ao longo dos anos, mas sem significância estatística (p = 0,08, inclinação +0,50).
- Mortalidade hospitalar: Não houve diferença estatisticamente significativa entre os casos de sepse por MR e não-MR (p = 0,413).
6. Conclusões dos Autores
- A prevalência de sepse neonatal tardia por bactérias multirresistentes permaneceu baixa e estável ao longo das duas décadas analisadas.
- O protocolo de controle de infecção e a política de uso racional de antimicrobianos foram eficazes na redução das infecções por microrganismos multirresistentes.
- A adoção de medidas contínuas de controle de infecção, como treinamento de equipes, higiene rigorosa das mãos e auditorias regulares, foram fundamentais para a manutenção dos baixos índices de infecção.
7. Fatores Limitantes e Possíveis Confundidores
- Ausência de um grupo controle: Não foi possível comparar neonatos sem sepse para identificar fatores de risco adicionais.
- Falta de dados sobre colonização materno-fetal: O estudo não analisou a transmissão vertical de patógenos.
- Mudanças nos critérios laboratoriais: As diretrizes para testes de sensibilidade antimicrobiana foram atualizadas durante o período do estudo, podendo ter influenciado os resultados.
- Variação no uso de antimicrobianos: Não foi analisada a relação entre o consumo de antibióticos e a taxa de infecção por microrganismos multirresistentes.
8. Fonte
BAZAN, Ivan Gilberto Macolla; LOBO, Barbara Barros Pereira; SCHREIBER, Angelica Zaninelli; CALIL, Roseli; MARBA, Sergio Tadeu Martins; CALDAS, Jamil Pedro de Siqueira. Long-lasting effects of control measures on trends in incidence in neonatal late-onset sepsis due to multiresistant bacteria in a Brazilian neonatal unit. American Journal of Infection Control, v. 53, p. 22-29, 2025. DOI: 10.1016/j.ajic.2024.08.007.
9. Nossos Comentários
O estudo reforça a importância de programas estruturados de prevenção e controle de infecção (PCI) em UTIs neonatais. A evidência de que estratégias simples, como a higiene das mãos e o uso criterioso de antibióticos, podem ter um impacto duradouro na redução da resistência bacteriana destaca o papel essencial do treinamento contínuo da equipe hospitalar.
Além disso, o achado de que a mortalidade hospitalar não aumentou mesmo com a presença de microrganismos multirresistentes sugere que um protocolo adequado de antimicrobianos, aliado a um monitoramento rigoroso, pode mitigar os riscos associados à resistência bacteriana.
No entanto, o aumento não significativo da sepse após 2016 levanta um alerta para a necessidade de reavaliar periodicamente as políticas de controle de infecção e intensificar a vigilância microbiológica.
Deixamos aqui nossos parabéns à equipe do da UNICAMP pela trabalho e pela publicação numa das mais prestigiadas publicações internacionais sobre controle de infecção.
10. Classificação da Multirresistência Antimicrobiana por Gênero Bacteriano
🔹 Acinetobacter sp:
- Resistência a carbapenêmicos ou ampicilina/sulbactam.
🔹 Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis:
- Resistência à vancomicina (VRE – Vancomycin-resistant enterococcus).
🔹 Escherichia coli:
- Resistência a aminoglicosídeos e cefalosporinas de terceira geração, ou
- Resistência a carbapenêmicos, ou
- Cepas produtoras de ESBL (extended-spectrum beta-lactamase).
🔹 Citrobacter sp, Enterobacter sp, Serratia sp, Providencia sp, Proteus sp:
- Resistência a aminoglicosídeos e cefalosporinas de terceira ou quarta geração, ou
- Resistência a carbapenêmicos (CRE – carbapenem-resistant Enterobacterales).
🔹 Klebsiella sp:
- Resistência a aminoglicosídeos e cefalosporinas de terceira geração, ou
- Resistência a carbapenêmicos, ou
- Cepas produtoras de ESBL.
🔹 Morganella sp:
- Resistência a aminoglicosídeos e cefalosporinas de terceira geração.
🔹 Pseudomonas sp:
- Resistência a amicacina e ceftazidima ou cefepima, ou
- Resistência a carbapenêmicos.
🔹 Staphylococcus aureus:
- Resistência à oxacilina ou cefalosporinas de primeira geração (MRSA – methicillin-resistant Staphylococcus aureus).
11. Links relacionados:
Prevenção e controle de infecções em UTI neonatal: https://www.ccih.med.br/prevencao-e-controle-de-infeccoes-em-uti-neonatal/
Duração da antibioticoterapia empírica na suspeita de sepse neonatal: https://www.ccih.med.br/duracao-da-antibioticoterapia-empirica-na-suspeita-de-sepse-neonatal/
Infecção hospitalar em neonatos por Gram negativos – um risco crescente: https://www.ccih.med.br/infeccao-hospitalar-em-neonatos-por-gram-negativos-um-risco-crescente/
12. Sinopse por:
Antonio Tadeu Fernandes:
https://www.linkedin.com/in/mba-gest%C3%A3o-ccih-a-tadeu-fernandes-11275529/
https://www.instagram.com/tadeuccih/
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