“Descubra como a vigilância epidemiológica hospitalar evoluiu para a filosofia da tolerância zero às infecções preveníveis. Entenda as estratégias, desafios e inovações no controle de IRAS em hospitais e serviços de saúde.”
As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) deixaram de ser vistas como um “mal inevitável” da prática clínica. A nova epidemiologia hospitalar traz evidências robustas de que a maioria delas pode ser evitada, desde que se adotem estratégias de vigilância ativa, educação continuada e intervenções multidimensionais. No entanto, desafios como a subnotificação, o déficit de equipes e a perpetuação de dogmas científicos ainda ameaçam o avanço da segurança do paciente.
Este artigo oferece uma análise crítica e atualizada sobre o papel da vigilância de IRAS, trazendo lições da pandemia de COVID-19, resultados internacionais de sucesso e perspectivas para o uso de inteligência artificial como aliada. Mais do que números, trata-se de um chamado para gestores e profissionais assumirem uma postura de “tolerância zero” diante de eventos preveníeis.
📌 FAQ – Vigilância de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS)
1. O que são IRAS e por que são um problema tão importante?
As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) englobam aquelas adquiridas em hospitais, ambulatórios, clínicas, unidades de longa permanência e até mesmo em atendimentos domiciliares. São responsáveis por aumento de mortalidade, tempo de internação, custos e repercussões sociais.
👉 Leitura complementar: Medidas de Prevenção de IRAS – ANVISA .
2. Qual a diferença entre os termos “infecção hospitalar” e IRAS?
O termo “infecção hospitalar” era usado quando os casos estavam restritos a hospitais. Com a ampliação dos serviços de saúde, passou-se a adotar IRAS, que inclui qualquer cenário assistencial (ambulatório, UTI, home care etc.).
👉 Artigo de apoio: O que faz o epidemiologista hospitalar? – CCIH.med.br .
3. O que significa “tolerância zero para IRAS preveníveis”?
Significa que não se deve aceitar taxas “médias” como satisfatórias. Estudos mostram que uma proporção muito maior de IRAS é evitável. Estratégias como bundles (pacotes de medidas baseadas em evidências) podem reduzir drasticamente infecções como CLABSI e CA-UTI.
👉 Evidência científica: The INICC multidimensional approach for preventing device-associated infections .
4. Quais são as principais metodologias de vigilância de IRAS?
- Vigilância de Incidência: mede novos casos em determinado período (ex.: infecções por 1.000 dias-cateter).
- Vigilância de Prevalência: avalia a proporção de pessoas infectadas em um momento específico.
👉 CDC recomenda vigilância de incidência como mais sensível para comparações.
5. O que é a abordagem multidimensional do INICC?
É um pacote integrado com seis pilares: bundles, educação, vigilância de desfecho, vigilância de processo, feedback de desfecho e de desempenho. Essa abordagem já mostrou reduzir IRAS em até 54% para CLABSI e 79% para pneumonia associada à ventilação mecânica.
👉 Leitura: INICC multidimensional approach – Infect Control Hosp Epidemiol
6. Quais são os principais desafios para vigilância no Brasil?
Pesquisas mostram que muitos Serviços de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) estão subdimensionados, com equipes pequenas e recursos insuficientes. Isso compromete a busca ativa e a qualidade dos dados.
👉 Estudo: Serviços de Controle de Infecção Hospitalar – Porto Alegre .
7. A pandemia de COVID-19 teve impacto na vigilância de IRAS?
Sim. A suspensão de notificações obrigatórias em alguns países resultou em aumento de IRAS como CLABSI e MRSA. A pandemia mostrou que conquistas podem ser frágeis sem políticas de incentivo e monitoramento contínuo.
👉 Referência: CDC – Bennett & Brachman’s Hospital Infections (2023).
8. Qual o papel da inteligência artificial na vigilância de IRAS?
A IA já é usada para analisar prontuários eletrônicos, detectar pneumonia, CLABSI e CA-UTI com alta sensibilidade e até prever sepse. Representa o futuro da vigilância, tornando-a mais rápida e precisa.
👉 Artigo: The future of HAI surveillance – PubMed.
9. O que é o sistema KISS, utilizado na Alemanha?
É um sistema gratuito e assistido por computador para vigilância de IRAS. Permite comparação padronizada entre hospitais e é compulsório, o que ajuda a elevar a qualidade nacional de prevenção.
👉 Artigo: The Hospital Infection Surveillance System (KISS) – ResearchGate.
10. Que medidas práticas todo hospital deve adotar?
- Bundles para dispositivos invasivos.
- Treinamento contínuo da equipe.
- Validação da qualidade dos dados.
- Feedback regular dos indicadores.
- Uso de tecnologias de vigilância.
👉 Manual ANVISA: Medidas de Prevenção de IRAS.
1. A Redefinição da Luta contra as Infecções Hospitalares na Era Moderna
A vigilância e a prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) emergem como pilares fundamentais da segurança do paciente no cenário de saúde global. O advento de microrganismos multirresistentes e o impacto de crises sanitárias recentes, como a pandemia de SARS-CoV-2, trouxeram a importância desses temas para o centro das discussões clínicas, gerenciais e políticas.1 A abordagem moderna transcendeu a visão histórica de um problema inevitável, substituindo a complacência do “monitoramento e controle” por uma filosofia mais ambiciosa e moralmente imperativa: a “tolerância zero para IRAS preveníveis”.1
A pandemia de SARS-CoV-2 demonstrou, de forma alarmante, a fragilidade do progresso na prevenção de IRAS. Dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) documentaram que a suspensão temporária dos requisitos de notificação de infecções em algumas agências regulatórias, como os Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS) nos Estados Unidos, resultou em um aumento nas taxas de IRAS, incluindo infecções da corrente sanguínea associadas a cateter venoso central (CLABSI), infecções do trato urinário associadas a cateter (CA-UTI) e infecções da corrente sanguínea por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA).1 Esse retrocesso demonstra um fenômeno crítico: o progresso na segurança do paciente não é inerente à prática clínica, mas é frequentemente impulsionado por incentivos externos, como a notificação pública e a prestação de contas.1 A vigilância, nesse contexto, não é apenas um meio de medir o problema, mas um catalisador para a mudança de comportamento institucional e a sustentabilidade das melhorias.
2. O Papel da Epidemiologia Hospitalar: Pilar da Segurança do Paciente
2.1 O que se sabia sobre o tema: Histórico e a Evolução da Vigilância
A epidemiologia, derivada do grego “epi” (sobre), “demos” (povo) e “logos” (razão), iniciou-se como o estudo de epidemias.1 Sua aplicação ao ambiente de saúde, conhecida como epidemiologia hospitalar, evoluiu consideravelmente ao longo das décadas.1 O termo “infecção nosocomial” foi historicamente utilizado para infecções adquiridas em hospitais. No entanto, com a expansão dos cuidados de saúde para ambientes ambulatoriais, de longa permanência e domiciliares, a terminologia foi ampliada para “Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde” (IRAS).1
O CDC foi fundamental na padronização da vigilância com a criação do sistema National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS) na década de 1970.1 Este sistema permitiu que os hospitais monitorassem a incidência de IRAS e seus fatores de risco e patógenos associados, fornecendo a primeira estrutura para a comparação de dados.1 No entanto, a prática predominante de “benchmarking” – comparar as taxas de um hospital com a média nacional – criou um ambiente de complacência. Se as taxas de um hospital estivessem abaixo da média, muitas vezes se concluía que “nenhuma ação adicional era necessária”.1 Esse ponto de vista, embora aparentemente racional, subestimava o verdadeiro potencial de prevenção.1
2.2 A principal descoberta e sua importância: Da complacência à tolerância zero
A principal descoberta da epidemiologia hospitalar moderna não se baseia em um único dado, mas em um novo entendimento da capacidade de intervenção. Evidências recentes demonstraram que uma proporção maior de IRAS é evitável do que se estimava anteriormente.1 A implementação de intervenções multimodais, ou “bundles”, permitiu que algumas instituições alcançassem reduções drásticas em suas taxas de IRAS, com taxas de CLABSI em unidades de terapia intensiva (UTIs) caindo para menos de 1 por 1.000 dias-cateter.1 Isso invalidou o paradigma anterior de “tolerância aceitável” e deu lugar à meta de “tolerância zero para IRAS preveníveis”.1
Essa mudança de perspectiva é crucial. O benchmarking, ao se basear na média, permite que hospitais com taxas medianas de infecção permaneçam inertes, considerando suas taxas “aceitáveis”.1 A busca pela “tolerância zero”, por outro lado, é um compromisso com a melhoria contínua e a excelência, motivando a equipe a implementar todas as medidas preventivas baseadas em evidências, independentemente do desempenho de outras instituições.1 O epidemiologista hospitalar, como “inteligência de dados” do hospital 2, é a peça-chave para impulsionar essa mudança de mentalidade, transformando dados brutos em ações estratégicas que salvam vidas e recursos.2
3. Metodologia e Resultados: Ferramentas e Estratégias para a Medição do Sucesso
3.1 Metodologia de estudo: As abordagens da vigilância
A vigilância de IRAS pode ser conduzida de diferentes maneiras, cada uma com suas vantagens e desvantagens. As duas mais comuns são a vigilância de incidência e a de prevalência.1
- Vigilância de Incidência: Concentra-se no número de novos casos de doença em uma população de risco durante um período definido.1 É a base do sistema National Healthcare Safety Network (NHSN) do CDC, que sucedeu o NNIS.1 As taxas são frequentemente expressas como o número de eventos por 1.000 dias-paciente ou, para infecções associadas a dispositivos, como o número de infecções por 1.000 dias-dispositivo (e.g., dias-cateter).1 Essa métrica é especialmente útil porque ajusta o risco de infecção pela duração da exposição ao dispositivo, permitindo comparações mais precisas.1
- Vigilância de Prevalência: Avalia a proporção de indivíduos com a doença em um ponto específico no tempo.1 É uma metodologia mais utilizada na Europa, e complementa a vigilância de incidência ao fornecer uma visão da carga da doença em um momento determinado.1
A escolha da metodologia é crucial. A vigilância de incidência, particularmente em hospitais com recursos limitados, pode ser desafiadora. A falta de pessoal e de infraestrutura, como evidenciado por estudos no Brasil 3, pode levar a uma vigilância subdimensionada, com baixa sensibilidade e subnotificação.4 A má qualidade dos registros e a falta de sistemas de busca ativa contribuem para a imprecisão dos dados, criando uma “precisão sem acurácia”.4 Para contornar essas limitações, uma abordagem abrangente e validada é essencial.
3.2 A abordagem multidimensional do INICC: Uma solução para
contextos limitados
O International Nosocomial Infection Control Consortium (INICC) desenvolveu uma “Abordagem Multidimensional” (IMA) que se mostrou eficaz na redução de taxas de IRAS em hospitais de países com recursos limitados (LMCs).1 Essa metodologia vai além da simples vigilância de desfecho e integra um pacote de seis componentes.1
Tabela 1: Abordagem Multidimensional do INICC (IMA) para Redução de IRAS
Componente da IMA | Descrição |
Bundles (Pacotes de Intervenção) | Conjuntos de práticas baseadas em evidências que, quando implementadas em conjunto, demonstraram reduzir infecções de forma significativa (e.g., bundles para CLABSI, PAV e CA-UTI).1 |
Educação e Treinamento | Programas de educação contínua para profissionais de saúde, especialmente enfermeiros, sobre medidas de controle de infecção e a importância da adesão.1 |
Vigilância de Desfecho | Medição sistemática e padronizada das taxas de IRAS e suas consequências, como mortalidade, tempo de internação e custos.1 |
Vigilância de Processo | Monitoramento regular da adesão da equipe às práticas de controle de infecção, como a higiene das mãos e o cuidado com cateteres, para garantir a consistência.1 |
Feedback de Desfecho | Comunicação regular e transparente das taxas de IRAS e suas consequências para a equipe de saúde, para conscientizar e motivar.1 |
Feedback de Desempenho | Fornecimento de retorno sobre a adesão da equipe às práticas de controle de infecção, permitindo que os profissionais vejam o resultado de seus esforços.1 |
3.3 Principais resultados e significância estatística
A aplicação da abordagem do INICC resultou em reduções significativas e estatisticamente relevantes nas taxas de IRAS em diversos estudos multinacionais.1
- Infecções da Corrente Sanguínea Associadas a Cateter Venoso Central (CLABSI): Um estudo multinacional do INICC em 15 países demonstrou uma redução de 54% nas taxas de CLABSI, que caíram de 16,0 para 7,4 por 1.000 dias-cateter (RR = 0,46, IC 95% = 0,33-0,63, P < 0,001).1 A mortalidade associada a essas infecções também diminuiu 58%.1 Em UTIs neonatais, a redução foi ainda mais expressiva, alcançando 55%.1
- Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV): A implementação da IMA levou a uma redução de 38% na taxa de PAV em 21 UTIs na Índia, e de 79% em um hospital na China.1 Outro estudo em UTIs adultas na Turquia observou uma redução de 46% (RR = 0,54, IC 95% = 0,42-0,7, P = 0,0001).1
- Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter (CA-UTI): Um estudo em 15 países-membros do INICC mostrou uma redução de 37% na taxa de CA-UTI, que diminuiu de 7,86 para 4,95 por 1.000 dias-cateter (RR = 0,63, IC 95% = 0,55-0,72).1 Em UTIs pediátricas, a taxa de redução foi de 57%.1
Esses resultados demonstram que a abordagem multidimensional, que combina vigilância, educação e feedback, é uma estratégia altamente eficaz para combater as IRAS em diferentes contextos hospitalares, inclusive naqueles com recursos limitados.1
4. Uma Visão Crítica: Fatores Limitantes, Confundidores e o Rigor da Evidência
A vigilância de IRAS, embora crucial, não está isenta de desafios e limitações. A análise crítica da metodologia e dos resultados é essencial para evitar dogmas e garantir que as intervenções sejam verdadeiramente eficazes.
4.1 Fatores limitantes e confundidores na vigilância
A vigilância de infecções é um processo complexo com múltiplas etapas, desde a observação de sintomas até o registro final. Um artigo na Journal of Hospital Infection argumenta que falhas em qualquer uma dessas etapas levam à “subnotificação sistemática”, resultando em uma “precisão sem acurácia”.4 A sensibilidade da vigilância manual é frequentemente baixa, o que significa que o verdadeiro peso das IRAS é subestimado.4 Essa subnotificação não é necessariamente um sinal de incompetência, mas um reflexo da complexidade inerente ao processo e da falta de recursos.3
Outro desafio é o que o documento descreve como “viés de base de mudança” (shifting-base bias) e o “déficit cognitivo” do Standardized Infection Ratio (SIR), métrica utilizada nos EUA para notificação pública.1 Essa métrica, embora padronizada, pode levar a classificações imprevisíveis de hospitais e a conclusões errôneas.1 A validação da qualidade dos dados de vigilância (sensibilidade e especificidade) é fundamental, mas, historicamente, tem sido deficiente nos programas de notificação pública.1
4.2 Críticas à hierarquia das evidências: RCTs e o surgimento de dogmas
A elaboração de diretrizes para a prevenção de IRAS, que frequentemente dá ênfase máxima a ensaios clínicos randomizados (RCTs) e metanálises, tem sido alvo de críticas importantes.1 O documento de pesquisa levanta questões sobre a validade dessas abordagens quando aplicadas ao complexo ambiente hospitalar.1
- Poder Estatístico Insuficiente: Muitos RCTs incluídos em metanálises são “subdimensionados” (underpowered), o que significa que não têm o tamanho amostral necessário para detectar um efeito significativo.1 As conclusões de muitas metanálises são, na verdade, impulsionadas por um ou dois estudos maiores, e a combinação de múltiplos estudos com falhas de design pode não resultar em uma conclusão válida.1
- A Formação de Dogmas: Um exemplo notável é a recomendação de manter a normotermia durante procedimentos cirúrgicos para reduzir o risco de infecções do sítio cirúrgico (SSI).1 Essa recomendação, que se tornou um “dogma” em diversas diretrizes, foi baseada em um único RCT de mais de 25 anos.1 Um estudo mais recente, entretanto, mostrou que a taxa de SSI era na verdade maior, e não menor, em pacientes que mantiveram a normotermia de forma agressiva.1 Esse caso ilustra como uma evidência frágil pode se perpetuar em diretrizes, destacando a necessidade de uma análise crítica contínua e de um ceticismo saudável, em vez da aceitação automática de recomendações.
5. Revisão Bibliográfica Integrada: O Conhecimento Científico Atual
Uma revisão da literatura em diversas bases de dados corrobora e expande os achados do material de pesquisa, demonstrando o dinamismo e as inovações no campo da vigilância e prevenção de IRAS.
5.1 Artigos do CCIH e BIREME
- Vigilância como “Inteligência de Dados”: Um artigo do site ccih.med.br reforça a visão de que a epidemiologia hospitalar é a “inteligência de dados” do hospital, transformando dados brutos em informações acionáveis para a segurança do paciente.2 A vigilância de IRAS é descrita como o “pilar” da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), envolvendo a coleta de dados sobre taxas de incidência, prevalência, microrganismos e perfis de resistência, com o objetivo de gerar feedback oportuno para a equipe.2
- Desafios no Brasil: Um estudo de Porto Alegre, RS, publicado na BVSalud, identificou que muitos Serviços de Controle de Infecções Hospitalares (SCIH) estavam subdimensionados em relação à legislação.3 Essa inadequação de pessoal e recursos limitava a realização de atividades de prevenção e controle de infecções consagradas na literatura, sugerindo a necessidade de revisão dos requisitos legais.3
- Medidas de Prevenção da ANVISA: O documento “Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde” da ANVISA destaca a vigilância e o feedback como medidas cruciais.5 Ele enfatiza a importância do treinamento da equipe, com estratégias multimodais (aulas, simulações, feedback), e reforça a higiene das mãos como uma medida fundamental.5
5.2 Artigos de bases internacionais
A pesquisa em bases como PubMed e ResearchGate revela o futuro da vigilância e a evolução das metodologias.
- Automação e Inteligência Artificial: Artigos recentes 6 preveem que a evolução da Inteligência Artificial (IA), como modelos de linguagem, irá transformar a vigilância de IRAS. O uso de dados de prontuários eletrônicos de saúde (EHR) com processamento de linguagem natural (PLN) já permite a identificação automatizada de infecções como pneumonia, CLABSI e CA-UTI com alta sensibilidade e especificidade.6 A IA também se mostra promissora na previsão precoce de sepse, com acurácia de 61% a 99%.6 Embora a implementação desses sistemas seja ainda rara, eles representam um futuro com taxas de infecção mais objetivas e oportunas.6
- Vigilância e Dogmas: Um artigo do Infection Control & Hospital Epidemiology de 2015 discute a necessidade de padronização na vigilância para permitir comparações regionais e nacionais.7 Ele menciona o sistema alemão KISS (Hospital Infection Surveillance System) como um modelo assistido por computador e gratuito, que considera fatores de risco e influência.7 A participação neste sistema, que é compulsória na Alemanha, ilustra como a regulamentação pode impulsionar a melhoria da qualidade.7
- Controle de Infecções e Abordagens Multimodais: O artigo Efficacy of a care bundle to prevent multiple infections in the intensive care unit 8 descreve um estudo quase-experimental na Turquia que avaliou a eficácia de um pacote de cuidados para prevenir infecções na UTI. O estudo focou na prevenção de PAV, CLABSI e CA-UTI simultaneamente. Os resultados mostraram que a implementação do pacote de cuidados, que incluía um alto nível de adesão pelos enfermeiros, levou a uma redução nas taxas de infecção, demonstrando a importância das abordagens combinadas.
6. Conclusões Finais e Recomendações
6.1 Conclusões dos autores
A análise do material de pesquisa e da literatura complementar permite uma síntese clara das conclusões sobre a vigilância de IRAS. A vigilância é o motor da prevenção. O modelo passivo de apenas “contar e comparar” com a média nacional é insuficiente e pode levar à complacência.1 A principal conclusão é que uma proporção muito maior de IRAS é evitável do que se pensava, e a busca por uma “tolerância zero” é um objetivo realista quando se adotam estratégias proativas e multifacetadas.1 A eficácia da abordagem multidimensional do INICC, com reduções substanciais e estatisticamente significativas nas taxas de infecções associadas a dispositivos, fornece uma evidência robusta de que a prevenção é um investimento com retorno em termos de vidas salvas e custos reduzidos.1
6.2 Comentários adicionais
A epidemiologia hospitalar moderna se encontra em uma encruzilhada fascinante. O desafio não é apenas coletar dados, mas interpretá-los de forma crítica, evitando vieses e dogmas. O aumento da resistência antimicrobiana e o surgimento de novos patógenos exigem uma vigilância constante e aprimorada. A colaboração entre a inteligência humana (epidemiologistas, clínicos) e a inteligência artificial (sistemas de vigilância automatizados) será o futuro para uma prevenção mais precisa e oportuna. A lição da pandemia de SARS-CoV-2 é que as conquistas na prevenção de IRAS são frágeis e precisam de suporte contínuo, tanto administrativo quanto cultural.1
6.3 Recomendações dos autores
Com base na análise, as seguintes recomendações são propostas para a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) de qualquer instituição de saúde:
- Adotar uma Abordagem Multidimensional: A implementação de pacotes de intervenção (bundles) por si só não é suficiente. É vital combiná-los com educação, vigilância de processo, e feedback constante de desempenho e de desfecho.
- Fortalecer a Vigilância de Processo: A vigilância de processo é uma ferramenta crucial para garantir que as práticas de prevenção (e.g., higiene das mãos, cuidado com o cateter) sejam aplicadas de forma consistente, minimizando o risco de transmissão de patógenos.
- Investir em Validação de Dados: Acurácia é mais importante que precisão. É fundamental ter certeza de que a vigilância está capturando a real carga de infecções, buscando ativamente casos e validando os dados, especialmente se forem utilizados para comparações ou notificação pública.
- Promover uma Cultura de Análise Crítica: A equipe do CCIH deve ser encorajada a questionar recomendações de diretrizes, especialmente se baseadas em evidências limitadas, e buscar a melhor adaptação das práticas às necessidades e ao perfil de risco da sua instituição.
- Integrar a Tecnologia: Explorar e implementar ferramentas automatizadas e de inteligência artificial para a vigilância, que possam oferecer dados em tempo real e auxiliar na previsão de riscos, liberando o tempo dos profissionais para a intervenção e a educação.
A vigilância de IRAS é mais do que coleta de dados: é a força motriz da prevenção. A experiência internacional mostra que, quando combinamos bundles, treinamento contínuo, vigilância de processo e feedback transparente, é possível reduzir drasticamente infecções graves e salvar vidas. O futuro aponta para a integração entre a inteligência humana e a inteligência artificial, tornando a vigilância mais precisa, rápida e preditiva. No entanto, nenhum recurso tecnológico substitui o compromisso institucional com a segurança do paciente. O desafio para hospitais e gestores é transformar informação em ação e adotar, de forma irreversível, a filosofia da tolerância zero às infecções preveníveis.
Referências citadas
- Bennett & Brachmans Hospital Infections 7e.pdf
- Quem Realmente Previne Infecções no Hospital? A Verdade que …, acessado em setembro 3, 2025, https://www.ccih.med.br/o-que-faz-o-infectologista-hospitalar-o-controlador-de-infeccao-e-o-epidemiologista-hospitalar/
- Serviços de Controle de Infecção Hospitalar: características … – BVS, acessado em setembro 3, 2025, https://docs.bvsalud.org/upload/S/1679-1010/2014/v12n1/a4041.pdf
- Syndromic Surveillance for Healthcare-Associated Infections, acessado em setembro 3, 2025, https://infectioncontrol.tips/2016/02/15/syndromic-surveillance-for-healthcare-associated-infections/
- Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à … – Portal Gov.br, acessado em setembro 3, 2025, https://docs.bvsalud.org/biblioref/2024/04/1538094/medidas-de-prevencao-de-infeccao.pdf
- The future of healthcare-associated infection surveillance … – PubMed, acessado em setembro 3, 2025, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40469046/
- The Hospital Infection Surveillance System (KISS) | Request PDF, acessado em setembro 3, 2025, https://www.researchgate.net/publication/46257070_The_Hospital_Infection_Surveillance_System_KISS
- Efficacy of a care bundle to prevent multiple infections in the intensive care unit: A quasi-experimental pretest-posttest design study – ResearchGate, acessado em setembro 3, 2025, https://www.researchgate.net/publication/323104281_Efficacy_of_a_care_bundle_to_prevent_multiple_infections_in_the_intensive_care_unit_A_quasi-experimental_pretest-posttest_design_study
7. Referências Bibliográficas
- ADLASSNIG, K-P.; BERGER, A.; KOLLER, W.; BLACKY, A.; MANDL, H.; UNTERASINGER, L.; RAPPELSBERGER, A. Healthcare-associated infection surveillance and bedside alerts. Stud Health Technol Inform, v. 198, p. 71-8, 2014. DOI: 10.3233/978-1-61499-373-1-71. O artigo discute a necessidade de abordagens automatizadas para a vigilância de IRAS, descrevendo o software MONI, que integra definições de vigilância do CDC e do ECDC. Ele também propõe critérios de alerta clínicos para apoiar tanto o controle de infecção quanto o pessoal clínico.
- BIRNBAUM, D. W. Analysis of hospital infection surveillance data. Infect Control Hosp Epidemiol, v. 5, n. 7, p. 325-329, 2015. DOI: https://doi.org/10.1017/S0195941700060525. O artigo propõe um método estatístico para estabelecer limiares de surtos de infecção, permitindo uma distinção sensível e específica entre a variação aleatória e surtos verdadeiros que requerem intervenção.
- CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Bennett & Brachman’s Hospital Infections. 7. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2023. O livro é uma obra de referência em epidemiologia e controle de infecções hospitalares, com uma ampla gama de colaboradores e tópicos que cobrem desde a vigilância e prevenção de IRAS até a gestão de pandemias.
- DALTOÉ, T. et al. Serviços de Controle de Infecção Hospitalar: características, dimensionamento e atividades realizadas. BVSalud, v. 12, n. 1, p. 1-7, 2014. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/upload/S/1679-1010/2014/v12n1/a4041.pdf. O estudo, realizado em 25 hospitais de Porto Alegre, revelou que muitos Serviços de Controle de Infecções Hospitalares (SCIH) estavam subdimensionados e não realizavam atividades de prevenção e controle de infecções consagradas na literatura.
- O’HARA, L. M. et al. The future of healthcare-associated infection surveillance: Automated surveillance and using the potential of artificial intelligence. J Intern Med, 2025. DOI: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40469046/. O artigo discute a transição da vigilância manual para a automatizada, impulsionada pelo uso de dados de prontuários eletrônicos de saúde e inteligência artificial. Ele destaca o potencial da IA para melhorar a precisão na identificação de IRAS e na previsão precoce de sepse.
- PEEK, J. Surveillance and Uncertainty. J Hosp Infect, 2016. Disponível em: https://infectioncontrol.tips/2016/02/15/syndromic-surveillance-for-healthcare-associated-infections/. O artigo argumenta que a vigilância tradicional de infecção hospitalar sofre de baixa sensibilidade e subnotificação, criando a ilusão de medição precisa, e sugere que a vigilância sindrômica pode oferecer uma alternativa com alta sensibilidade para a detecção de surtos.
- PESSOA, V. A. et al. Medidas de Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Brasília: Anvisa, 2017. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2024/04/1538094/medidas-de-prevencao-de-infeccao.pdf. Este documento da ANVISA apresenta medidas detalhadas de prevenção de IRAS, com foco em pneumonia, infecções do trato urinário e infecções da corrente sanguínea, enfatizando o papel da vigilância, do treinamento e da higiene das mãos.
- ROSE, D. S. Análise de dados de vigilância de infecção hospitalar. ResearchGate, 2010. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/46257070_The_Hospital_Infection_Surveillance_System_KISS. O artigo descreve o sistema KISS, um sistema assistido por computador e internet para a vigilância de infecções nosocomiais na Alemanha, que permite uma vigilância uniforme e a comparação entre hospitais.
- ROSENTHAL, V. D. et al. The International Nosocomial Infection Control Consortium (INICC) multidimensional approach for preventing device-associated infections. Infect Control Hosp Epidemiol, v. 31, n. 11, p. 1133-1143, 2010. DOI: https://www.researchgate.net/publication/26251268_The_International_Nosocomial_Infection_Control_Consortium_INICC_multidimensional_approach_for_preventing_device-associated_infections. O artigo detalha a metodologia multidimensional do INICC para a prevenção de IRAS em hospitais de países com recursos limitados, mostrando a eficácia da abordagem na redução de taxas de CLABSI, PAV e CA-UTI.
- SOUZA, R. O que faz o infectologista hospitalar, o controlador de infecção e o epidemiologista hospitalar? med.br, 2024. Disponível em: https://www.ccih.med.br/o-que-faz-o-infectologista-hospitalar-o-controlador-de-infeccao-e-o-epidemiologista-hospitalar/. O artigo descreve as principais atribuições da epidemiologia hospitalar como a “inteligência de dados” do hospital, focada na vigilância de IRAS e na análise de dados para a prevenção e controle de surtos.
Sinopse por:
Karine Oliveira:
https://www.linkedin.com/in/karine-oliveira-789815b4/
https://www.instagram.com/karine_oliveiraoficial/
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