Conheça o que mudou na classificação das recomendações do CDC, porque desta revolução e que impacto isso terá na elaboração e interpretação das recomendações de novos guias CDC.
Recomendamos a leitura deste artigo em seu computador ou tablet ou utilizar o modo paisagem em seu celular.
Este artigo explora a atualização do esquema de categorização de recomendações do Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC) e do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) para diretrizes de prevenção e controle de infecções. O texto detalha o contexto do esquema original, suas limitações e a metodologia empregada para a revisão. O foco principal é a análise das três novas tabelas que definem a força das recomendações, a justificativa para sua escolha e o nível de confiança na evidência, destacando a maior transparência e aplicabilidade. Serão abordadas as implicações da adoção de princípios da metodologia GRADE e a importância da transparência para a aceitação e implementação das diretrizes em ambientes de saúde.
1. Introdução
1.1. A Importância das Diretrizes em Prevenção e Controle de Infecções (PCI)
As diretrizes baseadas em evidências desempenham um papel fundamental na segurança do paciente e na saúde pública, especialmente no combate às infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) e à crescente ameaça da resistência antimicrobiana. Essas orientações servem como uma base sólida para a segurança na saúde em diversos ambientes, impulsionam esforços de melhoria da qualidade e auxiliam na identificação de lacunas importantes na pesquisa . A sua aplicação consistente é vital para proteger tanto os pacientes quanto os profissionais de saúde.
1.2. O Papel do HICPAC e do CDC na Saúde Global
O Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC) é um comitê consultivo federal estabelecido em 1991 com a missão de fornecer aconselhamento e orientação ao CDC e ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos EUA. Suas atribuições incluem a detecção e prevenção de infecções associadas à assistência à saúde, bem como o enfrentamento da resistência antimicrobiana em ambientes de saúde nos Estados Unidos. A relevância do CDC e do HICPAC transcende as fronteiras americanas, sendo reconhecidos como referências globais na formulação de políticas e diretrizes de controle de infecções. As recomendações do HICPAC, em particular, formam a base para as práticas diárias que as instalações de saúde utilizam para garantir a segurança de pacientes e trabalhadores.
1.3. O Propósito da Atualização do Esquema de Categorização
As recomendações do CDC para a prevenção de infecções associadas à assistência à saúde têm evoluído continuamente desde a década de 1970, à medida que novas bases de evidências são construídas. Nesse contexto de constante aprimoramento, tornou-se imperativo adaptar os esquemas de categorização para refletir as necessidades metodológicas em evolução. O objetivo geral da atualização de 2019 foi triplo: incorporar metodologias mais modernas, permitir a inclusão da opinião de especialistas quando a evidência de alta qualidade é escassa e aumentar a transparência em relação à justificativa da força das recomendações.
2. O Esquema de Categorização Original do HICPAC: Contexto e Limitações
2.1. Descrição das Categorias Originais
O esquema de categorização original de recomendações do HICPAC, embora inovador para sua época, refletia o crescente rigor associado ao processo de produção de diretrizes. Ele era composto por cinco categorias distintas:
- IA: Uma recomendação forte, sustentada por evidências de alta a moderada qualidade, sugerindo benefícios ou danos clínicos claros.
- IB: Uma recomendação forte, amparada por evidências de baixa qualidade, indicando benefícios ou danos clínicos; ou uma prática aceita, suportada por evidências de baixa a muito baixa qualidade.
- IC: Uma recomendação forte, cuja implementação era exigida por regulamentação estadual ou federal.
- II: Uma recomendação fraca, apoiada por evidências de qualquer qualidade, que sugeria um equilíbrio entre benefícios e danos clínicos.
- Sem recomendação/questão não resolvida: Uma situação para a qual havia evidências de baixa a muito baixa qualidade com incerteza sobre os benefícios e danos, ou ausência de evidências publicadas sobre desfechos considerados críticos para ponderar os riscos e benefícios de uma intervenção específica.
2.2. Análise das Limitações e Desafios
Apesar de seu rigor, o esquema original apresentava limitações significativas quando aplicado ao campo da prevenção e controle de infecções.
Uma das principais dificuldades residia na escassez de evidências de Nível I. A falta de ensaios clínicos randomizados (RCTs) bem delineados para muitos tópicos importantes na prevenção de infecções associadas à assistência à saúde frequentemente resultava em recomendações classificadas como “fracas” ou “questão não resolvida”. Essa dependência excessiva de evidências de Nível I no esquema original gerava uma desarmonia entre o rigor metodológico e a realidade da prática clínica. Muitas práticas amplamente aceitas e clinicamente benéficas acabavam sendo subestimadas em sua classificação, criando um potencial erosão da confiança dos profissionais nas diretrizes, especialmente em cenários onde a realização de RCTs é inviável ou eticamente questionável. O sistema, em sua rigidez, paradoxalmente, poderia diminuir a aplicabilidade e a aceitação das orientações.
Outra limitação crítica era a descrição inconsistente dos fatores decisórios. Os elementos que contribuíam para a escolha da categoria de recomendação não eram descritos de maneira padronizada e transparente. A ausência de uma descrição uniforme dos fatores subjacentes às decisões sobre a força das recomendações gerava opacidade no processo. Isso dificultava a compreensão do “porquê” de uma recomendação específica ser classificada de determinada forma, podendo levar a questionamentos sobre a base da decisão e, consequentemente, diminuir a aceitação por parte dos usuários das diretrizes. Essa inconsistência comprometia a credibilidade e a capacidade de replicação do processo de desenvolvimento das diretrizes.
3. A Jornada para a Transparência: O Processo de Atualização do HICPAC
3.1. Objetivos da Atualização
Diante das limitações do esquema original, o CDC solicitou ao HICPAC o desenvolvimento de um esquema de categorização atualizado. O Grupo de Trabalho do HICPAC, encarregado dessa tarefa, definiu quatro objetivos principais para guiar a atualização:
- Indicar claramente a força da recomendação.
- Detalhar a qualidade e consistência da evidência de suporte, incluindo a opinião de especialistas.
- Apresentar o balanço de benefícios e danos, considerando custos e uso de recursos.
- Estabelecer critérios para distinguir práticas necessárias de práticas suplementares.
3.2. Metodologia de Desenvolvimento do Novo Esquema
O processo de desenvolvimento do novo esquema foi rigoroso e abrangente:
- O Grupo de Trabalho revisou e avaliou esquemas de categorização existentes, incluindo os desenvolvidos por Rosenfeld et al., Ahmed et al., Briss et al., e a Agência de Saúde Pública do Canadá.
- Foram analisadas diretrizes de controle de infecções de uma variedade de grupos, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), ACOEM, ASIPP, VA/DoD, Surviving Sepsis Campaign, IDSA, Saiman et al., e Ouellette et al..
- Um rascunho do esquema foi elaborado e apresentado para discussão em reuniões públicas do HICPAC em julho e novembro de 2017.
- Com base no feedback do comitê, o rascunho foi refinado e aprovado por votação unânime em fevereiro de 2018.
- O CDC publicou um aviso no Federal Register para um período de consulta pública de 17 de setembro a 17 de outubro de 2018. Durante esse período, nenhum comentário público foi submetido.
- Após a consulta, o HICPAC revisou o rascunho na reunião pública de novembro de 2018, incorporou as edições do Grupo de Trabalho e votou unanimemente pela aprovação do novo esquema de categorização de recomendações.
3.3. O Contexto Contínuo do HICPAC
É importante notar que, apesar da atualização do esquema em 2019, a atividade do HICPAC e seu papel continuam sendo um tema de discussão. O HICPAC é um comitê consultivo federal que pondera a ciência e a discussão pública para informar suas recomendações ao CDC. Atualmente, o HICPAC está revisando rascunhos de atualizações para diversas diretrizes, incluindo a “Diretriz para Precauções de Isolamento: Prevenção da Transmissão de Agentes Infecciosos em Ambientes de Saúde (2007) – Parte Um”, a “Diretriz para Controle de Infecções em Profissionais de Saúde, 1998 (seção de Infecções Respiratórias Virais)”, e a “Controle de Infecções em Ambientes de Saúde Odontológica – 2003 (seção de Linhas de Água de Unidades Odontológicas, Biofilme e Qualidade da Água)” .
A “Importância de Reinstaurar o Comitê Consultivo de Práticas de Controle de Infecções em Saúde (HICPAC) do CDC,” conforme destacado por sociedades profissionais como a Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology (APIC), a Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA) e a Pediatric Infectious Diseases Society (PIDS), revela que, mesmo com um processo de atualização robusto e focado na transparência, a existência e o suporte a esses corpos consultivos são cruciais e podem ser vulneráveis a fatores externos. Isso demonstra que a qualidade das diretrizes não depende apenas da metodologia empregada, mas também da estabilidade e independência da entidade responsável por sua produção. A continuidade e o apoio a órgãos como o HICPAC são, portanto, essenciais para garantir a produção ininterrupta de orientações científicas de alta qualidade, fundamentais para a segurança do paciente.
4. O Novo Esquema de Categorização de Recomendações do HICPAC (2019): Detalhes e Implicações
O esquema atualizado do HICPAC representa uma simplificação e clarificação significativas de sua estrutura, passando de cinco para três categorias de recomendação. Ele é composto por três tabelas interligadas que definem a força das recomendações, a justificativa para sua escolha e o nível de confiança na evidência.
4.1. Força Geral das Recomendações
Esta tabela é o cerne da simplificação do esquema, definindo e descrevendo as três novas categorias de recomendação. Ela clarifica como a combinação da qualidade da evidência e o balanço de benefícios e danos são utilizados para determinar cada categoria. A tabela também delineia a obrigação implícita para cada categoria e fornece exemplos de linguagem, enfatizando a importância da especificidade em relação à população, ambiente e cenário aos quais a recomendação se aplica.
A transição de cinco para três categorias reflete um esforço deliberado para simplificar a comunicação das diretrizes, tornando-as mais compreensíveis e acionáveis para os profissionais de saúde. A definição de “Recomendação” que agora permite a inclusão de “evidência menor ou mesmo opinião de especialista” em certas circunstâncias é uma adaptação crucial à realidade do controle de infecções, onde ensaios clínicos randomizados podem ser inviáveis. Essa flexibilidade metodológica prioriza o benefício clínico sobre a rigidez da hierarquia da evidência quando apropriado. Isso demonstra que o novo esquema é mais pragmático e adaptado à complexidade do campo, reconhecendo que nem sempre é possível obter evidências de alta qualidade para todas as práticas importantes.
Tabela 1: Força Geral das Recomendações
Força | Definição | Obrigação Implícita | Linguagem |
Recomendação | CDC e HICPAC estão confiantes de que os benefícios da abordagem recomendada superam claramente os danos (ou os danos superam claramente os benefícios para uma recomendação negativa). Geralmente suportada por evidências de alta a moderada qualidade. Pode ser baseada em evidências menores ou mesmo opinião de especialista se evidências de alta qualidade forem impossíveis de obter e os benefícios antecipados superarem fortemente os danos, ou se for exigida por lei federal. | Implica que o pessoal/instalações de saúde “devem” implementar a abordagem recomendada, a menos que haja uma justificativa clara e convincente para uma alternativa. | A redação da Recomendação deve especificar o ambiente e a população aos quais se aplica (por exemplo, pacientes adultos em unidades de terapia intensiva).<br>• Verbos de ação: usar, realizar, manter, substituir<br>• Deve, não deve<br>• Recomenda-se/é recomendado, recomenda-se contra/não é recomendado<br>• É indicado/não é indicado |
Recomendação Condicional | CDC e HICPAC determinaram que os benefícios da abordagem recomendada provavelmente superam os danos (ou os danos provavelmente superam os benefícios para uma recomendação negativa). Pode ser suportada por evidências de baixa, moderada ou alta qualidade quando:<br>• Há evidências de alta qualidade, mas o balanço benefício/dano não está claramente inclinado em uma direção.<br>• A evidência é fraca o suficiente para lançar dúvidas sobre se a recomendação levará consistentemente a benefícios.<br>• A probabilidade de benefício para uma população de pacientes ou situação clínica específica é extrapolada de evidências de qualidade relativamente alta que demonstram impacto em outras populações ou situações clínicas (por exemplo, evidências obtidas durante surtos usadas para apoiar o provável benefício durante períodos endêmicos).<br>• O impacto da intervenção específica é difícil de desvincular do impacto de outras intervenções implementadas simultaneamente (por exemplo, estudos que avaliam práticas “em pacote”).<br>• Parece haver benefício com base nas evidências disponíveis, mas o balanço benefício/dano pode mudar com pesquisas futuras.<br>• O benefício é mais provável se a intervenção for usada como uma medida suplementar além das práticas básicas. | Implica que as instalações/pessoal de saúde “poderiam” ou “poderiam considerar” implementar a abordagem recomendada. O grau de adequação pode variar dependendo do balanço benefício vs. dano para o cenário específico. | A redação da Recomendação Condicional deve especificar o ambiente e a população quando relevante, incluindo cenários específicos (por exemplo, durante surtos); ambientes específicos (por exemplo, UTIs); populações específicas (por exemplo, neonatos, pacientes transplantados).<br>• Considerar<br>• Poderia<br>• Pode/pode considerar |
Sem Recomendação | Nenhuma recomendação é feita quando há tanto falta de evidências pertinentes quanto um balanço incerto entre benefícios e danos. | N/A | “Nenhuma recomendação pode ser feita em relação a” |
4.2. Justificativa para a Escolha da Força da Recomendação
Esta tabela é um novo e crucial elemento do esquema de categorização de recomendações do HICPAC. Ela articula os componentes ponderados para cada recomendação, adicionando uma camada de transparência sem precedentes às deliberações e conclusões. Ao exigir a explicitação de múltiplos fatores, o HICPAC não apenas aumenta a transparência do processo, mas também a responsabilidade dos desenvolvedores de diretrizes. Isso permite que os usuários compreendam o contexto completo da decisão, fomentando maior confiança e adesão às recomendações. A transparência, nesse sentido, atua como um mecanismo para construir confiança e legitimar as decisões tomadas.
Tabela 2: Justificativa para a Escolha da Força da Recomendação
Componentes | O que incluir | Comentários |
Evidência de Suporte | Listar o número e o(s) tipo(s) de evidências disponíveis utilizadas. | Por exemplo, “… 10 estudos observacionais” |
Nível de Confiança na Evidência | O nível de confiança é baixo/moderado/alto (Ver Tabela 3). | Por exemplo, “O nível de confiança nesta evidência é baixo, pois estudos observacionais apresentam maior risco de viés” |
Benefícios | Listar as mudanças favoráveis nos desfechos que provavelmente ocorreriam se a Recomendação fosse seguida. | Ser explícito e claro sobre os prós/contras |
Riscos e Danos | Listar os eventos adversos ou outros desfechos desfavoráveis que podem ocorrer se a Recomendação fosse seguida. | Ser explícito e claro sobre os prós/contras |
Uso de Recursos | Descrever (se aplicável) custos diretos, custos de oportunidade, requisitos de recursos materiais ou humanos, necessidades de instalações, etc., que podem estar associados ao seguimento da Recomendação. | O HICPAC não realiza suas próprias análises de custo e não é obrigado a abordar custos se as análises não estiverem disponíveis e nenhuma declaração útil puder ser feita. Declarar claramente se falta informação sobre o uso de recursos. |
Avaliação Benefício-Dano | Classificar como “preponderância de benefício sobre dano” (ou vice-versa) ou “equilíbrio de benefício e dano”. A descrição desse equilíbrio pode ser da perspectiva do paciente individual, da perspectiva social ou de ambas. | Recomendações são possíveis quando um benefício claro não é compensado por danos ou custos importantes (ou vice-versa); inversamente, quando o benefício é pequeno ou compensado por fatores adversos importantes, o equilíbrio entre benefício e dano impede uma Recomendação. |
Julgamentos de Valor | Resumir os julgamentos de valor utilizados pelo grupo na criação da Recomendação; se nenhum foi envolvido, declarar “nenhum”. | A tradução da evidência em ação frequentemente envolve julgamentos de valor, que incluem princípios orientadores, considerações éticas ou outras crenças e prioridades. Declarar esses julgamentos claramente ajuda os usuários a entender sua influência na interpretação da evidência objetiva. |
Vagueza Intencional | Declarar as razões para qualquer vagueza intencional na Recomendação; se nenhuma foi intencionada, declarar “nenhuma”. | As Recomendações devem ser claras e específicas, mas se o grupo optar por ser vago, reconhecer seu raciocínio promove claramente a transparência. As razões para a vagueza podem incluir evidência insuficiente; incapacidade de alcançar consenso entre o painel sobre a qualidade da evidência, benefícios/danos antecipados ou interpretação da evidência; considerações legais; razões econômicas; questões éticas/religiosas. |
Exceções | Listar situações ou circunstâncias em que a Recomendação não deve ser aplicada. | N/A |
4.3. Nível Agregado de Confiança na Estimativa do Efeito
Esta tabela define os três níveis de confiança na evidência — Alto, Moderado e Baixo — e é baseada nas metodologias Grades of Recommendation, Assessment, Development, and Evaluation (GRADE) e da Canadian Task Force on Preventive Health Care. Essa adoção dos princípios do GRADE e da Canadian Task Force para avaliar a confiança na evidência posiciona o HICPAC em consonância com as melhores práticas internacionais em desenvolvimento de diretrizes. Embora o GRADE utilize quatro níveis de qualidade de evidência (Alto, Moderado, Baixo, Muito Baixo) e o HICPAC adote três, a base conceitual é a mesma. Essa adaptação pode ser vista como um esforço para simplificar a apresentação sem comprometer o rigor, mantendo a consistência com a simplificação das categorias de recomendação.
Tabela 3: Nível Agregado de Confiança na Estimativa do Efeito
Nível de Confiança | Descrição |
Alto | Altamente confiante de que o efeito verdadeiro está próximo do tamanho e direção estimados do efeito. Por exemplo, a confiança na evidência é classificada como “Alta” quando há múltiplos estudos sem grandes limitações, há achados consistentes e a estimativa sumária tem um intervalo de confiança estreito. |
Moderado | O efeito verdadeiro provavelmente está próximo do tamanho e direção estimados do efeito, mas há a possibilidade de que seja substancialmente diferente. Por exemplo, a confiança na evidência é classificada como “Moderada” quando há apenas alguns estudos e alguns têm limitações, mas não falhas importantes, há alguma variação entre os resultados dos estudos, ou o intervalo de confiança da estimativa sumária é amplo. |
Baixo | O efeito verdadeiro pode ser substancialmente diferente do tamanho e direção estimados do efeito. Por exemplo, a confiança na evidência é classificada como “Baixa” quando os estudos de suporte têm grandes falhas, há variação importante entre os resultados dos estudos, o intervalo de confiança da estimativa sumária é muito amplo, ou não há estudos rigorosos. |
5. A Transparência e a Metodologia GRADE no Cenário das Diretrizes de Saúde
5.1. A Importância da Transparência nas Recomendações de Saúde
A transparência é fundamental na saúde pública, pois fomenta a confiança, a responsabilidade e a tomada de decisões informadas. Quando a informação é compartilhada abertamente e de forma clara, permite-se um melhor entendimento e escrutínio das práticas e políticas de saúde. Por exemplo, a comunicação transparente de dados sobre infecções relacionadas à assistência à saúde pode levar à identificação de áreas para melhoria e à implementação de intervenções eficazes. A transparência na saúde abrange o compartilhamento de informações sobre opções de tratamento, resultados médicos, critérios de decisão, precificação e qualidade do atendimento.
A introdução da Tabela 2 pelo HICPAC, que exige a explicitação de julgamentos de valor e o balanço benefício-dano, não é um mero formalismo; é uma estratégia fundamental para fortalecer a relação entre os desenvolvedores de diretrizes e os profissionais de saúde. Ao tornar explícitos os julgamentos de valor e os trade-offs, o HICPAC cultiva a confiança, que é essencial para a adesão às diretrizes. Além disso, a transparência na justificativa pode facilitar a identificação de áreas para futuras pesquisas e o aprimoramento contínuo das diretrizes, criando um ciclo de melhoria constante na qualidade do cuidado.
5.2. A Metodologia GRADE como Padrão Internacional
O sistema GRADE (Grades of Recommendation, Assessment, Development, and Evaluation) é um método amplamente reconhecido para avaliar a certeza da evidência e a força das recomendações em saúde. Iniciado em 2000, o GRADE surgiu de uma colaboração entre metodologistas, desenvolvedores de diretrizes, epidemiologistas e clínicos, com o objetivo de criar uma abordagem comum e transparente para classificar a qualidade da evidência e a força das recomendações.
O GRADE classifica a qualidade da evidência em quatro níveis: Alta, Moderada, Baixa e Muito Baixa. A força de uma recomendação no GRADE é determinada por diversos fatores, incluindo a importância e frequência do problema de saúde, os valores e preferências dos afetados, a qualidade da evidência, o balanço entre benefícios e danos, as implicações de recursos, a equidade e a aceitabilidade/viabilidade da intervenção. Mais de 100 organizações em todo o mundo, incluindo a OMS, o UK National Institute for Health and Care Excellence (NICE) e a Canadian Task Force on Preventive Health Care, endossam ou utilizam o GRADE .
Apesar de ser um padrão ouro, o GRADE não está isento de críticas, especialmente em sua aplicação a certas áreas como nutrição ou exposição ambiental, onde ensaios clínicos randomizados podem ser impraticáveis e estudos observacionais são cruciais. A crítica de que o GRADE tende a classificar todos os estudos observacionais como “baixa evidência” devido ao potencial de vieses, sem considerar suas forças para efeitos de longo prazo ou quando RCTs são inviáveis, é particularmente relevante para o controle de infecções. O HICPAC, ao permitir que “Recomendações” sejam baseadas em “evidência menor ou mesmo opinião de especialista” em cenários onde evidências de alta qualidade são impossíveis de obter, demonstra uma compreensão e adaptação pragmática dessas nuances do GRADE. Essa flexibilidade garante que diretrizes importantes não sejam subestimadas por uma aplicação dogmática da hierarquia da evidência, permitindo que o HICPAC não apenas adote um padrão, mas o adapte inteligentemente às particularidades de sua área, mantendo a relevância e a aplicabilidade das diretrizes.
5.3. Sinergias com a Canadian Task Force on Preventive Health Care
A Canadian Task Force on Preventive Health Care é um painel independente de especialistas em atenção primária e prevenção, financiado pela Agência de Saúde Pública do Canadá (PHAC), cujo objetivo é desenvolver diretrizes baseadas em evidências para cuidados preventivos. A Canadian Task Force também utiliza a metodologia GRADE em suas revisões de evidência, o que reforça sua posição como um padrão internacional.
O processo de desenvolvimento de diretrizes da Canadian Task Force inclui etapas como a seleção de tópicos, fase de escopo, identificação de benefícios e danos, revisão sistemática de evidências, elaboração de recomendações e diretrizes, feedback de especialistas, criação de ferramentas de tradução do conhecimento, publicação, disseminação e avaliação.
A notícia recente sobre a “pausa” no trabalho da Canadian Task Force devido a “interferência política” serve como um alerta importante. Isso sublinha a vulnerabilidade de órgãos independentes, mesmo aqueles que seguem metodologias rigorosas como o GRADE, a pressões externas que podem comprometer sua capacidade de fornecer orientações baseadas em ciência. Essa situação demonstra que a integridade e a continuidade do trabalho de desenvolvimento de diretrizes dependem não apenas de um processo interno robusto, mas também de um ambiente político que respeite a autonomia científica. Para o HICPAC e para o campo de controle de infecções, isso significa que a eficácia das diretrizes é intrinsecamente ligada à capacidade da organização que as desenvolve de operar com independência e proteção contra interferências.
6. Conclusão
A atualização do esquema de categorização de recomendações do HICPAC e CDC representa um avanço significativo no campo da prevenção e controle de infecções. Ao simplificar a estrutura de cinco para três categorias e introduzir três tabelas detalhadas, o novo esquema oferece maior clareza e transparência, facilitando a compreensão e a aplicação das diretrizes pelos profissionais de saúde.
A flexibilidade metodológica incorporada, que permite a inclusão de evidências de menor qualidade ou até mesmo a opinião de especialistas em situações onde a evidência de alta qualidade é impraticável, é crucial para a aplicabilidade das recomendações na complexa realidade do controle de infecções. Essa abordagem pragmática garante que práticas clinicamente importantes não sejam subestimadas devido a uma adesão excessivamente rígida à hierarquia da evidência.
Adicionalmente, o alinhamento do HICPAC com metodologias robustas e reconhecidas internacionalmente, como o GRADE e os princípios da Canadian Task Force on Preventive Health Care, reforça a validade e a relevância de suas diretrizes. A ênfase na transparência, evidenciada pela Tabela 2, não apenas aumenta a credibilidade do processo de desenvolvimento de diretrizes, mas também fortalece a confiança entre os desenvolvedores e os usuários, promovendo maior adesão e, consequentemente, melhores resultados em saúde.
Em perspectiva futura, espera-se que essas diretrizes aprimoradas contribuam significativamente para a redução das infecções relacionadas à assistência à saúde, aprimorando a segurança do paciente e fomentando uma cultura de evidência e responsabilidade nas instituições de saúde. No entanto, é imperativo que haja um apoio contínuo e proteção a órgãos consultivos científicos como o HICPAC, garantindo sua independência e capacidade de produzir orientações de alta qualidade, livres de interferências que possam comprometer a integridade científica e a saúde pública.
- Referências
- Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC). Update to the Centers for Disease Control and Prevention and the Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee Recommendation Categorization Scheme for Infection Control and Prevention Guideline Recommendations. Atlanta, GA: CDC; 2019. Disponível em: https://www.cdc.gov/hicpac/workgroup/recommendation-scheme-update.html
- Centers for Disease Control and Prevention (CDC). HICPAC Guideline Updates. Disponível em: https://www.cdc.gov/hicpac/php/about/updates.html
- Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology (APIC), Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA), Pediatric Infectious Diseases Society (PIDS). Importance of Reinstating CDC’s Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC). Disponível em: https://shea-online.org/importance-of-reinstating-cdcs-healthcare-infection-control-practices-advisory-committee-hicpac/
- Centers for Disease Control and Prevention (CDC). HICPAC Guideline Updates. Disponível em: https://www.cdc.gov/hicpac/php/about/updates.html
- Canadian Task Force on Preventive Health Care. Evaluation of Canadian Task Force on Preventive Health Care. Public Health Agency of Canada. Disponível em: https://www.canada.ca/en/public-health/corporate/transparency/corporate-management-reporting/evaluation/canadian-task-force-preventative-health-care.html
- Grades of Recommendation, Assessment, Development, and Evaluation (GRADE) Working Group. GRADE approach. Wikipedia. Disponível em:(https://en.wikipedia.org/wiki/GRADE_approach)
- Rovik, J. Methodological considerations of the GRADE method. PMC. 2015 Mar 19;4364259. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4364259/
- Number Analytics. Transparency in Public Health: A Guide. Disponível em: https://www.numberanalytics.com/blog/ultimate-guide-transparency-public-health
- Carrum Health. 5 Benefits of Transparency in Healthcare. Disponível em: https://carrumhealth.com/blog/transparency-in-healthcare-benefits/
- Rovik, J. Methodological considerations of the GRADE method. PMC. 2015 Mar 19;4364259. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4364259/
- Grad, R. The “pause” on the Canadian Task Force on Preventive Health Care is misguided. CMAJ. 2025 Apr 28;197(16):E458. Disponível em: https://www.cmaj.ca/content/197/16/E458
Sinopse por:
Antonio Tadeu Fernandes:
https://www.linkedin.com/in/mba-gest%C3%A3o-ccih-a-tadeu-fernandes-11275529/
https://www.instagram.com/tadeuccih/
#CCIH #guias #diretrizes #CDC #HICPS #evidências #recomendações #IRAS #IH
Instituto CCIH+ Parceria permanente entre você e os melhores professores na sua área de atuação
Conheça nossos cursos de especialização ou MBA:
MBA Gestão em Saúde e Controle de Infecção
MBA Gestão em Centro de Material e Esterilização
MBA EQS – Gestão da Segurança do Paciente e governança clínica
Especialização em Farmácia Clínica e Hospitalar
Pós-graduação em Farmácia Oncológica