fbpx
Instituto CCIH+ : Parceria permanente entre você e os melhores professores na sua área de atuação
CCIH-LOGO-NOVA

Resistência aos Carbapenêmicos: O Desafio Crítico da Infectologia Moderna

Resistência aos carbapenêmicos: a última linha de defesa contra superbactérias está em risco. Esses antibióticos, antes vistos como “salvadores” em infecções graves, hoje enfrentam um inimigo à altura: as carbapenemases, enzimas capazes de neutralizar sua ação. O avanço das CPE (Enterobactérias Produtoras de Carbapenemases) coloca em xeque não apenas a eficácia terapêutica, mas também a segurança do paciente e a sustentabilidade da medicina moderna. Este artigo apresenta uma análise crítica, da farmacologia às estratégias de vigilância e stewardship, oferecendo aos profissionais de saúde instrumentos para proteger a longevidade dessa classe vital.

FAQ: Resistência aos Carbapenêmicos para Profissionais de Saúde

Este FAQ foi elaborado para auxiliar gestores hospitalares, membros da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), médicos, farmacêuticos e enfermeiros a compreender e enfrentar o desafio da resistência aos carbapenêmicos, um dos problemas mais críticos da infectologia moderna. As respostas foram baseadas no artigo “Resistência aos carbapenêmicos: o desafio crítico da infectologia moderna“, com referências adicionais do site ccih.med.br, do canal CCIH Cursos no YouTube e de outras fontes científicas relevantes.

I. Conceitos Fundamentais sobre Carbapenêmicos e Resistência

1. O que são antibióticos carbapenêmicos e por que são tão importantes?

Os carbapenêmicos são uma classe de antibióticos β-lactâmicos de amplo espectro, frequentemente utilizados como última linha de tratamento para infecções graves causadas por bactérias multirresistentes, especialmente as Gram-negativas. Sua importância reside na sua potente atividade contra uma vasta gama de patógenos e na sua estabilidade frente a muitas β-lactamases, enzimas que inativam outros antibióticos.

2. O que é resistência aos carbapenêmicos e como ela surge?

A resistência aos carbapenêmicos é a capacidade de uma bactéria sobreviver e se multiplicar na presença desses antibióticos. Ela surge principalmente através de três mecanismos: produção de enzimas que degradam os carbapenêmicos (carbapenemases), alterações no sítio de ligação do antibiótico na bactéria (proteínas ligadoras de penicilina – PLPs) e alterações na permeabilidade da membrana bacteriana (perda de porinas) combinada com a produção de outras enzimas (como AmpC e ESBL).

3. Quais são as principais bactérias resistentes aos carbapenêmicos (CR)?

As mais comuns e clinicamente importantes são as enterobactérias resistentes a carbapenêmicos (CRE), como Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli e Enterobacter spp. Outros patógenos relevantes incluem bacilos Gram-negativos não fermentadores como Acinetobacter baumannii (CRAB) e Pseudomonas aeruginosa (CRPA).

4. O que são carbapenemases e qual a sua importância?

Carbapenemases são enzimas produzidas por bactérias que hidrolisam (quebram) a maioria dos antibióticos β-lactâmicos, incluindo os carbapenêmicos. A produção de carbapenemases é o mecanismo de resistência mais preocupante, pois os genes que as codificam estão frequentemente localizados em plasmídeos, elementos genéticos móveis que podem ser transferidos entre diferentes espécies de bactérias, facilitando a disseminação da resistência.

5. Quais são os principais tipos de carbapenemases?

As carbapenemases são classificadas nas classes A, B e D de Ambler. As mais importantes clinicamente são:

II. Implicações Clínicas e Epidemiologia

6. Qual o impacto clínico das infecções por bactérias resistentes aos carbapenêmicos?

As infecções por bactérias resistentes aos carbapenêmicos estão associadas a taxas de mortalidade significativamente mais altas (podendo ultrapassar 50%), maior tempo de internação hospitalar, aumento dos custos de tratamento e opções terapêuticas muito limitadas e, por vezes, mais tóxicas.

7. Quais pacientes têm maior risco de adquirir uma infecção por CRE?

Os principais fatores de risco incluem: hospitalização prolongada, uso prévio de antibióticos (especialmente carbapenêmicos e fluoroquinolonas), internação em unidades de terapia intensiva (UTI), presença de dispositivos médicos invasivos (cateteres, ventilação mecânica) e colonização prévia pela bactéria.

8. Como ocorre a transmissão de bactérias multirresistentes no ambiente hospitalar?

A transmissão ocorre principalmente por contato, através das mãos dos profissionais de saúde, de paciente para paciente, ou por meio de superfícies e equipamentos contaminados no ambiente hospitalar. A falha na adesão às práticas de higiene das mãos é um dos principais fatores.

9. Qual a situação epidemiológica da resistência aos carbapenêmicos no Brasil?

O Brasil é considerado uma área endêmica para bactérias produtoras de carbapenemases, especialmente KPC. A disseminação desses microrganismos é um problema de saúde pública em todo o território nacional, com surtos frequentes em hospitais.

10. Colonização é o mesmo que infecção?

Não. Colonização significa que a bactéria está presente no corpo do paciente (geralmente no intestino), mas não está causando doença ativa. Infecção ocorre quando a bactéria invade tecidos e causa sinais e sintomas de doença. Pacientes colonizados, no entanto, são um reservatório importante para a transmissão e têm um risco maior de desenvolver infecção.

III. Diagnóstico Laboratorial

11. Como o laboratório de microbiologia detecta a resistência aos carbapenêmicos?

A detecção inicial é feita pelo Teste de Sensibilidade aos Antimicrobianos (TSA). Se for identificada resistência ou sensibilidade diminuída a um ou mais carbapenêmicos, testes fenotípicos (como o Teste de Hodge Modificado, Teste de Inativação de Carbapenêmicos – CIM) e testes moleculares (como a Reação em Cadeia da Polimerase – PCR) podem ser realizados para confirmar a produção de carbapenemases e identificar o tipo de enzima.

12. Por que é importante identificar o tipo de carbapenemase (KPC, NDM, etc.)?

A identificação do tipo de carbapenemase tem implicações epidemiológicas e terapêuticas. Por exemplo, algumas novas combinações de β-lactâmicos com inibidores de β-lactamase (como ceftazidima-avibactam) são ativas contra produtoras de KPC e OXA-48, mas não contra as metalo-β-lactamases (NDM, VIM, IMP).

13. O que é o “swab de vigilância” e quando deve ser utilizado?

O swab de vigilância (geralmente retal) é uma cultura utilizada para identificar pacientes colonizados por bactérias multirresistentes, como CRE. É uma ferramenta importante para o controle de surtos e para a triagem de pacientes de alto risco (transferidos de outras instituições, com histórico de colonização, etc.), permitindo a implementação precoce de medidas de precaução.

14. Qual a importância da comunicação rápida entre o laboratório e a CCIH?

A comunicação ágil e eficaz é fundamental. A identificação de uma bactéria resistente a carbapenêmicos é um resultado crítico que deve ser comunicado imediatamente à CCIH e à equipe médica para que as medidas de precaução de contato sejam instituídas, o tratamento do paciente seja otimizado e a investigação de possíveis surtos seja iniciada.

15. O que significa “sensível dose-dependente” (SDD) ou “exposição aumentada” (I) nos laudos de antibiograma?

Estas categorias, que substituíram o antigo “intermediário”, indicam que a bactéria pode ser tratada com sucesso se forem utilizadas doses mais altas do antibiótico, esquemas de infusão otimizados (como infusão estendida ou contínua) ou se o fármaco se concentrar no sítio da infecção (como no trato urinário).

IV. Tratamento das Infecções

16. Quais são as opções de tratamento para infecções por enterobactérias resistentes a carbapenêmicos (CRE)?

As opções são limitadas e dependem do tipo de carbapenemase e do sítio da infecção. Incluem:

  • Novos β-lactâmicos/inibidores de β-lactamase: Ceftazidima-avibactam, Meropenem-vaborbactam, Imipenem-relebactam (ativos contra KPC, não MBL).
  • Polimixinas: Polimixina B e Colistina (alta toxicidade).
  • Tigeciclina: Uso limitado pela baixa concentração sérica.
  • Aminoglicosídeos: Amicacina, Plazomicina (dependente da sensibilidade).
  • Fosfomicina: Principalmente para infecções urinárias.
  • Cefiderocol: Um novo antibiótico sideróforo.
  • Terapias combinadas: Frequentemente necessárias para infecções graves.
  • Referência: CCIH.med.br – Resistência aos carbapenêmicos: o desafio crítico da infectologia moderna
  1. O que é terapia combinada e quando é indicada?

É o uso de dois ou mais antibióticos para tratar uma infecção. Para infecções graves por CRE, como bacteremias, a terapia combinada (ex: um novo inibidor de β-lactamase associado a outro agente como polimixina ou aminoglicosídeo) é frequentemente recomendada para aumentar a chance de sucesso e potencialmente reduzir o surgimento de resistência.

18. O que é infusão estendida de β-lactâmicos e por que é importante?

A infusão estendida (geralmente por 3 a 4 horas) ou contínua (24 horas) é uma estratégia para otimizar a eficácia de antibióticos tempo-dependentes, como os β-lactâmicos (incluindo carbapenêmicos). Ao manter a concentração do antibiótico acima da Concentração Inibitória Mínima (CIM) por mais tempo, melhora-se o desfecho clínico, especialmente contra bactérias com sensibilidade diminuída.

19. Qual o papel do médico infectologista no manejo desses casos?

O infectologista é crucial na escolha do esquema terapêutico mais adequado, considerando o tipo de bactéria, o sítio da infecção, o perfil de sensibilidade, as comorbidades do paciente e a epidemiologia local. Ele auxilia na interpretação de testes, no ajuste de doses e na decisão sobre terapia combinada.

20. Devemos tratar a colonização por bactérias resistentes a carbapenêmicos?

Não. O tratamento da colonização não é recomendado, pois não demonstrou benefício em erradicar a bactéria, não previne infecções futuras e contribui para a pressão seletiva e o aumento da resistência. A exceção pode ser em cenários muito específicos, como em pacientes que serão submetidos a transplantes.

V. Prevenção e Controle (Papel da CCIH e da Equipe)

21. Quais são as medidas fundamentais para prevenir a disseminação de bactérias resistentes?

As medidas centrais, conhecidas como “bundles”, incluem:

22. Qual o papel da CCIH na gestão da resistência aos carbapenêmicos?

A CCIH tem um papel central e estratégico, que inclui:

  • Vigilância epidemiológica dos casos de infecção e colonização.
  • Definição e implementação de políticas de prevenção e controle.
  • Educação e treinamento contínuo das equipes de saúde.
  • Gerenciamento de surtos.
  • Auditoria e feedback sobre a adesão às práticas (ex: higiene das mãos).
  • Colaboração com o programa de gerenciamento de antimicrobianos (Stewardship).
  • Referência: https://www.youtube.com/c/CCIHCursosMBA

23. O que são as precauções de contato e o que elas envolvem?

São medidas para prevenir a transmissão de microrganismos por contato direto (pele com pele) ou indireto (contato com objetos ou superfícies contaminadas). Envolvem a alocação do paciente em quarto privativo (ou coorte), o uso de luvas e avental ao entrar no quarto e a higienização das mãos antes e depois do contato.

24. Como a limpeza ambiental impacta na prevenção da disseminação de CRE?

Bactérias como Acinetobacter e K. pneumoniae podem sobreviver por longos períodos em superfícies secas. Uma limpeza e desinfecção rigorosa e frequente de superfícies de alto toque (grades da cama, monitores, maçanetas) é crucial para eliminar reservatórios ambientais e interromper a cadeia de transmissão.

25. Quando um surto de bactérias resistentes deve ser suspeitado e o que fazer?

Um surto deve ser suspeitado quando há um aumento no número de casos de infecção ou colonização por um mesmo microrganismo em uma unidade ou período, acima do esperado (linha de base). Ao suspeitar, a CCIH deve ser notificada imediatamente para iniciar a investigação, intensificar as medidas de controle e avaliar a necessidade de culturas de vigilância e ambientais.

VI. Papel do Gestor Hospitalar

26. Qual o papel do gestor hospitalar no combate à resistência microbiana?

O gestor é fundamental para prover os recursos necessários: infraestrutura adequada (pias, dispensadores de álcool), insumos (luvas, aventais, saneantes), pessoal em número suficiente e capacitado (equipe de limpeza, CCIH), e tecnologia (sistemas de informação para vigilância). O apoio da alta gestão é essencial para criar uma cultura de segurança do paciente.

27. Como o investimento em uma CCIH atuante pode gerar retorno financeiro para o hospital?

Uma CCIH eficaz reduz as taxas de infecção, o que leva à diminuição do tempo de internação, menor consumo de antibióticos de alto custo, redução de custos com exames e procedimentos adicionais e, consequentemente, a uma maior eficiência operacional e financeira para a instituição.

28. Por que é importante para a gestão hospitalar apoiar um programa de Antimicrobial Stewardship?

O apoio ao programa de Stewardship é crucial, pois promove o uso racional de antibióticos, o que não só melhora os desfechos clínicos e reduz eventos adversos, mas também contém o avanço da resistência microbiana. Isso preserva a eficácia dos antibióticos disponíveis e reduz custos diretos com medicamentos.

29. Como os indicadores de resistência microbiana devem ser utilizados pela gestão?

Esses indicadores (ex: densidade de incidência de infecção por CRE) devem ser vistos como métricas de qualidade e segurança. Devem ser monitorados continuamente, comparados com benchmarks e utilizados para avaliar a eficácia das intervenções, guiar o planejamento estratégico e a alocação de recursos.

30. Qual a responsabilidade legal e ética do hospital frente a um surto de bactérias multirresistentes?

O hospital tem a responsabilidade legal e ética de prover um ambiente seguro para os pacientes. Isso inclui a implementação de programas de prevenção e controle de infecção, a notificação compulsória de surtos às autoridades sanitárias e a comunicação transparente com pacientes e familiares sobre os riscos e as medidas adotadas.

VII. Papel do Médico

31. Como minha prescrição de antibióticos impacta a resistência aos carbapenêmicos?

O uso excessivo ou inadequado de antibióticos de amplo espectro, incluindo os carbapenêmicos, exerce uma forte pressão seletiva, favorecendo a sobrevivência e a proliferação de bactérias resistentes. A prescrição criteriosa é a principal ferramenta para combater a resistência.

  1. O que é “descalonamento” de antibióticos?

Descalonamento é a prática de substituir um antibiótico de amplo espectro por um de espectro mais estreito assim que os resultados das culturas e do antibiograma estiverem disponíveis. Isso reduz a pressão seletiva, os custos e os efeitos colaterais.

33. Devo prescrever um carbapenêmico empiricamente?

A decisão de usar um carbapenêmico no tratamento empírico deve ser reservada para pacientes gravemente enfermos com alto risco de infecção por bactérias produtoras de ESBL ou outras bactérias multirresistentes, com base na epidemiologia local e nos fatores de risco do paciente. A política deve ser guiada pelo programa de Stewardship do hospital.

34. Como devo interpretar um antibiograma com resistência a carbapenêmicos?

Primeiro, confirme se o microrganismo isolado é o causador da infecção ou apenas uma colonização. Se for uma infecção, o antibiograma guiará a escolha da terapia. A consulta com um infectologista é fortemente recomendada para discutir as poucas opções terapêuticas disponíveis.

35. Qual a minha responsabilidade na prevenção da transmissão de CRE?

A responsabilidade do médico inclui a adesão rigorosa à higiene das mãos, a correta indicação e uso de precauções de isolamento para seus pacientes, a prescrição consciente de antimicrobianos e a comunicação clara com a equipe de enfermagem e a CCIH.

VIII. Papel do Farmacêutico

36. Como o farmacêutico clínico pode contribuir no combate à resistência aos carbapenêmicos?

O farmacêutico clínico é um membro essencial da equipe de Stewardship. Ele pode:

37. Qual a importância do gerenciamento do estoque de antimicrobianos?

Um bom gerenciamento garante a disponibilidade de antibióticos essenciais, incluindo os mais novos para tratar infecções por bactérias resistentes, e evita a falta de agentes de espectro mais estreito, o que poderia forçar o uso de opções de amplo espectro, aumentando a pressão seletiva.

38. Como o farmacêutico pode auxiliar na otimização da terapia com Polimixinas?

As polimixinas têm uma janela terapêutica estreita e alto potencial de nefrotoxicidade. O farmacêutico pode auxiliar no cálculo correto da dose de ataque e de manutenção, no ajuste pela função renal e no monitoramento de níveis séricos (se disponível) para garantir a eficácia e minimizar a toxicidade.

39. Qual o papel do farmacêutico na educação da equipe sobre novos antibióticos?

O farmacêutico é uma fonte de informação técnica e atualizada. Ele pode educar médicos e enfermeiros sobre o espectro de ação, posologia, modo de preparo e administração e potenciais efeitos adversos dos novos antimicrobianos lançados para tratar infecções por bactérias resistentes.

40. Como a análise de consumo de antimicrobianos (ex: DDD) pode ajudar?

A análise do consumo de antimicrobianos, utilizando métricas como a Dose Diária Definida (DDD), permite ao hospital monitorar suas tendências de prescrição, identificar o uso excessivo de certas classes (como os carbapenêmicos), avaliar o impacto das intervenções de Stewardship e comparar seu desempenho com o de outras instituições.

IX. Papel do Enfermeiro

41. Qual o papel da equipe de enfermagem na linha de frente da prevenção de CRE?

A enfermagem está na linha de frente e é absolutamente crucial. Seu papel inclui:

  • Garantir a adesão à higiene das mãos por toda a equipe.
  • Aplicar corretamente as precauções de contato.
  • Realizar a coleta adequada de culturas e swabs de vigilância.
  • Garantir a limpeza e desinfecção de equipamentos compartilhados entre pacientes.
  • Educar pacientes e familiares sobre as medidas de precaução.
  • Referência: CCIH.med.br – O papel da enfermagem no controle das infecções hospitalares

42. Como garantir a correta aplicação das precauções de contato?

É essencial que haja sinalização clara na porta do quarto, disponibilidade imediata de EPIs (luvas e aventais) e educação contínua. A liderança de enfermagem deve realizar auditorias e dar feedback à equipe para reforçar a importância e a técnica correta de paramentação e desparamentação.

43. Como o enfermeiro deve orientar o paciente e a família sobre o isolamento?

A comunicação deve ser clara, empática e sem gerar alarme. Explique que o isolamento é uma medida de segurança para proteger o paciente e outras pessoas, que a qualidade do cuidado não será afetada e que os visitantes também precisarão seguir as orientações de usar avental e luvas e higienizar as mãos.

44. Qual a importância da administração correta dos antimicrobianos pela enfermagem?

A administração no horário correto e na velocidade de infusão prescrita (especialmente para infusões estendidas) é vital para a eficácia do tratamento. Erros na administração podem levar a concentrações subterapêuticas do fármaco, resultando em falha terapêutica e seleção de resistência.

45. Como o enfermeiro pode identificar precocemente sinais de infecção em um paciente colonizado?

O enfermeiro deve monitorar de perto os pacientes colonizados por CRE, observando atentamente a qualquer alteração de sinais vitais (febre, taquicardia, hipotensão), piora do estado geral, alterações no local de um dispositivo invasivo ou surgimento de novos sintomas, comunicando imediatamente a equipe médica.

X. Perspectivas Futuras

46. Existem novos antibióticos em desenvolvimento para tratar infecções por bactérias resistentes a carbapenêmicos?

Sim, existem vários novos antibióticos em diferentes fases de desenvolvimento, incluindo novos inibidores de β-lactamases, cefalosporinas sideróforas e outras classes inovadoras. No entanto, o pipeline de desenvolvimento ainda é considerado insuficiente para a magnitude do problema.

47. O que é a abordagem “One Health” (Saúde Única) para a resistência antimicrobiana?

É uma abordagem colaborativa e multissetorial que reconhece que a saúde humana, a saúde animal e a saúde do meio ambiente estão interligadas. O combate à resistência antimicrobiana requer ações coordenadas em todas essas áreas, incluindo o uso de antibióticos na agropecuária e o impacto do descarte de resíduos no ambiente.

48. Como a tecnologia pode ajudar no combate à resistência?

A tecnologia pode ajudar através de sistemas de vigilância eletrônica para detectar surtos mais rapidamente, softwares de apoio à decisão para guiar a prescrição de antibióticos, métodos de diagnóstico molecular rápido para identificar patógenos e genes de resistência em horas, e sistemas de monitoramento da adesão à higiene das mãos.

49. O que são terapias não-antibióticas para tratar infecções bacterianas?

São abordagens alternativas que estão sendo pesquisadas, como a terapia com fagos (vírus que infectam bactérias), anticorpos monoclonais, probióticos e moléculas que interferem na virulência bacteriana sem matar a bactéria, o que poderia diminuir a pressão seletiva para resistência.

50. Qual a mensagem mais importante que todo profissional de saúde deve ter em mente sobre a resistência aos carbapenêmicos?

A resistência aos carbapenêmicos é uma emergência de saúde pública que ameaça a medicina moderna. Seu controle não é responsabilidade de um único setor, mas sim de todos os profissionais de saúde. Ações coordenadas, desde a gestão hospitalar até a prática clínica na beira do leito, são essenciais para preservar a eficácia desses antibióticos críticos para as futuras gerações.

 

Introdução: O Paradoxo do Poder e da Fragilidade dos Carbapenêmicos

Os carbapenêmicos representam uma das mais potentes e confiáveis classes de antibióticos no arsenal terapêutico moderno, frequentemente reservados para o tratamento de infecções graves e complicadas causadas por bactérias multirresistentes (MDR). Sua estabilidade inerente contra a maioria das beta-lactamases de espectro estendido (ESBLs) e beta-lactamases cromossômicas induzíveis (AmpC) consolidou seu status como agentes de último recurso por décadas. Contudo, este pilar da antibioticoterapia enfrenta hoje uma ameaça existencial. O surgimento e a disseminação global de mecanismos de resistência, notadamente a produção de carbapenemases, colocam em xeque a sua eficácia, criando um paradoxo entre seu poder intrínseco e sua crescente fragilidade. Este artigo propõe uma análise aprofundada e crítica sobre os carbapenêmicos, explorando desde sua arquitetura farmacológica até as complexas estratégias de resistência bacteriana. O objetivo central é fornecer aos profissionais de controle de infecção hospitalar (CCIH) e da linha de frente clínica as ferramentas conceituais para otimizar o uso, mitigar riscos e, fundamentalmente, preservar a longevidade desta classe antimicrobiana indispensável. A crise das Enterobactérias Produtoras de Carbapenemases (CPE) não é apenas um desafio farmacológico, mas um chamado à ação para uma abordagem multifacetada que integra um profundo entendimento da farmacodinâmica, um rigoroso programa de stewardship de antimicrobianos e uma vigilância ativa e intransigente no controle de infecção.

I. A Arquitetura da Potência: Mecanismo de Ação e Farmacodinâmica Aplicada

A notável eficácia dos carbapenêmicos reside em sua estrutura química única e em seu mecanismo de ação. Derivados da tienamicina, um composto natural produzido por Streptomyces cattleya, eles se distinguem dos outros beta-lactâmicos pela substituição do átomo de enxofre por um de carbono na posição 1 do anel tiazolidínico e por uma dupla ligação entre os carbonos 2 e 3. Adicionalmente, a cadeia lateral trans-1-hidroxietil na posição C6 confere uma excepcional estabilidade contra a hidrólise por muitas beta-lactamases, um fator chave para seu amplo espectro de atividade.

O mecanismo de ação primário é a inibição da síntese da parede celular bacteriana. Após atravessarem a membrana externa das bactérias Gram-negativas através de porinas específicas, como a OprD em Pseudomonas aeruginosa, os carbapenêmicos se ligam covalentemente a múltiplas Proteínas Ligadoras de Penicilina (PBPs) de alto peso molecular no espaço periplasmático. Diferentemente de cefalosporinas, que visam primariamente a PBP3, os carbapenêmicos exibem alta afinidade por um conjunto mais amplo de alvos, incluindo PBP1a, PBP1b, PBP2 e PBP4. Essa capacidade de se ligar a múltiplos alvos essenciais simultaneamente não só contribui para seu potente efeito bactericida, mas também torna mais difícil o desenvolvimento de resistência por meio de mutações em um único alvo de PBP.

Do ponto de vista farmacodinâmico, o parâmetro que melhor prediz a eficácia clínica dos carbapenêmicos é o tempo em que a concentração do fármaco livre (não ligado a proteínas) permanece acima da Concentração Inibitória Mínima (CIM) do patógeno, expresso como fT>MIC. Para alcançar um efeito bactericida robusto, estudos demonstram que é necessário manter uma concentração sérica acima da CIM por pelo menos 40% do intervalo entre as doses. Este princípio não é meramente acadêmico; ele tem implicações clínicas diretas, especialmente no tratamento de pacientes críticos. Em cenários de sepse ou em pacientes com função renal aumentada, as doses intermitentes padrão podem não atingir o alvo de fT>MIC, resultando em falha terapêutica. Isso fundamenta a crescente adoção de estratégias de dose otimizada, como a infusão estendida (por 3 a 4 horas) ou contínua, que maximizam o tempo de exposição ao fármaco e podem melhorar os desfechos clínicos contra patógenos com CIMs elevadas (Ref. 1).

II. O Arsenal Terapêutico: Uma Análise Comparativa dos Agentes Disponíveis

Quatro carbapenêmicos principais estão em uso clínico, cada um com um perfil farmacológico distinto que define seu nicho terapêutico estratégico. A escolha entre eles deve ser guiada não apenas pelo espectro de atividade, mas também por considerações de stewardship, farmacocinética e segurança do paciente.

Imipenem/Cilastatina

O imipenem foi o primeiro carbapenêmico a ser introduzido na prática clínica. É coformulado com a cilastatina, um inibidor da enzima deidropeptidase-I (DHP-I) localizada na borda em escova dos túbulos renais, que de outra forma inativaria o imipenem. Possui um espectro de atividade extremamente amplo, com excelente potência contra bactérias Gram-positivas (incluindo Enterococcus faecalis, uma característica que o distingue de outros agentes da classe), Gram-negativas e anaeróbios. No entanto, seu uso é associado a um maior risco de neurotoxicidade, particularmente convulsões, em comparação com outros carbapenêmicos. Esse risco é exacerbado em pacientes com insuficiência renal, lesões pré-existentes do sistema nervoso central ou em doses elevadas, exigindo monitoramento cuidadoso e ajuste de dose rigoroso.

Meropenem

O meropenem é estável à DHP-I e, portanto, não requer coadministração com um inibidor enzimático. Seu perfil de segurança é mais favorável que o do imipenem, com um risco significativamente menor de causar convulsões, o que o torna o único carbapenêmico aprovado pela FDA para o tratamento de meningite bacteriana. Seu espectro é muito semelhante ao do imipenem, embora seja ligeiramente mais ativo contra bacilos Gram-negativos e um pouco menos ativo contra Gram-positivos como E. faecalis. Devido à sua eficácia, segurança e versatilidade, o meropenem tornou-se o “cavalo de batalha” da classe, frequentemente utilizado em infecções graves e em pacientes críticos.

Doripenem

O doripenem destaca-se por sua elevada potência in vitro contra Pseudomonas aeruginosa, superando tanto o imipenem quanto o meropenem contra este patógeno. Tal como o meropenem, é estável à DHP-I e possui um perfil de segurança favorável. No entanto, seu uso clínico foi impactado por um estudo que demonstrou um aumento da mortalidade e menores taxas de cura em pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) tratados com doripenem em comparação com imipenem, uma indicação para a qual o fármaco não é aprovado. Esta advertência de segurança limita seu uso, apesar de sua excelente atividade antipseudomonal.

Ertapenem

O ertapenem possui um perfil único que o posiciona como um “carbapenêmico de stewardship“. Sua principal característica farmacocinética é uma meia-vida longa, de aproximadamente 4 horas, devido à sua alta ligação a proteínas plasmáticas (>90%), o que permite uma administração conveniente em dose única diária. Seu espectro de atividade é mais estreito: enquanto mantém excelente cobertura para Enterobacterales (incluindo produtoras de ESBL) e anaeróbios, ele é notavelmente inativo contra patógenos não fermentadores importantes, como P. aeruginosa e Acinetobacter baumannii. Longe de ser uma desvantagem, essa característica é uma vantagem estratégica. O uso de ertapenem para infecções confirmadas por ESBL, onde não há suspeita de não fermentadores, “poupa” os carbapenêmicos de espectro mais amplo (como o meropenem) de uma pressão seletiva desnecessária, ajudando a preservar sua utilidade para infecções hospitalares mais complexas.

A tabela a seguir resume e compara as propriedades chave desses agentes, servindo como uma ferramenta de consulta rápida para a tomada de decisão clínica.

Tabela 1: Análise Comparativa das Propriedades Farmacológicas e Clínicas dos Principais Carbapenêmicos

Característica Imipenem/Cilastatina Meropenem Doripenem Ertapenem
Espectro Chave Amplo (Gram+, Gram-, Anaeróbios); Ativo vs E. faecalis Amplo (Gram+, Gram-, Anaeróbios); Mais potente vs Gram- Amplo; Mais potente vs P. aeruginosa Moderado (Enterobacterales, Anaeróbios); Inativo vs P. aeruginosa, Acinetobacter spp.
Parâmetros PK/PD Meia-vida: ~1h; Ligação proteica: ~20% Meia-vida: ~1h; Ligação proteica: ~2% Meia-vida: ~1h; Ligação proteica: ~8% Meia-vida: ~4h; Ligação proteica: >90%
Dose Usual (Adulto) 0.5 g a cada 6h ou 1 g a cada 8h 1 g a cada 8h (até 2 g a cada 8h em meningite) 0.5 g a cada 8h 1 g a cada 24h
Ajuste Renal Sim, mandatório Sim, mandatório Sim, mandatório Sim, mandatório
Vantagens Clínicas Potência contra E. faecalis Baixo risco de convulsão; Aprovado para meningite Alta potência contra P. aeruginosa Dose única diária; Ferramenta de stewardship
Desvantagens/Riscos Maior risco de neurotoxicidade (convulsões) Menor potência contra E. faecalis Aumento de mortalidade em PAV (uso off-label) Ausência de cobertura para não fermentadores

III. A Muralha Desmorona: Mecanismos de Resistência e o Desafio das CPE

A eficácia dos carbapenêmicos está sendo erodida por uma gama crescente de mecanismos de resistência. Embora a resistência possa surgir de uma combinação de fatores, a produção de enzimas que hidrolisam carbapenêmicos — as carbapenemases — representa a ameaça mais significativa e de mais rápida disseminação.

1. Produção de Carbapenemases (Resistência Enzimática)

As carbapenemases são beta-lactamases capazes de hidrolisar eficientemente os carbapenêmicos e a maioria dos outros beta-lactâmicos. Elas são classificadas funcionalmente e com base em sua estrutura molecular (classificação de Ambler).

  • Classe A (Serina-β-lactamases): O membro mais notório deste grupo é a Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC). Originalmente descrita nos Estados Unidos, a KPC se disseminou globalmente e é endêmica em muitas regiões, incluindo o Brasil (Ref. 2). Os genes que codificam a KPC estão frequentemente localizados em plasmídeos, facilitando sua transferência horizontal entre diferentes espécies de Enterobacterales. A KPC hidrolisa eficientemente todos os carbapenêmicos, penicilinas e cefalosporinas.
  • Classe B (Metalo-β-lactamases – MBLs): Estas enzimas dependem de íons de zinco para sua atividade catalítica. Os principais exemplos incluem a New Delhi Metallo-beta-lactamase (NDM), Verona integron-encoded metallo-beta-lactamase (VIM) e a imipenemase (IMP). As MBLs possuem um espectro de hidrólise extremamente amplo, inativando todos os beta-lactâmicos, exceto o monobactâmico aztreonam. Uma característica clinicamente crítica é que elas não são inibidas pelos inibidores de serina-beta-lactamases disponíveis atualmente (como avibactam, vaborbactam ou relebactam), o que representa um enorme desafio terapêutico (Ref. 3).
  • Classe D (Oxacilinases – OXA): Este grupo heterogêneo inclui enzimas com atividade carbapenêmica, como a OXA-48 e suas variantes. A OXA-48, prevalente em partes da Europa e do Mediterrâneo, hidrolisa carbapenêmicos de forma mais lenta que a KPC ou MBLs, mas ainda assim confere resistência clinicamente significativa, muitas vezes em combinação com outros mecanismos como a impermeabilidade da membrana. Outras enzimas OXA (como OXA-23, -24/40, -51, -58) são a principal causa de resistência aos carbapenêmicos em Acinetobacter baumannii.

2. Mecanismos Não Enzimáticos

A resistência também pode ocorrer ou ser amplificada por mecanismos que não envolvem a destruição do antibiótico.

  • Perda de Porinas: A entrada dos carbapenêmicos nas bactérias Gram-negativas depende de canais proteicos na membrana externa. A perda ou a expressão diminuída desses canais reduz a concentração do fármaco no periplasma. Em P. aeruginosa, a perda da porina OprD é um mecanismo clássico de resistência, afetando principalmente o imipenem, que a utiliza como principal via de entrada. Em K. pneumoniae, a perda combinada das porinas OmpK35 e OmpK36 pode levar à resistência, especialmente quando associada à produção de uma beta-lactamase como AmpC ou ESBL.
  • Bombas de Efluxo: Estes sistemas proteicos atuam como bombas que removem ativamente os antibióticos de dentro da célula bacteriana. Em P. aeruginosa, a superexpressão do sistema de efluxo MexA-MexB-OprM contribui para a resistência ao meropenem e doripenem (mas não ao imipenem, que não é um substrato deste sistema).

É crucial entender que esses mecanismos frequentemente coexistem. Uma cepa bacteriana pode, por exemplo, produzir uma carbapenemase de baixa atividade (como OXA-48), ter porinas mutadas e superexpressar bombas de efluxo. Essa sinergia resulta em altos níveis de resistência e resistência cruzada a múltiplas classes de antibióticos, tornando o tratamento extremamente difícil. Essa complexidade ressalta a importância de não confiar apenas em testes moleculares que detectam um único gene de resistência; a avaliação fenotípica da suscetibilidade continua sendo fundamental para guiar a terapia.

3. O Desafio Diagnóstico

A detecção precisa e rápida de CPE é um pilar do controle de infecção. A dificuldade em identificar cepas com mecanismos de resistência de baixo nível levou o Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) a revisar e diminuir os pontos de corte de sensibilidade para carbapenêmicos em Enterobacterales. Laboratórios clínicos devem utilizar métodos fenotípicos confirmatórios, como o modified Carbapenem Inactivation Method (mCIM) e o EDTA-CIM (eCIM), para detectar e diferenciar as classes de carbapenemases (serina vs. metalo). A implementação de testes moleculares rápidos (PCR) diretamente de amostras clínicas ou de culturas positivas pode reduzir drasticamente o tempo para o diagnóstico, permitindo o início precoce de precauções de contato e a otimização da antibioticoterapia.

IV. A Bússola Clínica: Racionalizando o Uso e Mitigando Riscos

Diante da crescente resistência, a gestão clínica dos carbapenêmicos exige uma abordagem estratégica, focada em maximizar a eficácia quando necessários e minimizar seu uso quando alternativas são viáveis.

Princípios de Antimicrobial Stewardship

A filosofia de “poupar os carbapenêmicos” (carbapenem-sparing) é central. Isso implica em:

  1. Indicações Restritas: Reservar o uso empírico de carbapenêmicos para pacientes com quadros graves (ex: choque séptico) e com fatores de risco claros para infecções por patógenos produtores de ESBL ou AmpC desreprimida.
  2. Descalonamento Obrigatório: A reavaliação diária da antibioticoterapia é mandatória. Assim que os resultados de cultura e testes de sensibilidade estiverem disponíveis, a terapia deve ser descalonada para um agente de espectro mais estreito, se possível. Por exemplo, uma infecção por E. coli produtora de ESBL sensível a amicacina ou piperacilina-tazobactam (se a CIM for baixa) pode permitir a suspensão do carbapenêmico.
  3. Uso de Alternativas: Em infecções por ESBL não graves, como cistites, outras opções (ex: fosfomicina, nitrofurantoína) devem ser consideradas. Para infecções mais sérias, as novas combinações beta-lactâmico/inibidor de beta-lactamase podem ser alternativas eficazes (Ref. 4).

Otimização Posológica no Paciente Crítico

Como mencionado, atingir o alvo farmacodinâmico de fTMIC> 40 é crucial. Em pacientes de UTI, a utilização de infusões estendidas (3-4 horas) ou contínuas de meropenem é uma estratégia baseada em evidências para otimizar a exposição ao fármaco, especialmente contra organismos com CIMs no limite da sensibilidade. Esta prática deve ser implementada como padrão em unidades de terapia intensiva para maximizar a probabilidade de sucesso terapêutico (Ref. 1).

Manejo de Efeitos Adversos

Apesar de geralmente bem tolerados, os carbapenêmicos não são isentos de riscos. A neurotoxicidade, principalmente com imipenem, é a preocupação mais séria. Outros efeitos comuns incluem diarreia, náuseas e reações no local da infusão. A colite associada a Clostridioides difficile é um risco com qualquer antibiótico de amplo espectro. A interação medicamentosa mais notável é a redução drástica dos níveis séricos de ácido valproico, podendo levar à perda do controle de convulsões em pacientes epilépticos, uma combinação que deve ser evitada.

Desmistificando a Alergia à Penicilina

Um dos maiores obstáculos ao uso racional de beta-lactâmicos é o rótulo de “alergia à penicilina”, que afeta cerca de 10% da população, mas dos quais menos de 10% têm uma alergia verdadeiramente mediada por IgE. Historicamente, temia-se uma alta taxa de reatividade cruzada entre penicilinas e carbapenêmicos. No entanto, evidências robustas demonstram que o risco de uma reação alérgica imediata (mediada por IgE) a um carbapenêmico em um paciente com alergia comprovada à penicilina é extremamente baixo, inferior a 1%. A reatividade cruzada está mais relacionada à semelhança das cadeias laterais R1 do que ao anel beta-lactâmico em si. Portanto, em pacientes com histórico de reações não graves e não imediatas à penicilina (ex: rash maculopapular tardio), a administração de um carbapenêmico é considerada segura. Mesmo em pacientes com histórico de anafilaxia à penicilina, o uso de carbapenêmicos pode ser considerado com cautela, idealmente após avaliação por um especialista ou através de um desafio gradual em ambiente controlado. A promoção de programas de “de-labeling” de alergia à penicilina é uma intervenção de stewardship de alto impacto, que evita o uso de antibióticos alternativos frequentemente mais tóxicos, menos eficazes ou que promovem mais resistência.

V. Horizontes Terapêuticos: Novas Combinações e o Papel Estratégico do Aztreonam

A crise da resistência aos carbapenêmicos impulsionou o desenvolvimento de novos antimicrobianos e a redescoberta de estratégias com agentes mais antigos.

Novos Inibidores de β-Lactamase

A principal inovação terapêutica para o tratamento de infecções por CPE produtoras de serina-carbapenemases (como KPC e OXA-48) foi a introdução de novas combinações de beta-lactâmicos com inibidores de beta-lactamase de amplo espectro:

  • Meropenem/Vaborbactam e Imipenem/Relebactam: Restauram a atividade do carbapenêmico contra bactérias produtoras de KPC.
  • Ceftazidima/Avibactam: Embora não seja um carbapenêmico, esta combinação é altamente eficaz contra Enterobacterales produtoras de KPC e OXA-48, representando uma importante alternativa poupadora de carbapenêmicos.

A Renascença do Aztreonam

O aztreonam, um monobactâmico, possui um espectro de atividade limitado a bactérias Gram-negativas aeróbicas. Sua estrutura monocíclica o torna resistente à hidrólise por metalo-beta-lactamases (MBLs). No entanto, as bactérias produtoras de MBL frequentemente co-produzem outras beta-lactamases (como AmpC, ESBLs ou mesmo KPC) que hidrolisam o aztreonam, tornando-o ineficaz quando usado isoladamente. A inovação reside na combinação do aztreonam com um inibidor de beta-lactamase de amplo espectro, como o avibactam. A combinação aztreonam/avibactam protege o aztreonam da hidrólise por serina-beta-lactamases, enquanto o aztreonam permanece intrinsecamente ativo contra as MBLs. Esta estratégia representa uma das mais promissoras soluções terapêuticas para infecções causadas por Enterobacterales produtoras de MBL, preenchendo uma lacuna crítica no arsenal terapêutico atual (Ref. 6).

Novas Classes e Mecanismos de ação

Outros agentes com mecanismos de ação inovadores estão se tornando disponíveis. O Cefiderocol, uma cefalosporina siderófora, utiliza um mecanismo de “cavalo de Troia”, ligando-se ao ferro para ser transportado ativamente para dentro da célula bacteriana, superando os mecanismos de resistência por perda de porinas e efluxo. Ele demonstra atividade contra um amplo espectro de bacilos Gram-negativos resistentes, incluindo produtores de KPC, MBL e OXA (Ref. 7).

VI. Conclusões e Recomendações para a Prática do Controle de Infecção Hospitalar

Os carbapenêmicos permanecem como agentes essenciais no tratamento de infecções bacterianas graves. No entanto, sua sustentabilidade está sob grave ameaça. A preservação de sua eficácia não depende apenas do desenvolvimento de novos fármacos, mas de um compromisso renovado e intransigente com os princípios fundamentais do controle de infecção e do stewardship de antimicrobianos. Para a equipe de CCIH, isso se traduz em ações concretas e liderança institucional:

  1. Vigilância Ativa e Diagnóstico Rápido: Implementar e manter programas de vigilância ativa (por exemplo, com swabs retais) para a detecção de colonização por CPE em populações de alto risco (pacientes de UTI, transferidos de outras instituições). A colaboração estreita com o laboratório de microbiologia é crucial para garantir o uso de métodos diagnósticos rápidos e precisos.
  2. Precauções de Bloqueio Rigorosas: A transmissão de CPE é o motor da epidemia. A implementação imediata e a adesão rigorosa às precauções de contato para pacientes colonizados ou infectados, a higiene das mãos exemplar, a coorte de pacientes e a limpeza ambiental terminal minuciosa são medidas não negociáveis.
  3. Liderança em Stewardship: A CCIH deve ser protagonista na elaboração, implementação e auditoria de políticas institucionais para o uso racional de carbapenêmicos. Isso inclui a criação de protocolos de prescrição, a promoção de estratégias de otimização de dose e a liderança em iniciativas educacionais, como os programas de desmistificação da alergia à penicilina.
  4. Educação Continuada: Promover a educação contínua sobre os mecanismos de resistência, as novas opções terapêuticas e a importância das medidas de prevenção, capacitando todos os profissionais de saúde a se tornarem guardiões dos antimicrobianos.

O desafio imposto pela resistência aos carbapenêmicos é imenso, mas não intransponível. Uma abordagem coordenada, que alia o conhecimento científico profundo da farmacologia com a aplicação disciplinada dos pilares do controle de infecção, é a única estratégia viável para garantir que estas drogas vitais continuem a salvar vidas para as gerações futuras.

VII. Referências Bibliográficas Comentadas

  1. ABDUL-AZIZ, M. H. et al. Beta-Lactam Infusion in Severe Sepsis (BLISS): a prospective, two-centre, open-labelled randomised controlled trial of continuous versus intermittent beta-lactam infusion in critically ill patients with severe sepsis. Intensive Care Medicine, v. 42, n. 10, p. 1535-1545, 2016. DOI: https://doi.org/10.1007/s00134-015-4188-0.
    • Breve resumo: Este ensaio clínico randomizado comparou a infusão contínua versus intermitente de beta-lactâmicos em pacientes com sepse grave. Embora não tenha encontrado diferença na mortalidade em 28 dias, a infusão contínua foi associada a maiores taxas de cura clínica e atingiu com mais consistência os alvos farmacodinâmicos, apoiando seu uso para otimização terapêutica.
  2. ROZALES, F. P. et al. Emergence of NDM-1-producing Klebsiella pneumoniae in Porto Alegre, Brazil. Journal of Antimicrobial Chemotherapy, v. 67, n. 12, p. 2999-3000, 2012. DOI: https://doi.org/10.1093/jac/dks329.
    • Breve resumo: Este relato descreve um dos primeiros casos de Klebsiella pneumoniae produtora de NDM-1 no Brasil, destacando a chegada deste importante mecanismo de resistência ao país e a urgência da vigilância epidemiológica para MBLs.
  3. TZOUVELEKIS, L. S. et al. Carbapenemases in Klebsiella pneumoniae and other Enterobacteriaceae: an evolving crisis of global dimensions. Clinical Microbiology Reviews, v. 25, n. 4, p. 682-707, 2012. DOI:(https://doi.org/10.1128/CMR.05035-11  ).
    • Breve resumo: Uma revisão abrangente e detalhada sobre as principais famílias de carbapenemases em Enterobacterales. O artigo discute a bioquímica, a genética e a epidemiologia das enzimas KPC, MBL e OXA-48, sendo uma referência fundamental para a compreensão da biologia molecular da resistência aos carbapenêmicos.
  4. PEREIRA, C. A. P.; PETROSILLO, N. O uso de antimicrobianos em tempos de resistência: o que o infectologista precisa saber. INSTITUTO CCIH+, 2023. Disponível em: https://www.ccih.med.br/o-uso-de-antimicrobianos-em-tempos-de-resistencia-o-que-o-infectologista-precisa-saber/.
    • Breve resumo: Artigo publicado no portal CCIH.med.br que discute as estratégias atuais para o manejo de infecções por bactérias multirresistentes, incluindo o papel das novas drogas e a importância do stewardship, contextualizando o desafio da resistência no cenário clínico brasileiro.
  5. BLUMENTHAL, K. G. et al. A practical approach to penicillin allergy. The Journal of Allergy and Clinical Immunology: In Practice, v. 7, n. 2, p. 385-393, 2019. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jaip.2018.11.018.
    • Breve resumo: Este artigo oferece um guia prático e baseado em evidências para a avaliação e manejo de pacientes com histórico de alergia à penicilina. Ele detalha a baixa reatividade cruzada com carbapenêmicos e fornece algoritmos para estratificação de risco e abordagens seguras de prescrição, sendo uma ferramenta essencial para programas de stewardship.
  6. SY, S. K. et al. Aztreonam-Avibactam for the Treatment of Serious Infections due to Metallo-β-Lactamase-Producing Gram-Negative Bacteria. Clinical Infectious Diseases, v. 73, n. 9, p. 1643-1650, 2021. DOI: https://doi.org/10.1093/cid/ciab493.
    • Breve resumo: Uma análise que explora o racional farmacológico e os dados clínicos emergentes da combinação aztreonam-avibactam. O estudo destaca seu potencial como a principal terapia direcionada para infecções por Enterobacterales produtoras de MBL, um dos maiores desafios terapêuticos atuais.
  7. ZHANEL, G. G. et al. Cefiderocol: A Siderophore Cephalosporin with Activity Against Carbapenem-Resistant and Multidrug-Resistant Gram-Negative Bacilli. Drugs, v. 79, n. 3, p. 271-289, 2019. DOI: https://doi.org/10.1007/s40265-019-1055-2.
    • Breve resumo: Revisão completa sobre o cefiderocol, detalhando seu mecanismo de ação único, espectro de atividade in vitro, farmacocinética e dados de ensaios clínicos. O artigo posiciona o cefiderocol como uma nova opção importante para o tratamento de infecções por patógenos Gram-negativos altamente resistentes.

Autor:

Antonio Tadeu Fernandes:

https://www.linkedin.com/in/mba-gest%C3%A3o-ccih-a-tadeu-fernandes-11275529/

https://www.instagram.com/tadeuccih/

#Carbapenemicos #ResistenciaAntimicrobiana #CPE #KPC #NDM #ControleDeInfeccao #CCIH #Stewardship #Medicina #Infectologia #IRAS

Instituto CCIH+ Parceria permanente entre você e os melhores professores na sua área de atuação

Conheça nossos cursos de especialização ou MBA:

MBA Gestão em Saúde e Controle de Infecção

MBA Gestão em Centro de Material e Esterilização

MBA EQS – Gestão da Segurança do Paciente e governança clínica 

Especialização em Farmácia Clínica e Hospitalar 

Compartilhe:

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress
×