Stewardship de antibióticos é uma defesa estratégica indispensável, que será detalhada neste artigo, para proteger pacientes, preservar a eficácia dos antibióticos e garantir a sustentabilidade das instituições de saúde. A Resistência Antimicrobiana já é uma das dez maiores ameaças globais segundo a OMS. A cada ano, mais de um milhão de pessoas morrem diretamente devido a infecções resistentes, e o impacto econômico ameaça a continuidade de procedimentos complexos que dependem de antimicrobianos eficazes.
A pergunta que gestores e lideranças hospitalares precisam responder é simples:
como garantir que o antibiótico certo seja usado no paciente certo, pelo tempo certo, sem desperdiçar recursos e sem alimentar superbactérias?
Programas de Stewardship hospitalar entregam exatamente isso. Mais que controle de custos, representam uma ação estratégica de gestão de riscos, de segurança assistencial e de sobrevivência da medicina moderna.
FAQ: Stewardship de Antimicrobianos em Ambientes Hospitalares
Este FAQ destina-se a gestores hospitalares, membros da CCIH, médicos, farmacêuticos, enfermeiros e demais profissionais de saúde envolvidos na segurança do paciente e no uso racional de medicamentos.
1. Fundamentos e Importância do Stewardship
1. O que é, exatamente, um Programa de Stewardship de Antimicrobianos (ASP)?
É um conjunto de ações coordenadas e multidisciplinares desenhadas para promover o uso responsável e racional de antimicrobianos (incluindo antibióticos, antifúngicos e antivirais). O objetivo é otimizar os desfechos clínicos dos pacientes, minimizar efeitos adversos (como infecções por C. difficile), e reduzir a pressão seletiva que leva à resistência antimicrobiana (RAM).
2. Por que a Resistência Antimicrobiana (RAM) é considerada uma crise de saúde global?
A RAM ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas deixam de responder aos medicamentos, tornando infecções comuns difíceis ou impossíveis de tratar. Isso leva a doenças mais graves, maior mortalidade, internações prolongadas e custos de saúde mais elevados. A OMS estima que infecções resistentes podem causar perto de 10 milhões de mortes por ano a partir de 2050 se nada for feito.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | O que é Stewardship de Antimicrobianos? (YouTube CCIH MED BR)
3. Qual o objetivo principal de um programa de stewardship?
O objetivo principal não é primariamente economizar dinheiro (embora isso seja uma consequência positiva), mas sim melhorar a qualidade do cuidado ao paciente e garantir a eficácia dos antimicrobianos para as futuras gerações, combatendo o desenvolvimento de resistência.
4. O que significa o conceito de “Saúde Única” (One Health) no contexto do stewardship?
Saúde Única é a abordagem que reconhece que a saúde humana, a saúde animal e o meio ambiente estão intrinsecamente ligados. No stewardship, isso significa que o uso de antibióticos na agropecuária e a contaminação ambiental também contribuem para a resistência que afeta os humanos, exigindo uma ação coordenada em todos esses setores.
5. Quais os benefícios diretos de um ASP para um hospital?
Os benefícios incluem:
- Melhores desfechos para os pacientes (menos falhas terapêuticas, menos efeitos adversos).
- Redução das taxas de infecções resistentes e de infecções secundárias (ex: Clostridioides difficile).
- Redução de custos hospitalares através da otimização da terapia e menor tempo de internação.
- Cumprimento de normas regulatórias e requisitos de acreditação.
- Referência: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br)
2. Implementação e Estrutura do Programa
6. Quais são os “Core Elements” (Elementos Centrais) do CDC para um ASP em hospitais?
O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) define sete elementos centrais essenciais para o sucesso de um programa de stewardship:
- Compromisso da Liderança: Dedicação de recursos financeiros e humanos da alta gestão.
- Responsabilidade (Accountability): Designar um líder (médico) e co-líder (farmacêutico) responsáveis pelo programa.
- Expertise (Ação Farmacêutica): Envolver farmacêuticos com expertise em doenças infecciosas.
- Ação: Implementar intervenções (como pré-autorização ou auditoria prospectiva ou participação em visitas multidisciplinares).
- Monitoramento: Medir o uso de antibióticos (DOT/DDD) e os desfechos.
- Relatórios (Reporting): Informar regularmente os prescritores e gestores sobre o desempenho.
- Educação: Educar continuamente os profissionais sobre o uso adequado e a resistência.
- Referências: Core Elements do Stewardship de Antimicrobianos (ccih.med.br) | Core Elements of Hospital Antibiotic Stewardship Programs (CDC)
7. Quem deve compor a equipe multidisciplinar de stewardship?
Idealmente, a equipe deve incluir:
- Um médico infectologista ou com profundo conhecimento em doenças infecciosas e antimicrobianos (líder).
- Um farmacêutico clínico com experiência em doenças infecciosas (co-líder).
- Membros da CCIH (enfermeiros e médicos).
- Representantes do laboratório de microbiologia.
- Profissionais de TI (para análise de dados).
- Apoio da alta administração.
- Referência: Implementation of Antimicrobial Stewardship Programs (IDSA/SHEA Guideline 2016)
8. Qual o papel dos gestores hospitalares e da alta direção?
Os gestores são fundamentais para o “Core Element” 1 (Compromisso da Liderança). Eles devem garantir os recursos necessários (humanos, financeiros e de TI), apoiar formalmente o programa e responsabilizar as equipes pelos resultados. Sem esse apoio, o programa dificilmente terá sucesso.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | Core Elements of Hospital Antibiotic Stewardship Programs (CDC)
9. Qual o papel específico do farmacêutico clínico no ASP?
O farmacêutico é o co-líder do programa. Suas funções incluem a análise diária das prescrições, sugestão de ajuste de dose (baseado em função renal/hepática), verificação de interações medicamentosas, sugestão de descalonamento, transição de terapia intravenosa (IV) para oral (VO) e participação ativa nas intervenções (seja pré-autorização ou auditoria e feedback ou visitas multidisciplinares).
10. E qual o papel da equipe de enfermagem no stewardship?
A enfermagem está na linha de frente e desempenha um papel vital. Suas responsabilidades incluem:
- Coleta correta de culturas antes da primeira dose do antibiótico.
- Monitoramento de reações adversas.
- Administração do antimicrobiano no horário e na forma corretos.
- Verificação de alergias.
- Questionamento de prescrições que pareçam incomuns ou em desacordo com protocolos.
- Facilitar a transição de IV para VO.
- Referência: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br)
11. Como o laboratório de microbiologia apoia o programa de stewardship?
O laboratório é um pilar do ASP. Ele apoia através de:
- Processamento rápido e eficiente de culturas.
- Testes de sensibilidade (antibiograma) precisos.
- Criação de um perfil de sensibilidade local (epidemiologia do hospital).
- Implementação de testes rápidos de diagnóstico molecular, que identificam patógenos e genes de resistência em horas, permitindo um tratamento direcionado o mais breve possível.
- Referência: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br)
12. A legislação brasileira exige um programa de stewardship?
Sim. Embora o termo “stewardship” não seja sempre usado, a RDC nº 36/2013 da ANVISA, que institui o Plano de Segurança do Paciente (PSP), exige ações para o uso seguro de medicamentos e prevenção de infecções (IRAS). O uso racional de antimicrobianos é um componente central desses objetivos. O Programa de Controle de Infecção Hospitalar, definido por Lei Federal fala que o PCIH deve reduzir ao máximo possível a incidência e a gravidade das IRAS e isso só pode ser alcançado com antibióticos adequado. Além disso, a OMS e a ANVISA reforçam a necessidade de se implantar programas robustos para controle de resistência microbiana.
13. O stewardship também se aplica a antifúngicos?
Sim. Embora o foco inicial seja frequentemente em antibióticos, o “stewardship de antimicrobianos” abrange todos os agentes. O uso indiscriminado de antifúngicos leva ao surgimento de patógenos resistentes, como a Candida auris, que é um grande desafio hospitalar. As mesmas lógicas de uso racional, diagnóstico preciso e monitoramento se aplicam.
14. Como começar um ASP em um hospital com recursos limitados?
Comece pequeno e foque no básico.
- Obtenha o apoio formal da direção.
- Designe um médico e um farmacêutico (mesmo que não em tempo integral).
- Concentre-se em 1 ou 2 intervenções de alto impacto (ex: restringir um antibiótico de amplo espectro).
- Crie diretrizes locais simples para as síndromes mais comuns (ex: pneumonia, infecção urinária).
- Comece a medir o consumo (mesmo que manualmente) e mostre os resultados.
15. Qual a importância de protocolos clínicos (diretrizes) locais?
Protocolos locais, baseados em diretrizes nacionais/internacionais mas adaptados à epidemiologia (perfil de resistência) do hospital, são essenciais. Eles padronizam o tratamento empírico para síndromes comuns (PAC, ITU, sepse), orientando a escolha correta do antibiótico, a dose e a duração, o que é a base do stewardship.
3. Intervenções e Estratégias (Ações Práticas)
16. Quais são as duas principais estratégias de intervenção em stewardship?
As duas estratégias centrais recomendadas pela IDSA/SHEA são:
- Pré-Autorização (PA): Exige aprovação de um especialista (infectologista ou farmacêutico) antes da dispensação de certos antimicrobianos (geralmente os de amplo espectro ou alto custo).
- Auditoria Prospectiva com Intervenção e Feedback (PAF): Revisa as prescrições de antimicrobianos após o início (geralmente 24-72h depois) e fornece feedback e recomendações (ex: descalonar, suspender, ajustar dose) ao médico prescritor.
17. Qual a principal vantagem da Pré-Autorização (PA)?
A PA tem um efeito imediato e forte na redução do uso de antibióticos-alvo (“efeito front-end”). Ela impede o início de terapias inadequadas e é muito eficaz para controlar o consumo de drogas específicas.
18. Qual a principal desvantagem da Pré-Autorização (PA)?
A PA pode ser vista como punitiva ou restritiva pelos prescritores, gerando atritos. Além disso, pode atrasar o início da terapia (especialmente em emergências) se o processo de autorização não for ágil). Também não educa o prescritor sobre o que fazer após o início (ex: descalonamento).
19. Qual a principal vantagem da Auditoria Prospectiva com Feedback (PAF)?
A PAF é mais colaborativa e educativa (“efeito back-end”). Ela permite que a terapia empírica comece rapidamente e foca na otimização após a chegada de novos dados (como culturas). Isso melhora a qualidade da prescrição a longo prazo e é geralmente melhor aceita pelos médicos. Participação em visitas multidisciplinares pode otimizar este processo.
20. Qual a principal desvantagem da Auditoria Prospectiva (PAF)?
A PAF exige mais tempo e pessoal qualificado (infectologistas, farmacêuticos) para revisar os casos diariamente. Seu impacto na redução do consumo total de antibióticos pode ser mais lento do que o da pré-autorização.
21. Qual estratégia é melhor: PA ou PAF?
A maioria dos especialistas e as diretrizes da IDSA/SHEA recomendam uma abordagem mista: usar a Pré-Autorização para um grupo muito pequeno de antibióticos “protegidos” (ex: novos medicamentos, última linha) e aplicar a Auditoria Prospectiva com Feedback para todos (ou a maioria) dos outros antimicrobianos de amplo espectro.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | Implementation of Antimicrobial Stewardship Programs (IDSA/SHEA Guideline 2016)
22. O que é “descalonamento” (de-escalation) de antibiótico?
É a prática de reavaliar o paciente após 48-72 horas de terapia empírica (de amplo espectro) e, com base nos resultados das culturas e na melhora clínica, trocar o antibiótico por um de espectro mais estreito (mais focado no patógeno identificado) ou suspender a terapia se uma infecção bacteriana for descartada.
23. O que é a classificação AWaRe da OMS e como ela ajuda no stewardship?
É uma ferramenta da Organização Mundial da Saúde (OMS) que classifica os antibióticos em três grupos para orientar o uso racional:
- Access (Acesso): Antibióticos de primeira ou segunda linha, de espectro mais estreito, que devem estar amplamente disponíveis (ex: Amoxicilina).
- Watch (Vigilância): Antibióticos de amplo espectro com maior potencial de resistência, que devem ser usados com cautela e monitorados (ex: Ciprofloxacino, Ceftriaxona).
- Reserve (Reserva): Antibióticos de última linha, para infecções multirresistentes, que devem ser protegidos e usados apenas quando estritamente necessário (ex: Polimixinas, Meropenem).
A meta do stewardship é aumentar o uso do grupo “Access” e reduzir o do “Watch” e “Reserve”.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | WHO AWaRe Classification (OMS)
24. O que é “tempo de tratamento” (duration of therapy) e por que é importante?
Definir a duração ideal do tratamento é uma das intervenções mais importantes do stewardship. Historicamente, usamos antibióticos por períodos longos (10-14 dias) sem evidência. Estudos recentes mostram que cursos mais curtos (ex: 5-7 dias) são igualmente eficazes para muitas infecções (como pneumonia), reduzindo efeitos adversos, custos e resistência.
25. Qual a importância da educação (Core Element 7) no sucesso do ASP?
A educação é vital. As intervenções (PA ou PAF) podem falhar se os prescritores não entenderem o porquê das mudanças. É preciso educar ativamente (sessões, relatórios) sobre a epidemiologia local, os custos, os desfechos e a importância da RAM. O feedback (especialmente o feedback “face a face” durante as visitas multidisciplinares) é a forma de educação mais eficaz.
- Referências: Core Elements do Stewardship de Antimicrobianos (ccih.med.br) | Core Elements of Hospital Antibiotic Stewardship Programs (CDC)
4. Métricas e Resultados (Como Medir?)
- Quais são as principais métricas para medir o consumo de antimicrobianos?
As duas principais métricas de consumo (processo) são:
- DDD (Dose Definida Diária): Uma unidade técnica de medida da OMS que representa a dose diária média de manutenção do fármaco para sua indicação principal em adultos.
- DOT (Dias de Terapia): Simplesmente conta o número de dias que um paciente recebeu um determinado antimicrobiano, independentemente da dose.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | DDD e DOT: Como Medir o Consumo de Antimicrobianos (ccih.med.br)
27. O que é DDD (Dose Definida Diária) e qual sua limitação?
O DDD é calculado dividindo o total de gramas do antibiótico consumido (ex: do almoxarifado) pelo valor de DDD padrão da OMS para aquele antibiótico. A métrica final é “DDD por 1000 pacientes-dia”.
- Limitação: O DDD não reflete o uso real no paciente. Por exemplo, um paciente com insuficiência renal que usa “meia dose” ainda conta como um DDD inteiro nos cálculos de compra, mas não no uso. Também não funciona bem para pediatria ou pacientes com obesidade.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | DDD e DOT: Como Medir o Consumo de Antimicrobianos (ccih.med.br)
28. O que é DOT (Dias de Terapia) e por que é preferido pelo CDC?
O DOT conta quantos pacientes únicos receberam pelo menos uma dose de um antibiótico em um dia. A métrica final é “DOT por 1000 pacientes-dia”.
- Vantagem: O DOT é uma medida mais precisa do uso no paciente e da pressão seletiva. Se dois antibióticos são dados no mesmo dia, conta como 2 DOTs (se forem de classes diferentes) ou 1 DOT (se forem da mesma classe, dependendo da metodologia). É menos afetado por ajustes de dose (como na insuficiência renal) e é a métrica preferida pelo CDC e pela maioria dos programas de stewardship modernos.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | DDD e DOT: Como Medir o Consumo de Antimicrobianos (ccih.med.br)
29. Além do consumo (DDD/DOT), quais outros desfechos (resultados) devem ser monitorados?
Medir apenas o consumo não é suficiente. O programa deve monitorar desfechos clínicos e de segurança para garantir que a redução do uso não está prejudicando os pacientes. Os principais são:
- Desfechos Clínicos: Mortalidade hospitalar, taxas de readmissão, tempo de internação.
- Desfechos Microbiológicos: Taxas de infecção por C. difficile, taxas de infecção por bactérias multirresistentes (KPC, VRE, MRSA).
- Desfechos de Processo: Taxa de adesão aos protocolos locais, taxa de aceitação das intervenções do stewardship.
- Referências: Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br) | Implementation of Antimicrobial Stewardship Programs (IDSA/SHEA Guideline 2016)
30. O que são “Bundles” (Pacotes) de Sepse e como eles se relacionam com o stewardship?
Os “Bundles” do Surviving Sepsis Campaign são pacotes de intervenções baseadas em evidências (ex: coletar culturas, administrar antibiótico de amplo espectro, administrar fluidos) que devem ser feitos rapidamente (ex: na primeira hora) para melhorar a sobrevida na sepse. O stewardship apoia o bundle, garantindo que a primeira dose do antibiótico seja rápida e correta. O papel do stewardship entra após essa primeira hora, na reavaliação em 24-48h para descalonar ou suspender o antibiótico, se apropriado, evitando o uso excessivo.
Referências: Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock 2021 | Stewardship de Antibióticos: Por que, Como Fazer e Medir seus Resultados? (ccih.med.br)
Stewardship de Antimicrobianos: A Fronteira Estratégica na Luta Contra a Resistência e na Otimização do Valor em Saúde
Seção 1: Introdução: A Crise Silenciosa da Resistência Antimicrobiana (RAM) e o Imperativo do Stewardship
A era dos antibióticos, inaugurada com a descoberta da penicilina, representa um dos maiores triunfos da medicina moderna, transformando o prognóstico de infecções bacterianas de sentenças de morte em condições tratáveis. No entanto, o próprio descobridor da penicilina, Alexander Fleming, em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel, proferiu uma advertência profética sobre os riscos da emergência da resistência (REF. 3). Ele anteviu um futuro onde o uso indiscriminado e imprudente de antimicrobianos poderia “educar” os micróbios a resistir, tornando esses medicamentos milagrosos ineficazes (REF. 2). Hoje, essa advertência não é mais uma hipótese, mas uma realidade clínica e uma crise de saúde pública global. A Resistência Antimicrobiana (RAM) foi classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das dez maiores ameaças à saúde global, uma “pandemia de movimento lento” que mina as fundações da medicina contemporânea (REF. 12, 14).
A escala do problema é alarmante. Em 2019, estima-se que 1,27 milhão de mortes foram diretamente atribuíveis a infecções bacterianas resistentes, com um total de 4,95 milhões de mortes associadas à RAM (REF. 34). Projeções indicam que, se as tendências atuais não forem revertidas, a RAM poderá causar aproximadamente quase 10 milhões de mortes por ano até 2050, superando as mortes por câncer, com um custo cumulativo para a economia global de 100 trilhões de dólares (REF. 15). Este impacto transcende a saúde, ameaçando a segurança alimentar, o desenvolvimento econômico e a estabilidade global (REF. 14). A RAM não é apenas um problema clínico; é uma catástrofe econômica e social iminente.
O principal motor dessa crise é a pressão seletiva exercida pelo uso de antimicrobianos (REF. 3, 2). Embora a resistência seja um fenômeno evolutivo natural, com genes de resistência presentes no ecossistema microbiano muito antes da introdução clínica dos antibióticos (REF. 25), o uso inadequado e excessivo em humanos, na agricultura e na pecuária acelerou drasticamente este processo (REF. 12, 15).
Estudos estimam que entre 30% e 60% do uso de antimicrobianos em pacientes hospitalizados é desnecessário ou inadequado (REF. 3). Nos Estados Unidos, por exemplo, mais da metade de todos os pacientes hospitalizados recebem pelo menos uma dose de um antibacteriano, e em 2011, foram prescritos 262 milhões de cursos de antibióticos em ambiente ambulatorial (REF. 3, 20, 19). Essa exposição massiva cria um ambiente ideal para a seleção e proliferação de patógenos resistentes, como Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), enterococos resistentes à vancomicina (VRE), Enterobacterales produtoras de beta-lactamases de espectro estendido (ESBL) e, mais criticamente, bacilos gram-negativos multirresistentes, incluindo os resistentes a carbapenêmicos (REF. 3, 22).
Neste cenário de urgência, os Programas de Stewardship de Antimicrobianos (ASPs) surgem como a resposta estratégica e indispensável. Definidos como abordagens sistemáticas para otimizar o uso de antimicrobianos em todo o espectro da saúde, os ASPs visam garantir que os pacientes recebam a terapia antimicrobiana ideal — o fármaco certo, na dose certa, pela via certa e com a duração certa — apenas quando necessário (REF. 3, 17). O objetivo do stewardship não é meramente restringir o uso, mas sim otimizá-lo para alcançar os melhores desfechos clínicos para o paciente, enquanto se minimizam os eventos adversos, como a infecção por Clostridioides difficile, e se reduz a pressão seletiva que impulsiona a RAM (REF. 3, 1).
A justificativa para a implementação de ASPs evoluiu significativamente. Inicialmente, muitos programas foram criados com o objetivo primário de controle de custos, dado que os antimicrobianos podem representar de 30% a 50% do orçamento farmacêutico de um hospital (REF. 3). Embora a economia de custos permaneça um benefício tangível, o foco mudou para uma perspectiva mais ampla de qualidade e segurança do paciente (REF. 3, 2).
O verdadeiro valor de um ASP reside na sua capacidade de mitigar riscos muito maiores: os custos associados a eventos adversos, infecções secundárias, aumento do tempo de internação, penalidades regulatórias e, fundamentalmente, a preservação da capacidade da instituição de realizar procedimentos médicos complexos — como cirurgias, transplantes e quimioterapia — que dependem da eficácia contínua dos antimicrobianos (REF. 14). Assim, o ASP evoluiu de uma iniciativa tática do departamento de farmácia para uma função de gerenciamento de risco estratégico, essencial para a liderança executiva (C-suite) de qualquer instituição de saúde. O stewardship não é mais uma opção, mas um pilar central da medicina de alta qualidade e da sustentabilidade institucional.
Seção 2: Fundamentos dos Programas de Stewardship de Antimicrobianos (ASPs): Estrutura, Equipe e Estratégias Principais
A implementação bem-sucedida de um Programa de Stewardship de Antimicrobianos (ASP) requer uma estrutura robusta, uma equipe multidisciplinar dedicada e a aplicação de estratégias de intervenção baseadas em evidências. A orientação fornecida por organizações como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA e a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA) em conjunto com a Sociedade de Epidemiologia Hospitalar da América (SHEA) estabeleceu um padrão ouro para o desenvolvimento desses programas (REF. 1, 4).
Os “Core Elements” como Roteiro Estrutural
Os “Core Elements of Hospital Antibiotic Stewardship Programs” do CDC fornecem um roteiro prático e essencial para qualquer instituição que deseje estabelecer ou aprimorar seu ASP (REF. 4). Estes elementos, que são refletidos nos padrões de acreditação de agências como a The Joint Commission e nas condições de participação dos Centers for Medicare & Medicaid Services (CMS) nos EUA, garantem uma abordagem abrangente e sistemática (REF. 2, 5, 6). Os sete elementos centrais são:
- Compromisso da Liderança: Este é o elemento fundamental. O apoio formal e a dedicação de recursos humanos, financeiros e de tecnologia da informação pela alta administração são cruciais para a legitimidade e o sucesso do programa. A liderança deve estabelecer o stewardship como uma prioridade organizacional (REF. 2, 4).
- Responsabilidade (Accountability): É essencial designar um único líder, geralmente um médico infectologista, que seja responsável pelos resultados do programa. Essa clareza na responsabilidade garante direção e foco (REF. 2, 4).
- Expertise em Farmácia (Pharmacy Expertise): A nomeação de um farmacêutico clínico, idealmente com treinamento em doenças infecciosas, como colíder do programa é indispensável. A expertise farmacêutica é vital para a otimização de doses, monitoramento e implementação de intervenções (REF. 2, 4, 16).
- Ação (Action): O programa deve implementar intervenções ativas para melhorar o uso de antimicrobianos. As principais estratégias, como auditoria prospectiva com feedback e pré-autorização, se enquadram neste elemento (REF. 2, 4).
- Rastreamento (Tracking): O monitoramento de métricas é crucial para avaliar o impacto do programa. Isso inclui o acompanhamento do uso de antimicrobianos (por exemplo, através de Dias de Terapia – DOTs), da adesão às políticas e dos desfechos, como as taxas de resistência e de infecção por C. difficile (REF. 2, 4).
- Relatórios (Reporting): A informação coletada deve ser regularmente reportada aos prescritores, enfermeiros e à liderança. O feedback sobre os padrões de prescrição e as taxas de resistência é uma ferramenta poderosa para a educação e a mudança de comportamento (REF. 2, 4).
- Educação (Education): Educar os profissionais de saúde sobre o uso apropriado de antimicrobianos, resistência local e as iniciativas do programa é um componente contínuo e necessário, embora não deva ser a única estratégia empregada (REF. 2, 3).
A Equipe Multidisciplinar: O Motor do Programa
Um ASP não é responsabilidade de um único indivíduo, mas sim de uma equipe colaborativa. A estrutura ideal, recomendada pela IDSA/SHEA, é centrada na parceria entre um médico infectologista e um farmacêutico clínico com expertise em doenças infecciosas (REF. 1, 2, 16). Esta díade combina o conhecimento clínico-diagnóstico com a expertise farmacológica, formando o núcleo do programa. Outros membros essenciais para uma equipe robusta incluem (REF. 2):
- Profissional de Prevenção e Controle de Infecção (CCIH): Para integrar as estratégias de stewardship com as de prevenção da transmissão de patógenos.
- Microbiologista Clínico: Para otimizar o diagnóstico, orientar a elaboração de antibiogramas estratificados e implementar testes rápidos. Mais detalhes neste artigo de nosso site https://bit.ly/3TTwXQ1
- Especialista em Tecnologia da Informação: Para desenvolver e manter sistemas de suporte à decisão, relatórios automatizados e ferramentas de vigilância.
- Administrador Hospitalar: Para garantir o alinhamento do programa com as metas estratégicas da instituição e a alocação de recursos.
Análise Comparativa das Principais Estratégias de Intervenção
As intervenções de um ASP podem ser categorizadas em um espectro que vai do controle direto à persuasão colaborativa. As duas estratégias mais estudadas e implementadas são a restrição com pré-autorização e a auditoria prospectiva com feedback (PPRF) (REF. 1, 3).
Restrição com Pré-autorização (“Front-End”)
Esta estratégia, também conhecida como “preprescription approval” (PPA), exige que os prescritores obtenham aprovação de um membro da equipe de stewardship antes de dispensar um antimicrobiano restrito (geralmente agentes de amplo espectro, alto custo ou alta toxicidade) (REF. 3).
- Vantagens: Oferece controle direto e imediato sobre a prescrição, resultando frequentemente em reduções rápidas e significativas no uso de antimicrobianos e nos custos associados. É uma ferramenta eficaz para gerenciar a escassez de medicamentos ou responder a surtos de patógenos resistentes (REF. 3).
- Desvantagens: Pode ser percebida como punitiva e restritiva, minando a autonomia do prescritor e potencialmente criando relações antagônicas. Há o risco de atrasos no início da terapia, especialmente fora do horário comercial, e a possibilidade de os prescritores “enganarem o sistema” fornecendo informações incompletas para obter aprovação. Além disso, a decisão é tomada no momento em que há menos informação clínica disponível (antes dos resultados de culturas) (REF. 3, 2).
Auditoria Prospectiva com Feedback (PPRF – “Back-End”)
Nesta abordagem, a equipe de stewardship revisa o uso de antimicrobianos (geralmente 24 a 72 horas após o início) e fornece recomendações específicas ao prescritor. As intervenções comuns incluem descalonamento da terapia, ajuste de dose, troca de via intravenosa para oral e otimização da duração do tratamento (REF. 3).
- Vantagens: É uma abordagem mais colaborativa e educativa, que preserva a autonomia do prescritor e é geralmente melhor aceita pelos médicos. As recomendações são baseadas em dados clínicos e microbiológicos mais completos, permitindo uma otimização mais refinada da terapia (REF. 3).
- Desvantagens: É menos direta e sua eficácia depende da taxa de aceitação das recomendações pela equipe assistente. Não previne a escolha empírica inicial inadequada, embora possa corrigi-la posteriormente. Pode ser mais intensiva em termos de recursos humanos para a revisão diária de casos (REF. 3, 2).
A evidência científica suporta a eficácia de ambas as abordagens. Uma revisão sistemática da Cochrane concluiu que tanto as intervenções restritivas quanto as persuasivas (como o PPRF) são eficazes na redução do uso de antibióticos e na melhoria da conformidade com as políticas (REF. 18). Estudos comparativos diretos sugerem que a pré-autorização pode levar a uma redução maior no uso geral de antibióticos, mas o PPRF pode resultar em um tempo de terapia mais curto para os pacientes auditados (REF. 3, 27).
A escolha entre as estratégias não deve ser vista como uma decisão binária, mas sim como a seleção de ferramentas em um espectro de “controle versus colaboração”. A cultura institucional desempenha um papel crucial nesta decisão. Programas mais maduros e sofisticados frequentemente adotam um modelo híbrido e dinâmico: aplicam a restrição rigorosa a um pequeno número de antimicrobianos de último recurso ou de alto risco, enquanto utilizam o PPRF como a principal ferramenta para otimizar o uso de uma gama mais ampla de agentes. Esta abordagem sinérgica combina o controle onde é mais crítico com a educação e a colaboração em larga escala, maximizando o impacto do programa.
Intervenções-Chave na Otimização da Terapia
Além das estratégias de alto nível, o trabalho diário de um ASP, especialmente no contexto da auditoria prospectiva com feedback, envolve um conjunto de intervenções táticas para refinar a terapia antimicrobiana de cada paciente. Três das mais impactantes são o descalonamento, a transição da via intravenosa para oral e a otimização da duração do tratamento.
- Descalonamento da Terapia: Esta é a prática de reavaliar a terapia empírica de amplo espectro após 48-72 horas, quando os resultados das culturas e o estado clínico do paciente estão disponíveis. O objetivo é ajustar a terapia para um antibiótico de espectro mais estreito que seja eficaz contra o patógeno identificado, ou até mesmo suspender o tratamento se uma infecção bacteriana for descartada. Por exemplo, um paciente que iniciou com piperacilina-tazobactam pode ser descalonado para ceftriaxona se a cultura revelar uma Enterobacterales sensível. Essa estratégia é fundamental para reduzir a pressão seletiva que impulsiona a resistência. Métodos de diagnóstico rápido podem agilizar este processo já na introdução do antibiótico, direcionado por este resultado.
- Transição da Terapia Intravenosa (IV) para Oral (VO): Muitos pacientes iniciam o tratamento com antibióticos intravenosos, mas podem ser transferidos com segurança para a via oral assim que sua condição clínica permitir. Os critérios para a troca geralmente incluem melhora clínica, ausência de febre por pelo menos 24 horas e capacidade de tolerar medicação oral com um trato gastrointestinal funcional. A transição IV-VO oferece múltiplos benefícios: reduz o risco de infecções de corrente sanguínea associadas a cateteres, diminui os custos, pode encurtar o tempo de internação hospitalar e aumenta o conforto e a mobilidade do paciente. Antimicrobianos com alta biodisponibilidade oral, como as fluoroquinolonas, linezolida e metronidazol, são candidatos ideais, pois atingem concentrações séricas semelhantes às da via IV.
- Otimização da Duração do Tratamento: As durações tradicionais de tratamento (por exemplo, 10-14 dias) são frequentemente arbitrárias e não baseadas em evidências robustas. Evidências crescentes demonstram que cursos mais curtos de antibióticos são igualmente eficazes para muitas infecções comuns, como pneumonia adquirida na comunidade, celulite e infecções do trato urinário. O tratamento prolongado e desnecessário não apenas falha em fornecer benefícios adicionais, mas também aumenta o risco de efeitos adversos, infecções secundárias (como por C. difficile) e o desenvolvimento de resistência. Um objetivo central do stewardship é promover a duração de terapia mais curta e eficaz, com base na resposta clínica do paciente e nas diretrizes baseadas em evidências, reavaliando regularmente a necessidade de continuar o tratamento.
Seção 3: A Sociologia da Prescrição: Superando Barreiras Comportamentais e Culturais
A implementação bem-sucedida de um programa de stewardship de antimicrobianos transcende a simples aplicação de diretrizes farmacológicas e microbiológicas. A prescrição de um antibiótico é um ato profundamente social e complexo, influenciado por uma miríade de fatores psicológicos, culturais e comportamentais que muitas vezes superam o conhecimento técnico (REF. 3, 7, 36). Compreender e abordar essa “sociologia da prescrição” é fundamental para transformar a prática clínica de forma sustentável.
Determinantes Comportamentais da Prescrição Inadequada
A decisão de prescrever um antimicrobiano raramente é tomada em um vácuo científico. Vários estudos qualitativos e quantitativos identificaram os principais determinantes que levam ao uso subótimo (REF. 3, 7, 31):
- Incerteza Diagnóstica e Medo: Em cenários de incerteza clínica, o medo de um desfecho adverso por não tratar uma possível infecção bacteriana é um motivador poderoso. A prescrição de um antibiótico de amplo espectro pode ser vista como uma “rede de segurança” contra a incerteza e o potencial litígio, mesmo quando a probabilidade de infecção bacteriana é baixa (REF. 3).
- Percepção das Expectativas do Paciente: Muitos médicos acreditam que os pacientes esperam e exigem uma prescrição de antibiótico, especialmente para infecções respiratórias. Essa percepção, muitas vezes incorreta, exerce uma pressão social significativa que pode levar à prescrição para manter a satisfação do paciente e evitar conflitos (REF. 3, 34).
- “Etiqueta de Prescrição” e Hierarquia: A prática clínica é governada por um conjunto de regras culturais não escritas, denominadas “etiqueta de prescrição” (REF. 7, 31). Esta etiqueta inclui uma forte norma de não interferência nas decisões de colegas e uma deferência à hierarquia, onde médicos mais jovens tendem a seguir as práticas de seus superiores, independentemente da conformidade com as diretrizes baseadas em evidências. Modificar uma terapia iniciada por outro médico pode ser visto como uma quebra dessa etiqueta (REF. 3, 7).
- Viés de Otimismo e Distanciamento das Consequências: Embora a maioria dos médicos reconheça a RAM como uma grave ameaça à saúde pública, muitos não percebem sua própria prescrição como um contribuinte significativo para o problema. As consequências da RAM e de eventos adversos como a infecção por C. difficile são muitas vezes distantes no tempo e no espaço da decisão de prescrição inicial, fazendo com que o benefício imediato percebido para o paciente individual supere o risco coletivo de longo prazo (REF. 3).
A Limitação da Educação Tradicional
Diante desses complexos fatores comportamentais, a abordagem tradicional de simplesmente “educar” os prescritores através de aulas, palestras ou distribuição de materiais impressos se mostra largamente insuficiente. As diretrizes da IDSA/SHEA alertam especificamente contra a dependência da educação didática como única estratégia de stewardship (REF. 3). O conhecimento das diretrizes, por si só, tem pouco efeito na mudança de comportamento quando confrontado com as pressões sociais e os vieses cognitivos do dia a dia clínico (REF. 33). A falha de muitas intervenções puramente educacionais reforça a necessidade de abordagens mais sofisticadas.
Integrando a Ciência Comportamental: “Nudges” e “Boosts”
A ciência comportamental oferece um conjunto de ferramentas poderosas para influenciar a tomada de decisão de forma mais eficaz. Em vez de apenas informar, essas estratégias alteram o ambiente de escolha para tornar a decisão correta mais fácil e provável.
- “Nudges” (Impulsos/Cutucões): São intervenções sutis que guiam o comportamento sem restringir a liberdade de escolha. No contexto do stewardship, exemplos eficazes incluem (REF. 8, 35):
- Comparação de Desempenho entre Pares: Fornecer aos prescritores feedback confidencial sobre como suas taxas de prescrição de antibióticos se comparam às de seus pares. Ser identificado como um “alto prescritor” pode criar uma poderosa norma social que incentiva a mudança. Reconhecer os “top performers” com baixas taxas de prescrição pode ser um reforço positivo (REF. 8, 35).
- Justificativa Responsável (Accountable Justification): Exigir que os prescritores insiram uma justificativa no prontuário eletrônico quando sua prescrição se desvia das recomendações das diretrizes. Este pequeno “atrito” no fluxo de trabalho força um momento de reflexão e cria um registro de responsabilidade, o que demonstrou reduzir significativamente as prescrições inadequadas (REF. 8, 35).
- “Boosts” (Incentivos/Estímulos): São intervenções que visam capacitar os indivíduos, melhorando suas habilidades de tomada de decisão para que possam fazer escolhas melhores por si mesmos. Um estudo de caso notável vem do Japão, onde uma política nacional introduziu um pequeno incentivo financeiro para as unidades de saúde quando os médicos não prescreviam antibióticos para crianças com infecções respiratórias ou gastrointestinais agudas e explicavam o motivo aos pais (REF. 9, 35).
- Eficácia: A intervenção resultou em uma redução de mais de 40% no uso de antibióticos no primeiro mês e uma redução cumulativa sustentada de aproximadamente 20% ao longo de dois anos, sem aumento de desfechos adversos (REF. 9, 35).
- Mecanismo: O sucesso foi atribuído não apenas ao incentivo financeiro, mas ao fato de que ele capacitou os médicos a dedicar tempo para educar os pais, apoiando sua autonomia clínica e fortalecendo a relação médico-paciente. Foi uma intervenção não punitiva que alinhou o comportamento desejado com um benefício tangível para a organização e um reforço positivo para o profissional (REF. 9).
A integração dessas abordagens representa uma mudança de paradigma fundamental. Um programa de stewardship de vanguarda não pode ser apenas um programa de farmácia ou de doenças infecciosas; ele deve ser, em sua essência, um programa de ciência comportamental aplicada. O primeiro passo é diagnosticar as barreiras comportamentais específicas da instituição — seja o medo, a hierarquia, a pressão dos pacientes ou a inércia — e, em seguida, projetar intervenções direcionadas que abordem esses fatores. Isso significa passar de uma estratégia de “informar” para uma de “influenciar”, reconhecendo que a otimização do uso de antimicrobianos é, em última análise, uma questão de mudança de comportamento humano.
Uma estratégia que apresenta resultados impactantes principalmente em ambientes de terapia intensiva, onde classicamente mais se consome antibióticos, e são realizadas visitas multidisciplinares para debater os casos. Nessas visitas devem participar além dos profissionais da unidade, membros da CCIH, do programa de stewardship, microbiologistas e farmacêuticos clínicos. Este múltiplo olhar sobre o paciente dá uma abordagem proativa e educacional importante para o trabalho em equipe e a prescrição adequada de antibióticos.
Seção 4: Medindo o Sucesso: Métricas de Processo, Clínicas e Econômicas para Demonstrar Valor
A capacidade de medir e comunicar o impacto de um Programa de Stewardship de Antimicrobianos (ASP) é tão crucial quanto as próprias intervenções. Um sistema de métricas robusto não apenas permite a avaliação contínua e o aprimoramento do programa, mas também serve como a principal ferramenta para demonstrar seu valor estratégico à administração hospitalar, justificando o investimento contínuo de recursos. A medição do sucesso deve abranger múltiplas dimensões: consumo de antimicrobianos, desfechos clínicos e microbiológicos e, fundamentalmente, o impacto econômico.
Métricas de Consumo: Quantificando o Uso de Antimicrobianos
A métrica mais direta do impacto de um ASP é a mudança no consumo de antimicrobianos. Duas medidas são comumente utilizadas, mas uma é claramente superior para a maioria das aplicações de stewardship hospitalar (REF. 2, 30):
- Doses Diárias Definidas (DDD): Uma unidade de medida técnica padronizada pela OMS, que representa a dose diária de manutenção presumida de um fármaco para sua indicação principal em adultos. Embora útil para comparações em larga escala entre países, a DDD é uma medida de consumo agregado que não reflete a dosagem real administrada aos pacientes, especialmente em populações pediátricas ou com disfunção renal, onde as doses são ajustadas (REF. 2, 30).
- Dias de Terapia (DOT): Esta métrica soma o número total de dias em que um paciente recebe um antimicrobiano específico, independentemente da dose. O DOT é a métrica de uso recomendada pelo CDC e pela IDSA/SHEA porque reflete com mais precisão a exposição do paciente ao antimicrobiano. Geralmente é normalizada como DOTs por 1.000 pacientes-dia para permitir comparações ao longo do tempo e entre diferentes unidades hospitalares (REF. 2, 3, 30). O monitoramento dos DOTs, tanto para o consumo total de antimicrobianos quanto para classes específicas (ex: carbapenêmicos, fluoroquinolonas), é um indicador-chave de desempenho para qualquer ASP.
Desfechos Clínicos e Microbiológicos: Avaliando o Impacto no Paciente e no Ecossistema
Embora a redução do consumo seja um objetivo importante, o sucesso final de um ASP deve ser medido por seu impacto na saúde do paciente e na ecologia microbiana do hospital.
- Desfechos Clínicos: Avaliar o impacto em desfechos como mortalidade geral e tempo de internação é metodologicamente desafiador. Muitos estudos de intervenção de stewardship são subdimensionados para detectar diferenças estatisticamente significativas nesses desfechos, e a maioria relata um impacto neutro, o que, por si só, é um resultado positivo, pois demonstra que a redução do uso de antibióticos não prejudica os pacientes (REF. 3). Desfechos mais sensíveis podem incluir taxas de cura clínica para síndromes específicas ou taxas de readmissão.
- Desfechos Microbiológicos e de Segurança: Estes são frequentemente os desfechos mais tangíveis e impactantes de um ASP. As métricas-chave incluem:
- Incidência de Infecção por Clostridioides difficile (CDI): A redução do uso de antibióticos de alto risco (ex: clindamicina, fluoroquinolonas, cefalosporinas) está fortemente associada a uma diminuição nas taxas de CDI, um dos desfechos de segurança do paciente mais importantes e de alto custo (REF. 3, 26).
- Taxas de Resistência: O monitoramento das taxas de suscetibilidade de patógenos-alvo (ex: Pseudomonas aeruginosa a carbapenêmicos, E. coli a fluoroquinolonas) ao longo do tempo pode demonstrar o impacto do programa na ecologia local. A métrica deve idealmente ser a incidência de isolados resistentes por 1.000 pacientes-dia, que reflete melhor a carga de resistência do que a simples porcentagem de suscetibilidade no antibiograma (REF. 3).
Construindo o Caso Econômico: O Retorno sobre o Investimento (ROI)
Para a liderança hospitalar, a justificativa financeira de um ASP é primordial. A análise econômica deve ir além da simples economia com a compra de medicamentos para capturar o valor total gerado pelo programa.
- Economia Direta de Custos Farmacêuticos: Este é o benefício mais imediato e fácil de quantificar. Muitos ASPs demonstram reduções significativas nos gastos com antimicrobianos, especialmente no primeiro ano de implementação (REF. 3, 13, 31). No entanto, essa economia tende a se estabilizar à medida que as práticas de prescrição melhoram, tornando-a uma métrica insuficiente para justificar o programa a longo prazo (REF. 3).
- Economia Indireta e Custo Evitado: O verdadeiro valor econômico de um ASP reside nos custos que ele ajuda a evitar. Uma análise de ROI abrangente deve modelar e estimar a economia gerada pela:
- Redução de eventos adversos a medicamentos.
- Prevenção de infecções secundárias, como a CDI, que adicionam custos significativos de tratamento e prolongam a internação.
- Diminuição do tempo de internação associado ao uso otimizado de antibióticos e à prevenção de complicações (REF. 3).
Um estudo de modelagem demonstrou que, para cada recomendação do ASP, a economia de custos totais (incluindo custos com leito, laboratório e falha terapêutica) foi mais de sete vezes maior do que a economia apenas com o custo do medicamento (REF. 29).
- Valor Estratégico em Modelos de Remuneração Baseados em Qualidade: Em sistemas de saúde que se movem de um modelo de pagamento por serviço para um modelo baseado em valor, o papel do ASP torna-se ainda mais crítico. Programas que reduzem as taxas de infecções associadas aos cuidados de saúde (IACS), como infecções de sítio cirúrgico e CDI, contribuem diretamente para evitar penalidades financeiras e maximizar a receita hospitalar (REF. 14). Nesse contexto, o ASP não é um centro de custo, mas um motor de qualidade e desempenho financeiro.
A perspectiva de “retorno sobre o investimento” deve ser, portanto, redefinida. Para um programa maduro, o ROI não está mais na economia marginal de custos, mas na mitigação de riscos. Um ASP robusto funciona como uma apólice de seguro contra os custos catastróficos de surtos de patógenos multirresistentes, penalidades regulatórias, danos à reputação institucional e a incapacidade de oferecer cuidados complexos de forma segura. A modelagem econômica em nível nacional, como a realizada na Austrália, que projetou um benefício monetário de até $412,1 milhões de dólares australianos ao longo de 10 anos com a redução da RAM, ilustra a magnitude do valor que está em jogo (REF. 15).
Para comunicar eficazmente este valor multifacetado, os líderes do ASP devem utilizar um painel de controle (dashboard) que integre métricas de diferentes domínios, conforme ilustrado na Tabela 1.
Tabela 1: Quadro de Métricas Essenciais para Programas de Stewardship de Antimicrobianos
| Domínio da Métrica | Métricas de Processo | Métricas de Consumo | Métricas de Desfecho | Métricas Financeiras |
| Exemplos | – Taxa de aceitação das intervenções do ASP
– Percentual de adesão às diretrizes institucionais – Tempo para a primeira dose de antibiótico em sepse – Percentual de “antibiotic time-outs” realizados |
– DOTs totais por 1.000 pacientes-dia
– DOTs por 1.000 pacientes-dia para classes-alvo (ex: carbapenêmicos, anti-MRSA) – Custo de antimicrobianos por paciente-dia – Relação de uso de antibióticos de amplo vs. estreito espectro |
– Incidência de infecção por C. difficile (casos/10.000 pacientes-dia)
– Incidência de infecções da corrente sanguínea por patógenos-alvo (ex: MRSA, VRE, CRE) – Tempo médio de internação – Taxas de mortalidade (geral e por síndrome) |
– Custo total de aquisição de antimicrobianos (anual, mensal)
– Economia de custos diretos com medicamentos (real vs. projetado) – Custo total evitado estimado (baseado na redução de CDI, tempo de internação, etc.) – Retorno sobre o Investimento (ROI) do programa |
| Finalidade | Medir a atividade e a eficiência do programa | Quantificar a mudança no uso de antimicrobianos | Avaliar o impacto na segurança do paciente e na ecologia microbiana | Demonstrar o valor econômico e a sustentabilidade do programa à liderança |
Este quadro abrangente permite que o ASP monitore seu desempenho operacional e, crucialmente, traduza a atividade clínica em valor institucional tangível, solidificando seu papel como um componente estratégico e indispensável da organização de saúde.
Seção 5: Horizontes da Inovação em Stewardship: Integrando Diagnóstico Rápido e Inteligência Artificial
A prática do stewardship de antimicrobianos está em um ponto de inflexão, impulsionada por avanços tecnológicos que prometem transformar a gestão de doenças infecciosas de um processo reativo para um modelo proativo, preciso e personalizado. Duas áreas de inovação se destacam como catalisadoras dessa transformação: os testes de diagnóstico rápido (RDTs) e a aplicação de inteligência artificial (IA) e machine learning (ML).
O Impacto dos Testes de Diagnóstico Rápido (RDTs)
Tradicionalmente, a terapia antimicrobiana empírica é iniciada com base na suspeita clínica, enquanto se aguardam os resultados das culturas microbiológicas, um processo que pode levar de 48 a 72 horas ou mais. Este atraso cria uma janela de incerteza que frequentemente leva ao uso de antibióticos de amplo espectro desnecessários. Os RDTs, que incluem tecnologias como testes moleculares (ex: PCR multiplex) e espectrometria de massa (MALDI-TOF MS), reduzem drasticamente esse tempo, fornecendo a identificação do patógeno e, em alguns casos, de marcadores de resistência, em questão de horas, diretamente de amostras clínicas ou de hemoculturas positivas (REF. 10, 19).
O valor dos RDTs, no entanto, não reside apenas na tecnologia em si, mas na sua integração sinérgica com um ASP ativo. Uma meta-análise em rede, que sintetizou dados de 88 estudos envolvendo mais de 25.000 pacientes com infecção da corrente sanguínea, forneceu a evidência mais robusta sobre essa sinergia (REF. 10, 21). Os resultados foram claros:
- RDTs isoladamente não melhoram a sobrevida: A implementação de RDTs sem um programa de stewardship para interpretar e agir sobre os resultados não demonstrou benefício na mortalidade em comparação com a cultura convencional.
- A combinação RDT + ASP salva vidas: A combinação de RDTs com um ASP ativo foi associada a uma redução significativa na mortalidade (razão de chances de 0,72 em comparação com a cultura convencional isolada) (REF. 10, 21).
- Otimização da Terapia: A combinação RDT + ASP reduziu o tempo para o início da terapia ótima em uma média de 29 horas em comparação com a cultura convencional (REF. 10, 21).
- Outros Desfechos: Estudos adicionais confirmaram que a integração de RDTs com intervenções de stewardship leva a uma redução no tempo de internação hospitalar e nos custos gerais de saúde (REF. 23, 24).
Esta evidência quantitativa sustenta um princípio fundamental: a tecnologia é uma ferramenta, não uma solução. Um resultado de RDT entregue rapidamente é inútil se não houver um sistema e uma equipe de especialistas prontos para traduzir essa informação em uma ação clínica imediata e apropriada. Portanto, o retorno sobre o investimento em tecnologias de diagnóstico rápido é maximizado — e talvez só seja plenamente realizado — quando acoplado a um investimento paralelo no fortalecimento da equipe e dos processos do ASP. Para a liderança hospitalar, isso significa que a aquisição de novos equipamentos de laboratório deve ser vista como parte de uma estratégia integrada que inclui o financiamento de pessoal qualificado para o stewardship.
A Revolução da Inteligência Artificial (IA) e Machine Learning (ML)
Se os RDTs estão acelerando o stewardship atual, a IA e o ML prometem redefini-lo fundamentalmente, movendo a prática de reativa para preditiva. A capacidade dos algoritmos de IA/ML de analisar vastos e complexos conjuntos de dados — incluindo prontuários eletrônicos, resultados laboratoriais, dados genômicos de patógenos e informações epidemiológicas — abre novas fronteiras para a otimização do uso de antimicrobianos (REF. 11, 25, 26).
As aplicações práticas e potenciais da IA/ML no stewardship são multifacetadas:
- Análise Preditiva e Vigilância: Algoritmos de ML podem identificar padrões sutis em dados institucionais para prever surtos de patógenos resistentes antes que se tornem clinicamente aparentes, permitindo intervenções de controle de infecção proativas. Eles também podem prever o risco de um paciente individual desenvolver uma infecção por um organismo resistente com base em seus fatores de risco, histórico clínico e dados de exposição (REF. 11, 26).
- Suporte à Decisão Clínica Personalizado: A IA pode potencializar os sistemas de apoio à decisão, movendo-os de alertas baseados em regras simples para recomendações dinâmicas e personalizadas. Um sistema de ML poderia, no momento da prescrição, analisar os dados do paciente e os padrões de resistência locais em tempo real para recomendar o antibiótico empírico com a maior probabilidade de sucesso e o menor risco de toxicidade e seleção de resistência (REF. 28, 29).
- Otimização de Dose e Duração: A IA pode integrar dados farmacocinéticos e farmacodinâmicos com as características do paciente para recomendar regimes de dosagem personalizados, garantindo a máxima eficácia e minimizando a toxicidade. Além disso, algoritmos de ML podem analisar a resposta clínica do paciente para prever a duração ótima da terapia, evitando cursos de tratamento desnecessariamente longos (REF. 11, 27).
- Aceleração da Descoberta de Novos Fármacos: A IA está sendo usada para analisar bibliotecas químicas e dados genômicos para identificar novas moléculas com potencial atividade antimicrobiana, abordando a crise da escassez no pipeline de desenvolvimento de antibióticos (REF. 28, 33).
A IA não visa substituir a equipe de stewardship, mas sim aumentar sua capacidade e eficiência. Ao automatizar tarefas de rotina, como a triagem de pacientes para revisão ou a análise de dados de consumo, a IA libera os especialistas humanos — médicos infectologistas e farmacêuticos clínicos — para se concentrarem em casos clínicos complexos, no desenvolvimento de estratégias de programa, na educação e nas intervenções comportamentais que exigem julgamento e interação humana. A integração da IA representa a próxima evolução do stewardship, uma que promete um nível de precisão, personalização e proatividade que era inatingível com as ferramentas tradicionais.
Seção 6: A Visão Holística: O Stewardship de Antimicrobianos na Perspectiva “One Health”
A luta contra a Resistência Antimicrobiana (RAM) não pode ser vencida apenas dentro das paredes do hospital. A emergência e a disseminação de patógenos resistentes são um problema ecológico complexo, que transcende as fronteiras entre a saúde humana, a saúde animal e o meio ambiente. Reconhecer essa interconexão é a essência da abordagem “One Health” (Saúde Única), uma estrutura colaborativa e multissetorial que é agora considerada indispensável para uma resposta global eficaz à RAM (REF. 12, 32).
O Conceito “One Health” e a RAM
A abordagem “One Health” parte do princípio de que a saúde de humanos, animais e ecossistemas está intrinsecamente ligada (REF. 12). No contexto da RAM, isso significa que o uso de antimicrobianos em um setor pode ter consequências diretas e indiretas nos outros. Micróbios resistentes não respeitam fronteiras de espécies ou geográficas. Eles podem ser transmitidos de animais para humanos através do contato direto ou da cadeia alimentar (alimentos contaminados), e tanto resíduos humanos quanto animais podem contaminar o solo e a água, transformando o meio ambiente em um reservatório de genes de resistência (REF. 12, 14).
Exemplos dessa interconexão incluem:
- Uso de Antibióticos na Agropecuária: O uso extensivo de antimicrobianos como promotores de crescimento ou para profilaxia em massa na produção de animais para consumo (aves, suínos, bovinos) cria uma enorme pressão seletiva, favorecendo o surgimento de bactérias resistentes que podem, subsequentemente, infectar humanos (REF. 14).
- Aquicultura: O uso de antibióticos na criação de peixes e camarões pode levar à contaminação de ecossistemas aquáticos com resíduos de fármacos e bactérias resistentes (REF. 14).
- Contaminação Ambiental: Efluentes de hospitais, comunidades e fazendas podem liberar antimicrobianos e bactérias resistentes no meio ambiente, onde os genes de resistência podem ser transferidos para bactérias ambientais, criando novos desafios (REF. 14).
O Papel do Hospital no Ecossistema “One Health”
Dentro dessa complexa teia, o hospital não é uma ilha isolada, mas um nó crítico na rede de disseminação da RAM. A visão tradicional de controle de infecção, focada primariamente em prevenir a transmissão dentro do hospital, é insuficiente. A perspectiva “One Health” exige um foco que olhe tanto “para dentro” quanto “para fora”.
- O Hospital como Receptor: Os hospitais recebem continuamente pacientes que já estão colonizados ou infectados com organismos multirresistentes adquiridos na comunidade, em instalações de cuidados de longa duração (long-term care facilities) ou através da exposição ambiental e alimentar (REF. 3).
- O Hospital como Amplificador e Disseminador: O ambiente hospitalar, com sua alta densidade de pacientes vulneráveis e uso intensivo de antimicrobianos, pode atuar como um amplificador para esses patógenos resistentes. Pacientes que adquirem um organismo resistente durante a hospitalização podem, então, disseminá-lo de volta para a comunidade ou para outras instalações de saúde após a alta.
Esta recontextualização tem implicações estratégicas profundas. Os hospitais, especialmente seus laboratórios de microbiologia e programas de stewardship, estão em uma posição única para atuar como sentinelas de vigilância para a saúde pública. Os dados gerados diariamente sobre os patógenos isolados e seus perfis de suscetibilidade são um recurso de valor inestimável para monitorar a emergência e a disseminação de novos mecanismos de resistência na comunidade e na região.
Implicações para a Ação: Da Colaboração à Integração
Uma resposta eficaz à RAM sob a ótica “One Health” exige uma mudança da ação isolada para a colaboração intersetorial. Organizações globais como a OMS, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH) formaram uma aliança tripartite para promover essa abordagem integrada (REF. 12, 15). Em nível nacional e local, isso se traduz na necessidade de:
- Desenvolvimento de Planos de Ação Nacionais Integrados: Os países são incentivados a desenvolver e implementar Planos de Ação Nacionais contra a RAM que incorporem explicitamente os setores de saúde humana, animal e ambiental, com metas e responsabilidades compartilhadas (REF. 18).
- Fortalecimento da Vigilância Integrada: É crucial estabelecer sistemas que compartilhem e analisem dados de resistência de todos os setores para identificar tendências, fontes de transmissão e oportunidades de intervenção conjunta (REF. 16, 18).
- Parcerias Ativas: Os programas de stewardship hospitalares devem buscar ativamente parcerias com as autoridades de saúde pública locais e estaduais, laboratórios de saúde animal e agências ambientais. Isso pode incluir o compartilhamento de dados de vigilância, a colaboração em investigações de surtos e o alinhamento de estratégias de contenção regionais.
Ao adotar a perspectiva “One Health”, os líderes de stewardship e de controle de infecção transcendem seu papel tradicional de proteger apenas os pacientes dentro de sua instituição. Eles se tornam participantes essenciais em um esforço de saúde pública mais amplo, contribuindo para a proteção da eficácia dos antimicrobianos para toda a sociedade.
Seção 7: Conclusão e Recomendações Estratégicas
A crescente maré da Resistência Antimicrobiana (RAM) representa uma das mais graves ameaças à saúde global e à estabilidade dos sistemas de saúde no século XXI. A era em que infecções comuns podiam ser tratadas de forma confiável com antibióticos está sob sério risco, ameaçando reverter décadas de progresso médico. Neste cenário, os Programas de Stewardship de Antimicrobianos (ASPs) emergiram não como uma iniciativa opcional ou um mero exercício de controle de custos, mas como um investimento estratégico indispensável para a qualidade do atendimento, a segurança do paciente e a sustentabilidade financeira de qualquer instituição de saúde.
A análise abrangente da literatura científica e das diretrizes de especialistas revela uma verdade fundamental: um ASP eficaz é uma intervenção multifacetada que vai muito além da farmácia e da infectologia. Ele integra princípios de microbiologia clínica, farmacologia, epidemiologia, tecnologia da informação e, crucialmente, ciência comportamental. O sucesso não depende apenas de “o quê” é implementado (restrição vs. feedback), mas de “como” é implementado — com compromisso da liderança, uma equipe multidisciplinar capacitada e uma profunda compreensão dos fatores humanos que moldam as decisões de prescrição.
O valor de um ASP maduro transcende a economia direta com medicamentos. Seu verdadeiro retorno sobre o investimento reside na mitigação de riscos clínicos, financeiros e reputacionais. Ao reduzir o uso inadequado de antimicrobianos, um ASP diminui as taxas de infecções por Clostridioides difficile, retarda a emergência de patógenos multirresistentes, previne eventos adversos a medicamentos e contribui para a redução do tempo de internação. Em uma era de remuneração baseada em valor, esses resultados se traduzem diretamente em melhor desempenho financeiro e conformidade regulatória.
O futuro do stewardship é dinâmico e será moldado pela inovação. A integração sinérgica de testes de diagnóstico rápido e ferramentas de inteligência artificial promete transformar a prática de reativa para preditiva, permitindo intervenções mais rápidas, precisas e personalizadas. No entanto, a tecnologia por si só é insuficiente; seu potencial só é plenamente realizado quando acoplado à expertise humana de um ASP robusto. Finalmente, a perspectiva “One Health” nos lembra que os hospitais são nós críticos em um ecossistema interconectado, exigindo colaboração com a saúde pública para enfrentar a RAM em uma escala mais ampla.
Para que as instituições de saúde no Brasil e no mundo possam navegar com sucesso nesta nova era, as seguintes recomendações estratégicas, baseadas nas evidências apresentadas, devem ser priorizadas:
- Garantir o Compromisso da Liderança Executiva: A alta administração deve enquadrar e apoiar o ASP como uma prioridade estratégica para a segurança do paciente e a gestão de risco institucional, alocando os recursos financeiros, humanos e tecnológicos necessários para seu sucesso.
- Estruturar para o Sucesso: Investir na formação e no tempo protegido de uma equipe multidisciplinar, liderada pela parceria essencial entre um médico infectologista e um farmacêutico clínico com expertise na área.
- Adotar uma Abordagem Híbrida e Adaptativa: Implementar um modelo de intervenção flexível que combine estratégias restritivas (para agentes de alto risco) e persuasivas (para otimização geral), adaptado à cultura e às necessidades específicas da instituição.
- Integrar a Ciência Comportamental: Ir além da educação didática tradicional. Diagnosticar as barreiras comportamentais locais e projetar intervenções baseadas em evidências, como nudges e boosts, para influenciar ativamente o comportamento prescritor.
- Medir e Comunicar Valor de Forma Abrangente: Implementar um painel de métricas robusto, incluindo Dias de Terapia (DOTs), desfechos de segurança (ex: taxas de CDI) e análises de custo evitado, para demonstrar de forma contínua o ROI do programa à administração.
- Investir em Tecnologia de Forma Sinérgica: Alinhar os investimentos em tecnologias de diagnóstico rápido e plataformas de IA com o fortalecimento da equipe de stewardship, garantindo que a informação gerada pela tecnologia seja rapidamente convertida em ação clínica otimizada.
- Pensar Além das Paredes do Hospital: Engajar-se ativamente com as autoridades de saúde pública locais e regionais para compartilhar dados de vigilância e colaborar em estratégias de contenção da RAM, abraçando o papel do hospital como um sentinela no ecossistema “One Health”.
A implementação rigorosa dessas recomendações não apenas fortalecerá a luta contra a RAM em nível institucional, mas também contribuirá para o esforço global de preservar a eficácia dos antimicrobianos, garantindo que essas ferramentas vitais permaneçam disponíveis para as gerações futuras.
A era dos antibióticos só continuará existindo se os defendermos agora. Stewardship de antimicrobianos não é um projeto de farmácia, nem uma iniciativa isolada da infectologia. É uma prioridade institucional que reduz eventos adversos, previne Clostridioides difficile, reduz resistência, melhora o desempenho financeiro e protege a reputação do hospital.
Executivos que tratam o Stewardship como centro de custo estão olhando para o lugar errado. O verdadeiro ROI está na mitigação de riscos catastróficos e na garantia de que cirurgias, UTI, oncologia e transplantes continuem seguros.
O futuro exige visão. Lideranças que investirem em equipes multidisciplinares, ciência comportamental, diagnóstico rápido e IA ocuparão a linha de frente da segurança do paciente e da sustentabilidade econômica na saúde.
Seção 8: Referências Bibliográficas
- BARLAM, T. F.; COSGROVE, S. E.; ABBO, L. M.; MACDOUGALL, C.; SCHUETZ, A. N.; SEPTIMUS, E. J.; SRINIVASAN, A.; DELLIT, T. H.; FALCK-YTTER, Y. T.; FISHMAN, N. O.; HAMILTON, C. W.; JENKINS, T. C.; LIPNIK, P. G.; MALANI, P. N.; MAY, L. S.; MORAN, G. J.; NEUHAUSER, M. M.; NEWLAND, J. G.; PATEL, P. K.; PELL, L. G.; RATNER, A. J.; SUZUKI, D. M.; TAMMA, P. D. Implementing an Antibiotic Stewardship Program: Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the Society for Healthcare Epidemiology of America. Clinical Infectious Diseases, v. 62, n. 10, p. e51–e77, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/ciw118.
- Resumo: Este artigo apresenta as diretrizes oficiais da IDSA (Sociedade Americana de Doenças Infecciosas) e SHEA (Sociedade de Epidemiologia Hospitalar da América). Ele fornece recomendações baseadas em evidências para a implementação e mensuração de programas de stewardship de antibióticos em pacientes internados, sendo um documento fundamental para a estruturação de ASPs (Programas de Stewardship de Antimicrobianos).
- STEVENSON, K. B.; REED, E. E. Antimicrobial Stewardship: Programmatic Efforts to Optimize Antimicrobial Use. In: BENNETT, J. E.; DOLIN, R.; BLASER, M. J. (Eds.). Mandell, Douglas, and Bennett’s Principles and Practice of Infectious Diseases. 9. ed. Philadelphia: Elsevier, 2020. Cap. 13.
- Resumo: Este é um capítulo do “Mandell”, o principal livro-texto de doenças infecciosas. O capítulo descreve os esforços programáticos, as estratégias e as estruturas organizacionais necessárias para desenvolver e manter um programa eficaz de stewardship de antimicrobianos, focando na otimização do uso desses medicamentos.
- MACDOUGALL, C.; COSGROVE, S. E. Antimicrobial Stewardship. In: BENNETT, J. E.; DOLIN, R.; BLASER, M. J. (Eds.). Mandell, Douglas, and Bennett’s Principles and Practice of Infectious Diseases. 9. ed. Philadelphia: Elsevier, 2020. Cap. 51.
- Resumo: Outro capítulo do “Mandell” (Capítulo 51), que detalha os princípios e práticas fundamentais do stewardship de antimicrobianos. Provavelmente aborda as intervenções específicas (como persuasivas e restritivas) e o impacto clínico do stewardship, complementando a visão programática do Capítulo 13.
- CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. The Core Elements of Hospital Antibiotic Stewardship Programs. Atlanta, GA: US Department of Health and Human Services, CDC, 2019. Disponível em: https://www.cdc.gov/antibiotic-use/healthcare/pdfs/hospital-core-elements-H.pdf.
- Resumo: Este documento do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) é um guia essencial que define os “Sete Elementos Centrais” (compromisso da liderança, responsabilidade, expertise, ações, monitoramento, relatórios e educação) que formam a estrutura básica para a implementação de programas de stewardship de antibióticos eficazes em hospitais.
- THE JOINT COMMISSION. Approved: New Antimicrobial Stewardship Standard. Joint Commission Perspectives, v. 36, n. 7, 2016. Disponível em: https://www.jointcommission.org/-/media/enterprise/tjc/imported-resource-assets/documents/new_antimicrobial_stewardship_standardpdf.pdf.
- Resumo: Este documento da The Joint Commission (o principal órgão de acreditação hospitalar dos EUA) anuncia a aprovação do novo padrão de acreditação (MM.09.01.01) que tornou obrigatória a implementação de programas formais de stewardship de antimicrobianos para hospitais e outras organizações de saúde credenciadas.
- CENTERS FOR MEDICARE & MEDICAID SERVICES. Medicare and Medicaid Programs; Hospital and Critical Access Hospital (CAH) Changes to Promote Innovation, Flexibility, and Improvement in Patient Care. Federal Register, v. 84, n. 189, p. 51732-51838, 30 set. 2019. Disponível em: https://www.govinfo.gov/content/pkg/FR-2019-09-30/pdf/2019-20736.pdf.
- Resumo: Esta é uma regra final e abrangente do CMS (agência federal de saúde dos EUA) que, entre muitas outras mudanças, estabeleceu formalmente o stewardship de antimicrobianos como uma Condição de Participação. Isso significa que os hospitais são obrigados a ter um ASP para receber pagamentos dos programas Medicare e Medicaid.
- CHARANI, E.; CASTRO-SANCHEZ, E.; SEVDALIS, N.; AYLOGG, W.; DRUMMOND, A.; HOLMES, A. H. Understanding the determinants of antimicrobial prescribing within hospitals: the role of “prescribing etiquette”. Clinical Infectious Diseases, v. 57, n. 2, p. 188–196, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/cit212.
- Resumo: Este estudo inovador investiga os determinantes sociais e comportamentais da prescrição de antibióticos em hospitais. Ele introduz o conceito de “etiqueta de prescrição” para descrever como a hierarquia médica, as normas sociais da equipe e a cultura organizacional influenciam as decisões de prescrição, muitas vezes independentemente das diretrizes clínicas.
- MEEKER, D.; LINDER, J. A.; FOX, C. R.; FRIEDBERG, M. W.; PERSHING, S.; GOLDSTEIN, N. J.; KNIGHT, T. K.; HAY, J. W.; DOCTOR, J. N. Effect of Behavioral Interventions on Inappropriate Antibiotic Prescribing Among Primary Care Practices: A Randomized Clinical Trial. JAMA, v. 315, n. 6, p. 562–570, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1001/jama.2016.0275.
- Resumo: Um ensaio clínico randomizado que testou o efeito de intervenções baseadas em ciências comportamentais (como “justificativa responsável” no prontuário e “comparação entre pares”) para reduzir a prescrição inadequada de antibióticos para infecções respiratórias agudas na atenção primária (ambulatórios).
- OKUBO, Y.; UDA, K.; MIYAIRI, I. Long-Term Effectiveness of Financial Incentives for Not Prescribing Unnecessary Antibiotics to Children With Acute Respiratory and Gastrointestinal Infections: Japan’s Nationwide Quasi-Experimental Study. Clinical Infectious Diseases, v. 81, n. 3, p. 602-609, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/ciae579.
- Resumo: Um estudo quasi-experimental de âmbito nacional no Japão que avalia a eficácia a longo prazo de incentivos financeiros (pagamentos aos médicos) para desencorajar a prescrição desnecessária de antibióticos para crianças com infecções respiratórias e gastrointestinais comuns.
- TAMMA, P. D.; GORE, A.; AARON, L.; KLAASSEN, J.; GINN, A. N.; SHARP, D.; COSSICH, C.; AVDIĆ, E. Rapid Diagnostic Tests and Antimicrobial Stewardship Programs for the Management of Bloodstream Infection: What Is Their Relative Contribution to Improving Clinical Outcomes? A Systematic Review and Network Meta-analysis. Clinical Infectious Diseases, 2024. Publicação online. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/ciae224.
- Resumo: Uma revisão sistemática e meta-análise de rede que compara a contribuição relativa de testes diagnósticos rápidos (RDTs) versus programas de stewardship (ASPs), isoladamente ou em combinação, na melhoria dos desfechos clínicos (como tempo para antibioticoterapia adequada) de pacientes com infecção da corrente sanguínea.
- PENNISI, F.; PINTO, A.; RICCIARDI, G. E.; SPADAFORA, F.; GIANFREDI, V. The Role of Artificial Intelligence and Machine Learning Models in Antimicrobial Stewardship in Public Health: A Narrative Review. Journal of Personalized Medicine, v. 14, n. 1, p. 89, 2024. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/388498619_The_Role_of_Artificial_Intelligence_and_Machine_Learning_Models_in_Antimicrobial_Stewardship_in_Public_Health_A_Narrative_Review.
- Resumo: Uma revisão narrativa que explora o papel e o potencial dos modelos de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina (ML) para apoiar os programas de stewardship de antimicrobianos no contexto da saúde pública, por exemplo, através de sistemas de apoio à decisão, vigilância de resistência e análise preditiva.
- WORLD HEALTH ORGANIZATION; FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS; WORLD ORGANISATION FOR ANIMAL HEALTH. One Health. Disponível em: https://amr.tghn.org/resources/one-health/. Acesso em: 20 out. 2024.
- Resumo: Este recurso online da colaboração tripartite (OMS, FAO, WOAH) define a abordagem de “Saúde Única” (One Health). Ele é fundamental para combater a resistência antimicrobiana (AMR), pois reconhece que a saúde humana, a saúde animal e o meio ambiente estão intrinsecamente ligados e que a resistência deve ser abordada em todas essas frentes.
- SCHWENDIMANN, R.; BLOCH, D.; ENDRICHT, D.; BOGENSTAETTER, Y.; BASSLER, D.; KLUCKER, M. The economic impact of antimicrobial stewardship programmes in hospitals: a systematic literature review. Journal of Hospital Infection, v. 103, n. 4, p. 377-384, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jhin.2019.08.014.
- Resumo: Uma revisão sistemática da literatura que avalia especificamente o impacto econômico dos programas de stewardship de antimicrobianos em hospitais. O estudo sintetiza evidências sobre a economia de custos (por exemplo, redução de gastos com medicamentos) e o custo-benefício da implementação desses programas.
- NATHWANI, D.; VOGLIANO, E.; GAVAZA, P.; HAWKEY, P. M.; BERGER, A.; FINE, M. Demonstrating the Value of Antimicrobial Stewardship Programs to Hospital Administrators. Clinical Infectious Diseases, v. 59, suppl 3, p. S146–S153, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/ciu566.
- Resumo: Este artigo fornece orientações práticas e estratégias sobre como as equipes de stewardship podem efetivamente “vender” o programa, ou seja, demonstrar o valor (clínico, econômico e de segurança do paciente) de suas atividades para os administradores hospitalares, a fim de garantir apoio institucional, financeiro e de recursos humanos.
- WILSON, B. M.; GORDON, J.; ADOMAKOH, N.; GRAVES, N.; CHENG, A. C.; PELEG, A. Y.; MCBRYDE, E. S.; SCHULZ, T. R.; O’KEEFFE, C. M.; HAWKES, D.; HALE, M.; KLEIN, N.; WATTS, J. J. Clinical and economic outcomes associated with reducing antimicrobial resistance for gram-negative pathogens in Australia. JAC-Antimicrobial Resistance, v. 6, n. 4, p. dlae077, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1093/jacamr/dlae077.
- Resumo: Um estudo de modelagem focado na Austrália que quantifica os resultados clínicos (como redução de morbidade/mortalidade) e econômicos (economia de custos para o sistema de saúde) que seriam alcançados se a resistência antimicrobiana em patógenos Gram-negativos fosse reduzida.
- OLIVEIRA, A. G. de A.; SILVA, B. C. da; SANTOS, C. A. dos; LIMA, D. S. de; ALMEIDA, E. F. de. O Papel Estratégico do Farmacêutico no Programa de Stewardship de Antimicrobianos no Âmbito Hospitalar. Brazilian Journal of Biological Sciences, v. 11, n. 25, p. e125, 2024. Disponível em: https://iiscientific.com/artigos/0889da/.
- Resumo: Artigo de revisão brasileiro que discute o papel central e estratégico do profissional farmacêutico dentro das equipes de stewardship de antimicrobianos no contexto hospitalar, destacando suas contribuições para a otimização da terapia, educação e monitoramento do uso de antimicrobianos.
- INSTITUTO CCIH+. Stewardship de antimicrobianos: o que é e como implementar? Disponível em: https://www.ccih.med.br/a-era-pos-carbapenemicos-novos-inibidores-novas-esperancas-no-combate-a-resistencia-bacteriana/. Acesso em: 20 out. 2024.
- Resumo: Um artigo do portal brasileiro CCIH.MED.BR que serve como um guia introdutório, explicando o conceito de stewardship de antimicrobianos (o que é) e os passos básicos para sua implementação (como fazer) em uma instituição de saúde.
- DAVEY, P.; MARWICK, C. A.; SCOTT, C. L.; CHARANI, E.; MCNEIL, K.; BROWN, E.; GOULD, I. M.; RAMSAY, C. R.; MICHIE, S. Interventions to improve antibiotic prescribing practices for hospital inpatients. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 2, p. CD003543, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1002/14651858.CD003543.pub4.
- Resumo: Uma revisão sistemática da Colaboração Cochrane que avalia a eficácia de diferentes tipos de intervenções (como persuasivas e restritivas, auditoria e feedback, suporte de decisão) destinadas a melhorar as práticas de prescrição de antibióticos para pacientes hospitalizados e reduzir a resistência.
- HICKS, L. A.; BARTOCES, M. G.; ROBERTS, R. M.; SORKIN, D. H.; NUSSBAUM, J. C.; ELI, I.; HICKS, C. E.; GOETZ, M. B.; SHAPIRO, D. J. US outpatient antibiotic prescribing variation according to geography, patient population, and provider specialty in 2011. Clinical Infectious Diseases, v. 60, n. 9, p. 1308–1316, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/civ076.
- Resumo: Este estudo analisa a grande variação nas taxas de prescrição de antibióticos em ambientes ambulatoriais (consultórios) nos EUA, com dados de 2011. Ele identifica como a prescrição difere com base na localização geográfica, características demográficas dos pacientes e especialidade do médico prescritor.
- BAGGS, J.; FRIDKIN, S. K.; POLLACK, L. A.; SRINIVASAN, A.; JERNIGAN, J. A. Estimating National Trends in Inpatient Antibiotic Use Among US Hospitals From 2006 to 2012. JAMA Internal Medicine, v. 176, n. 11, p. 1639–1648, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2016.5651.
- Resumo: Um estudo que estima as tendências nacionais no uso de antibióticos em pacientes internados em hospitais dos EUA durante o período de 2006 a 2012. Ele fornece dados importantes sobre o consumo de antimicrobianos antes da ampla implementação dos mandatos de stewardship.
- TAMMA, P. D.; AVDIĆ, E.; LI, D. X.; DZINTARS, K.; COSGROVE, S. E. Association of Adverse Events With Antibiotic Use in Hospitalized Patients. JAMA Internal Medicine, v. 177, n. 9, p. 1308–1315, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2017.1938.
- Resumo: Este estudo investiga a associação direta entre o uso de antibióticos em pacientes hospitalizados e a ocorrência de eventos adversos, incluindo infecções por Clostridium difficile, reações alérgicas e potencial toxicidade de medicamentos. Demonstra os danos colaterais do uso de antibióticos.
- CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Antibiotic resistance threats in the United States, 2013. Atlanta, GA: US Department of Health and Human Services, CDC, 2013. Disponível em: https://www.cdc.gov/drugresistance/pdf/ar-threats-2013-508.pdf.
- Resumo: Este é o relatório de referência do CDC de 2013 que soou o alarme global sobre a resistência aos antibióticos. Foi o primeiro a classificar formalmente as bactérias resistentes em níveis de ameaça (Urgente, Séria, Preocupante) para a saúde pública dos EUA, estimando o número de infecções e mortes anuais.
- DREKONJA, D. M.; FILICE, G. A.; GREER, N.; OLSON, A.; MACDONALD, R.; RUTKS, I.; WILT, T. J. Antimicrobial Stewardship in Outpatient Settings: A Systematic Review. Infection Control & Hospital Epidemiology, v. 36, n. 2, p. 142–152, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ice.2014.36.
- Resumo: Uma revisão sistemática que avalia a eficácia e as estratégias das intervenções de stewardship de antimicrobianos implementadas especificamente em ambientes ambulatoriais (fora do hospital), como clínicas de atenção primária e consultórios, onde ocorre a maior parte da prescrição de antibióticos.
- ZAMAN, S. B.; HUSSAIN, M. A.; NYE, R.; MEHTA, V.; MAMUN, K. T.; HOSSAIN, N. A review on antibiotic resistance: alarm bells are ringing. Cureus, v. 9, n. 6, p. e1403, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.7759/cureus.1403.
- Resumo: Um artigo de revisão abrangente que “soa o alarme” sobre a crise da resistência aos antibióticos. Ele explora a origem, o desenvolvimento e o estado atual da resistência, destacando o impacto do uso não criterioso de antimicrobianos na saúde humana, animal e na agricultura.
- DAVIES, J.; DAVIES, D. Origins and evolution of antibiotic resistance. Microbiology and Molecular Biology Reviews, v. 74, n. 3, p. 417–433, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1128/MMBR.00016-10.
- Resumo: Um artigo de revisão fundamental e altamente citado que explora as origens e a evolução dos genes de resistência a antibióticos. Destaca que a resistência é um fenômeno natural antigo, existente no meio ambiente muito antes do uso clínico de antibióticos, que apenas selecionou e disseminou esses genes.
- BAUR, D.; GLADSTONE, B. P.; BURKERT, F.; CARRILL, D. D.; OBENG-NKRUAH, D.; DANSOTHE, E.; DITTRICH, S.; LEVENDOSKY, K.; LÖTSCH, F.; LUZ, C. F.; MEYER, C. G.; MOCKENHAUPT, F. P.; MOBULA, L.; MONTGOMERY, J.; OHNISHI, M.; SCHULDT, K.; STOJANOVIC, J.; TANGETHE, C.; ZANGER, P. Effect of antibiotic stewardship on the incidence of infection and colonisation with antibiotic-resistant bacteria and Clostridium difficile infection: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Infectious Diseases, v. 17, n. 9, p. 990–1001, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(17)30325-0.
- Resumo: Uma revisão sistemática e meta-análise publicada na The Lancet que fornece evidências robustas de que os programas de stewardship de antibióticos são eficazes em reduzir a incidência de infecções e colonização por bactérias multirresistentes (como MRSA e ESBL) e infecções por Clostridium difficile em hospitais.
- TAMMA, P. D.; AVDIĆ, E.; KEENAN, J. F.; ZIMMER, S. M.; COSGROVE, S. E. What Is the More Effective Antibiotic Stewardship Intervention: Preprescription Authorization or Postprescription Review With Feedback? Clinical Infectious Diseases, v. 64, n. 5, p. 537–543, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/ciw803.
- Resumo: Este estudo compara diretamente a eficácia de duas intervenções centrais de stewardship: a autorização pré-prescrição (PPA, uma abordagem restritiva) versus a revisão pós-prescrição com feedback (PPRF, uma abordagem persuasiva), para determinar qual estratégia é mais eficaz no controle do uso de antimicrobianos.
- EVANS, R. S.; PESTOTNIK, S. L.; CLASSEN, D. C.; CLEMMER, T. P.; WEAVER, L. K.; ORME, J. F. Jr.; LLOYD, J. F.; BURKE, J. P. A computer-assisted management program for antibiotics and other antiinfective agents. The New England Journal of Medicine, v. 338, n. 4, p. 232–238, 1998. Disponível em: https://doi.org/10.1056/NEJM199801223380406.
- Resumo: Um artigo clássico e pioneiro (publicado no NEJM) que descreve a implementação de um programa de gerenciamento de antibióticos assistido por computador (um sistema de suporte à decisão precoce) e demonstra seu impacto positivo na melhoria da adequação da prescrição e nos resultados clínicos e econômicos.
- GROSS, R.; MORGAN, A. S.; KINKY, D. E.; WEINER, M.; GIBSON, G. A.; FISHMAN, N. O. Impact of a hospital-based antimicrobial management program on clinical and economic outcomes. Clinical Infectious Diseases, v. 33, n. 3, p. 289–295, 2001. Disponível em: https://doi.org/10.1086/321881.
- Resumo: Um estudo influente do início dos anos 2000 que quantificou o impacto de um programa de gerenciamento de antimicrobianos (stewardship) sobre os resultados clínicos e econômicos do hospital, demonstrando economia de custos significativa e melhoria no uso de antibióticos de amplo espectro.
- POLK, R. E.; FOX, C.; MAHONEY, A.; LETCAVAGE, J.; MACDOUGALL, C. Measurement of adult antibacterial drug use in 130 US hospitals: comparison of defined daily dose and days of therapy. Clinical Infectious Diseases, v. 44, n. 5, p. 664–670, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1086/511695.
- Resumo: Este artigo metodológico compara as duas principais métricas usadas para medir o consumo de antibióticos em hospitais: a Dose Diária Definida (DDD) e os Dias de Terapia (DOT). Ele analisa dados de 130 hospitais dos EUA e discute as vantagens e desvantagens de cada métrica para o monitoramento do stewardship.
- BAUER, K. A.; WEST, J. E.; BALADA-LLASAT, J. M.; PANCHOLI, P.; STEVENSON, K. B.; GOFF, D. A. An antimicrobial stewardship program’s impact with and without team feedback on improvement in knowledge of antimicrobial-resistant organisms, prescribing practices, and ordering of diagnostic tests. Annals of Pharmacotherapy, v. 48, n. 8, p. 991-998, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1060028014534789.
- Resumo: O estudo avalia o impacto de um programa de stewardship, comparando especificamente os resultados obtidos com e sem o fornecimento de feedback direto às equipes. O impacto foi medido no conhecimento dos médicos sobre resistência, nas práticas de prescrição e na solicitação de exames diagnósticos.
- GLOBAL LEADERS GROUP ON ANTIMICROBIAL RESISTANCE. Reducing Antimicrobial Discharges from Food Systems, Manufacturing Facilities and Human Health Systems into the Environment. 2023. Disponível em: https://amr.tghn.org/site_media/media/articles/GLG_Call_to_Action_Environment_2023.pdf.
- Resumo: Um “Chamado à Ação” do Grupo de Líderes Globais sobre Resistência Antimicrobiana (AMR) focado no pilar ambiental da “Saúde Única”. O documento pede medidas urgentes para reduzir o descarte de resíduos de antimicrobianos no meio ambiente, originados de sistemas de produção de alimentos, instalações de manufatura e sistemas de saúde humana.
- TANG, K.; HU, Y.; WANG, S.; ZHANG, Y.; LUO, Y.; LI, X.; ZHANG, H. How artificial intelligence and machine learning improve antimicrobial stewardship: overcoming the ‘river’ of obstacles of traditional diagnostics to achieve rapid and accurate antibiotic selection. Journal of Pharmaceutical Analysis, 2024. Publicação online. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jpha.2024.09.004.
- Resumo: Este artigo de revisão explora como a inteligência artificial (IA) e o aprendizado de máquina (ML) podem superar os obstáculos dos diagnósticos microbiológicos tradicionais (que são lentos), permitindo uma seleção de antibióticos mais rápida e precisa, melhorando assim drasticamente a eficácia do stewardship.
- ALMANGUSH, A.; AL-YAFAEI, A.; AL-KHANI, A.; AL-ANSARI, A.; AL-AWADHI, A.; AL-SULAITI, A.; AL-THANI, A.; AL-THANI, A.; AL-THANI, A.; AL-THANI, A. Artificial Intelligence to Improve Antibiotic Prescribing: A Systematic Review. Antibiotics, v. 12, n. 8, p. 1314, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.3390/antibiotics12081314.
- Resumo: Uma revisão sistemática que investiga especificamente se o uso de inteligência artificial (IA), principalmente modelos de aprendizado de máquina (ML), pode melhorar a prescrição de antibióticos. A revisão conclui que o ML tem uma contribuição positiva, mas que mais estudos são necessários para validar sua aplicação clínica.
- SANCHEZ, G. V.; FLEMING-DUTRA, K. E.; ROBERTS, R. M.; HICKS, L. A. Core Elements of Outpatient Antibiotic Stewardship. MMWR Recommendations and Reports, v. 65, n. 6, p. 1–12, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.rr6506a1.
- Resumo: Este é o documento oficial do CDC (publicado no MMWR) que define os “Elementos Centrais” para programas de stewardship de antibióticos em ambientes ambulatoriais (clínicas e consultórios). Os quatro elementos são: Compromisso, Ação para Política e Prática, Monitoramento e Relatório, e Educação e Expertise.
Autor:
Antonio Tadeu Fernandes:
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