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Pneumonia Hospitalar: avanços na vigilância, prevenção e diagnóstico

Pneumonia Hospitalar: A Revolução da Vigilância e o Imperativo da Ciência de Precisão na CCIH

A Pneumonia Adquirida no Hospital (PAH), universalmente reconhecida como a Infecção Associada à Assistência à Saúde (IRAS) mais comum e mais mórbida, permanece como um dos maiores desafios à segurança do paciente e à sustentabilidade dos sistemas de saúde (Ref. 1). Historicamente rotulada como a “Capitã dos Homens da Morte” por Sir William Osler no início do século XX (Ref. 2), a pneumonia mantém seu status sombrio no cenário hospitalar moderno, prolongando internações, elevando custos e contribuindo para altas taxas de mortalidade (Ref. 1).

O que deveria ser uma vigilância de excelência, contudo, ainda se apoia em critérios clínicos imprecisos, responsáveis por até 50% de diagnósticos incorretos (Ref. 1), alimentando um ciclo perigoso de sobrediagnóstico, sobretratamento e resistência antimicrobiana (Ref. 1, Ref. 17). Diante desse panorama, torna-se imprescindível integrar o rigor metodológico dos grandes manuais de infectologia, Mandell, Douglas, and Bennett’s Principles and Practice of Infectious Diseases e Bennett & Brachman’s Hospital Infections, com a epidemiologia contemporânea e o contexto brasileiro.

Este artigo revela como a literatura moderna converge para uma mensagem inequívoca: a era da vigilância subjetiva terminou. O futuro e a sobrevivência dos nossos pacientes dependem da adoção imediata de métricas objetivas (VAE), benchmarking justo (SIR), bundles baseados em evidências (Ref. 13) e stewardship guiado por biomarcadores (Ref. 12). Mais do que números, trata-se de liderança (Ref. 6). É hora de o CCIH brasileiro assumir o protagonismo na transição para uma ciência de precisão que salva vidas e fortalece a sustentabilidade hospitalar.

FAQ: Pneumonia Hospitalar, Associada à Ventilação Mecânica (PAV) e Eventos Associados à Ventilação (EAV)

I. Conceitos e Definições Fundamentais

1. Qual a definição de Pneumonia Adquirida no Hospital (PAH ou PH)? A Pneumonia Adquirida no Hospital (PAH) é aquela que surge 48 horas ou mais após a admissão do paciente no hospital, desde que não estivesse em período de incubação no momento da internação.

2. O que é a Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV)? A PAV é um tipo específico de pneumonia hospitalar que se desenvolve em pacientes que estão sob ventilação mecânica invasiva (por tubo orotraqueal ou traqueostomia) por um período superior a 48 horas.

3. Qual a principal diferença entre a vigilância tradicional de PAV e a vigilância de Eventos Associados à Ventilação Mecânica (EAV ou VAE)? A vigilância tradicional de PAV baseia-se em critérios clínicos, radiológicos e laboratoriais que possuem um componente subjetivo de interpretação (ex: análise de imagem do tórax). Já a vigilância de EAV, proposta pelo CDC, utiliza critérios mais objetivos e mensuráveis, como a piora na oxigenação do paciente (aumento na PEEP ou FiO2), visando reduzir a subjetividade e aumentar a reprodutibilidade dos dados.

4. Quais são os componentes da vigilância de EAV (VAE)? A vigilância de EAV é composta por três níveis:

  1. Condição Associada ao Ventilador (VCA ou VAC): Piora da oxigenação após um período de estabilidade.
  2. Condição Infecciosa Associada ao Ventilador (IVAC): Ocorrência de VCA juntamente com sinais de infecção (febre, leucocitose/leucopenia) e início de antibioticoterapia.
  3. Possível PAV (Possible VAP): Ocorrência de IVAC com evidências laboratoriais de inflamação pulmonar (cultura de secreção respiratória positiva).

5. Por que a PAV é considerada um problema tão grave em UTIs? A PAV é grave devido à sua alta incidência em pacientes de UTI, por estar associada a um aumento significativo na mortalidade, no tempo de internação e nos custos hospitalares, além de promover o uso de antibióticos de amplo espectro, o que contribui para a seleção de microrganismos multirresistentes.


II. Diagnóstico da Pneumonia Hospitalar e PAV

6. Quais são os principais desafios no diagnóstico clínico da PAV? O diagnóstico é desafiador porque os sinais clássicos (febre, leucocitose, secreção purulenta e nova imagem radiológica) são inespecíficos e podem estar presentes em outras condições comuns em pacientes críticos, como atelectasia, congestão pulmonar, SARA (Síndrome da Angústia Respiratória Aguda) e embolia pulmonar.

7. Que métodos microbiológicos são utilizados para confirmar o agente causador da PAV? Os métodos tradicionais incluem a coleta de secreções do trato respiratório inferior, como aspirado traqueal, lavado broncoalveolar ou escovado brônquico protegido, para a realização de culturas quantitativas. A cultura quantitativa do aspirado traqueal é a mais utilizada pela facilidade de coleta.

8. O que são os testes moleculares (PCR multiplex) e qual sua vantagem no diagnóstico da PAV? São testes rápidos que detectam o material genético (DNA ou RNA) de diversos patógenos (vírus e bactérias) e alguns genes de resistência a antibióticos diretamente da amostra respiratória. A principal vantagem é a rapidez no resultado (em poucas horas), o que pode guiar a terapia antibiótica de forma mais precoce e assertiva em comparação com a cultura tradicional, que leva dias.

9. Qual o papel da procalcitonina no manejo da PAV? A procalcitonina é um biomarcador que tende a se elevar em infecções bacterianas. Embora não seja recomendada para o diagnóstico inicial isolado da PAV, seus níveis seriados podem auxiliar na decisão de descalonar ou suspender o uso de antibióticos com segurança, contribuindo para o uso racional desses medicamentos.

10. Quais são os principais microrganismos causadores de PAV? Os agentes mais comuns incluem bacilos Gram-negativos como Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae e Acinetobacter spp., além de cocos Gram-positivos como o Staphylococcus aureus (incluindo o MRSA, resistente à meticilina). O perfil de patógenos e sua sensibilidade a antibióticos pode variar muito entre hospitais e UTIs.


III. Prevenção e “Bundles” de Cuidados

11. O que é um “bundle” de prevenção de PAV e por que é eficaz? Um “bundle” (ou pacote de medidas) é um conjunto de práticas baseadas em evidências que, quando aplicadas de forma consistente e conjunta, resultam em uma melhora significativa nos desfechos clínicos, maior do que se cada medida fosse aplicada isoladamente. A eficácia vem da abordagem multifatorial e da padronização do cuidado.

12. Qual a importância da elevação da cabeceira do leito na prevenção da PAV? Manter a cabeceira elevada entre 30 e 45 graus é uma medida fundamental para reduzir o risco de aspiração de conteúdo gástrico ou de secreções da orofaringe para o trato respiratório inferior, um dos principais mecanismos de desenvolvimento da PAV.

13. O que significa a interrupção diária da sedação (“despertar diário”)? Consiste em interromper a sedação dos pacientes em ventilação mecânica diariamente, de forma segura e protocolada, para avaliar o estado neurológico e a possibilidade de iniciar o processo de desmame da ventilação. Isso ajuda a reduzir o tempo total de ventilação mecânica, um dos principais fatores de risco para a PAV.

14. Qual a recomendação atual sobre a profilaxia de úlcera péptica por estresse? A profilaxia deve ser indicada para pacientes com alto risco de sangramento gastrointestinal. No entanto, o uso indiscriminado, especialmente de inibidores de bomba de prótons, deve ser evitado, pois a supressão ácida do estômago pode facilitar a colonização por patógenos e aumentar o risco de pneumonia.

15. Qual o papel da higiene oral com antissépticos na prevenção da PAV? A higiene oral regular com antissépticos, como a clorexidina a 0,12%, é uma medida de alto impacto. Ela reduz a carga de microrganismos na orofaringe, diminuindo a chance de que essas bactérias sejam aspiradas para os pulmões e causem a pneumonia. Porém estudos recentes relatam um risco de morte associado ao seu uso. apresar de prevenir PAV. O tema ainda é controverso e aqurgamos mehores evidências, Veja este artigo no site: https://www.ccih.med.br/clorexidina-oral-mata-ou-previne-pav/

16. O que é a aspiração de secreção subglótica e por que é recomendada? É a remoção de secreções que se acumulam no espaço acima do cuff (balonete) do tubo orotraqueal. Essa técnica, realizada com tubos especiais que possuem um lúmen dorsal para aspiração, ajuda a prevenir que essas secreções, ricas em bactérias, cheguem aos pulmões. É uma medida preventiva eficaz.

17. O circuito do ventilador mecânico precisa ser trocado rotineiramente? Não. A troca rotineira e programada do circuito do ventilador não é recomendada, pois não demonstrou reduzir o risco de PAV e pode até aumentá-lo, além de elevar os custos. O circuito deve ser trocado apenas quando estiver visivelmente sujo ou com mau funcionamento.

18. Qual a importância da pressão do cuff (balonete) do tubo orotraqueal? Manter a pressão do cuff dentro da faixa ideal (geralmente entre 20 e 30 cmH₂O) é crucial. Pressões muito baixas permitem a passagem de secreções para o pulmão, enquanto pressões muito altas podem causar isquemia e lesão na mucosa da traqueia. A monitorização regular é essencial.

19. A higiene das mãos continua sendo importante mesmo com todas essas tecnologias? Absolutamente. A higiene das mãos é a medida mais simples, barata e eficaz para prevenir a transmissão cruzada de patógenos entre pacientes e profissionais de saúde. É a base de toda a prevenção de infecções hospitalares, incluindo a PAV.

20. Como a fisioterapia respiratória contribui para a prevenção da PAV? A fisioterapia atua na mobilização precoce do paciente, na higiene brônquica através de técnicas de remoção de secreção, e no manejo da ventilação mecânica, colaborando ativamente para o desmame ventilatório e a extubação precoce, reduzindo o tempo de exposição ao risco.


IV. Papel da Equipe Multiprofissional e Gestão

21. Qual o papel do(a) enfermeiro(a) na liderança da aplicação do bundle de prevenção de PAV? O enfermeiro tem um papel central na garantia da adesão ao bundle. Ele é responsável por checar a elevação da cabeceira, assegurar a realização da higiene oral conforme protocolo, verificar a pressão do cuff, participar da avaliação do despertar diário e liderar a equipe de enfermagem na execução e registro de todas as medidas preventivas.

22. Como o médico pode contribuir para a prevenção da PAV além da prescrição? O médico contribui ao avaliar diariamente a necessidade de sedação e a possibilidade de extubação, indicar o uso racional de profilaxias (como a de úlcera de estresse), prescrever antibióticos de forma adequada e participar ativamente das discussões multidisciplinares (rounds) para alinhar o plano de cuidados.

23. Qual a função do farmacêutico clínico no manejo de pacientes com PAV? O farmacêutico clínico atua na otimização da antibioticoterapia (ajuste de dose, avaliação de interações medicamentosas), no monitoramento de culturas e antibiogramas, e na promoção do uso racional de antimicrobianos, sendo uma peça-chave nos programas de Antimicrobial Stewardship.

24. Como a CCIH deve monitorar e apresentar os dados de PAV/EAV? A CCIH deve coletar os dados de forma sistemática, calcular as taxas de incidência (ex: PAV por 1.000 dias de ventilação), analisar as tendências ao longo do tempo e por setor, e divulgar esses resultados de forma transparente para as equipes assistenciais e gestores. Esse feedback é crucial para identificar problemas e avaliar o impacto das intervenções.

25. Qual o papel do gestor hospitalar na prevenção de PAV? O gestor hospitalar é fundamental ao prover os recursos necessários para a prevenção, como tubos com aspiração subglótica, soluções de clorexidina, camas que facilitem a elevação da cabeceira, e garantir a educação contínua das equipes. O apoio da alta gestão é essencial para criar uma cultura de segurança do paciente.

26. Por que os rounds multiprofissionais são importantes para a prevenção de PAV? Os rounds permitem que diferentes profissionais (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos) discutam o plano de cuidados do paciente de forma integrada, checando diariamente a aderência às medidas do bundle e identificando oportunidades de otimizar o tratamento e acelerar a liberação da ventilação mecânica.

27. Como a instituição pode medir a adesão às medidas do bundle? A adesão pode ser medida por meio de auditorias observacionais ou checagem de prontuários. Utilizar checklists à beira-leito é uma forma eficaz de verificar se todas as medidas do bundle (elevação da cabeceira, higiene oral, etc.) estão sendo cumpridas para cada paciente elegível, a cada dia.

28. A vigilância de EAV substitui completamente a vigilância de PAV? Não necessariamente. A vigilância de EAV é uma ferramenta poderosa para o monitoramento de complicações da ventilação mecânica e para a comparação entre hospitais. No entanto, muitos hospitais optam por manter a vigilância clínica de PAV em paralelo, pois ela pode identificar eventos infecciosos que não se enquadram nos critérios de IVAC, fornecendo uma visão mais clínica e detalhada para a CCIH local.

29. Como o perfil microbiológico local influencia o tratamento empírico da PAV? O conhecimento do perfil de patógenos mais comuns na UTI e seu padrão de resistência (microbiologia local) é crucial para a escolha do tratamento empírico inicial. O hospital deve gerar e divulgar regularmente um antibiograma institucional para guiar uma terapia mais eficaz e reduzir o uso inadequado de antibióticos de largo espectro.

30. Qual o impacto da nutrição no paciente sob ventilação mecânica para o risco de PAV? Uma nutrição adequada é vital para a resposta imune do paciente. A nutrição enteral, quando indicada, deve ser administrada com cuidados para minimizar o risco de aspiração, como a elevação da cabeceira e a monitorização do resíduo gástrico, se aplicável pelo protocolo institucional.

 

V. Tópicos Avançados e Questões Específicas

31. O uso de probióticos pode prevenir a PAV? Ainda há controvérsias. Alguns estudos sugeriram um possível benefício dos probióticos na redução da colonização por patógenos e, consequentemente, na incidência de PAV. No entanto, as principais diretrizes internacionais ainda não recomendam seu uso rotineiro devido à falta de evidências robustas e preocupações com a segurança em pacientes críticos.

32. Pacientes em ventilação não invasiva (VNI) podem desenvolver pneumonia hospitalar? Sim. Embora o risco seja menor do que na ventilação invasiva, pacientes em VNI também podem aspirar secreções e desenvolver pneumonia. A higiene oral e o posicionamento adequado também são importantes para esses pacientes.

33. Qual a recomendação sobre o banho com clorexidina para prevenção de PAV? O banho diário com clorexidina tem como principal objetivo a prevenção de infecções de corrente sanguínea associadas a cateter e a redução da colonização por patógenos na pele. Embora possa haver um efeito indireto na diminuição da carga microbiana geral do paciente, sua indicação primária não é a prevenção de PAV. A higiene oral com clorexidina é a medida direcionada para esse fim, mas atualmente sujeita a controvérsias.

34. Como os testes moleculares rápidos impactam os programas de Stewardship de Antimicrobianos? Eles têm um impacto positivo, pois permitem um direcionamento muito mais rápido da terapia. Um resultado negativo para bactérias pode apoiar a suspensão de um antibiótico, enquanto a identificação de um patógeno específico com um gene de resistência pode guiar a escolha do fármaco mais adequado, evitando o uso desnecessário de antibióticos de amplo espectro.

35. A terapia de curta duração com antibióticos é segura para tratar a PAV? Sim. Para a maioria dos pacientes com PAV, um curso de 7 dias de antibioticoterapia é tão eficaz quanto cursos mais longos (10-15 dias), desde que o paciente apresente uma boa resposta clínica ao tratamento. A terapia mais curta está associada a menos efeitos adversos e menor pressão seletiva para resistência bacteriana.

36. Qual a relação entre a intubação orotraqueal e a nasotraqueal e o risco de sinusite e PAV? A intubação nasotraqueal está associada a um maior risco de sinusite nosocomial, que por sua vez pode ser um foco infeccioso que leva à PAV. Por esse motivo, a via orotraqueal é a preferencial para a intubação.

37. O que fazer quando as taxas de PAV/EAV não diminuem apesar da implementação do bundle? É preciso fazer uma análise crítica do processo. Os passos incluem: 1) Auditar a adesão real ao bundle (a equipe está de fato executando as medidas?); 2) Revisar se todas as medidas baseadas em evidências estão incluídas; 3) Analisar os casos para identificar possíveis falhas ou fatores de risco não contemplados; 4) Promover a reeducação e o engajamento da equipe.

38. Existe vacina para prevenir a PAV? Não existe uma vacina única que previna a PAV, pois ela pode ser causada por uma grande variedade de microrganismos. A vacinação contra influenza e pneumococo é importante para a saúde geral dos pacientes, mas não tem impacto direto na prevenção da PAV causada por bactérias hospitalares como Pseudomonas ou Acinetobacter.

39. Como a sedação excessiva aumenta o risco de PAV? A sedação profunda e prolongada imobiliza o paciente, deprime o reflexo da tosse, dificulta a higiene brônquica e, o mais importante, prolonga o tempo de permanência na ventilação mecânica. Todos esses fatores aumentam drasticamente o risco de desenvolvimento da PAV.

40. Qual é a principal mensagem para todas as equipes de saúde sobre a prevenção da PAV? A prevenção da PAV é um esforço contínuo e multidisciplinar que depende da aplicação consistente de um conjunto de medidas simples e baseadas em evidências. O sucesso não está em uma única tecnologia ou ação, mas na criação de uma cultura de segurança onde cada profissional entende seu papel e se compromete com a execução diária do bundle de prevenção.

 

I. Introdução: O Chamado à Excelência na Luta Contra a Pneumonia Hospitalar

A Pneumonia Adquirida no Hospital (PAH) é definida clinicamente como aquela que se manifesta mais de 48 horas após a admissão hospitalar, não estando incubada no momento da chegada do paciente. (Ref. 1, Ref. 2)

A análise epidemiológica revela que, embora a incidência por dia-dispositivo seja cerca de 10 vezes maior em pacientes ventilados (PAV), a PNV-AH responde pela maioria absoluta dos casos de pneumonia no ambiente hospitalar, dado o volume significativamente maior de pacientes não ventilados. (Ref. 1) Crucialmente, as taxas de mortalidade para PNV-AH são consistentemente similares às observadas em pacientes com PAV (Ref. 1), o que direciona a atenção para a vigilância e prevenção de ambas as formas. A fisiopatologia predominante é a aspiração de secreções colonizadas da orofaringe. (Ref. 1)

O impacto da PAV na morbidade e nos custos é substancial. Estudos indicam que a PAV prolonga a duração da ventilação mecânica (VM) e a permanência na UTI em 4 a 6 dias. Modelos estatísticos que corrigem o risco subjacente do paciente estimam que a mortalidade atribuível à PAV varia na faixa de 8% a 13%. (Ref. 1) Este ônus, combinado à pressão na seleção de microrganismos multirresistentes (MDR), solidifica o tema como prioridade capital para a segurança do paciente. A tese central que emerge da análise dos capítulos é clara: a segurança do paciente e a gestão eficaz da resistência exigem que a vigilância e as intervenções preventivas transcendam a subjetividade clínica e adotem métricas objetivas e ajustadas por risco.

II. A Crise de Mensuração e o Abandono de Conceitos Falhos

2.1. O Achado Principal da Crise Diagnóstica: A Inespecificidade Clínica da PAV

O principal achado que permeia a crítica metodológica nos capítulos de referência é a baixa acurácia e a inespecificidade alarmante dos sinais clínicos clássicos da PAV. (Ref. 1) O diagnóstico clínico da PAV, historicamente baseado em sinais subjetivos como febre, secreções purulentas e novos infiltrados radiográficos, resultou em uma crise de mensuração caracterizada por alta variabilidade e superestimação da incidência real. (Ref. 1)

Uma meta-análise rigorosa, que utilizou a histopatologia como padrão-ouro, demonstrou que o infiltrado na radiografia de tórax é altamente sensível (89%), mas possui uma especificidade extremamente baixa (26%). (Ref. 1) Essa limitação inerente leva a uma prevalência significativa de sobrediagnóstico e sobretratamento. Estima-se que até um terço a metade dos pacientes hospitalizados tratados para pneumonia provavelmente não têm a infecção. (Ref. 1)

Essa imprecisão diagnóstica é exacerbada pela presença de numerosos fatores confundidores no paciente hospitalizado, que mimetizam os sinais da pneumonia. Condições como insuficiência cardíaca congestiva, atelectasia, embolia pulmonar e Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SARA) frequentemente apresentam manifestações clínicas e radiográficas idênticas às da pneumonia. (Ref. 1) A consequência desse dilema é um ciclo vicioso: a subjetividade diagnóstica força os clínicos a iniciar terapias empíricas de amplo espectro para evitar a mortalidade associada ao atraso no tratamento de infecções reais; contudo, o tratamento excessivo e desnecessário de “falsas pneumonias” é o motor da seleção e disseminação de organismos resistentes. (Ref. 1)

2.2. A Crítica Consensual: A Aposentadoria do Conceito HCAP

Um ponto de convergência metodológica e crítica entre as diretrizes modernas é a descontinuação da categoria Pneumonia Associada aos Cuidados de Saúde (HCAP). (Ref. 1) Este conceito, baseado na ideia de que a exposição ambulatorial recente ao sistema de saúde (hemodiálise, asilo, antibióticos intravenosos recentes) conferiria risco semelhante de patógenos MDR (como MRSA e P. aeruginosa) ao da PAH (Ref. 1, Ref. 10), provou ser uma ferramenta imprecisa.

Meta-análises revelaram que a HCAP não identificava com acurácia a presença de patógenos resistentes. (Ref. 1, Ref. 10) De fato, a prevalência de MDR em HCAP era baixa (cerca de 2% para MRSA ou P. aeruginosa), e a adesão a essa classificação resultou em um aumento substancial e desnecessário no uso de agentes de amplo espectro (Vancomicina, Cefepime) sem demonstrar melhora nos desfechos clínicos. (Ref. 1, Ref. 2) As diretrizes modernas (2019) abandonaram o HCAP, exigindo que a decisão de cobrir MDR seja baseada em fatores de risco validados individualmente e, crucialmente, nos dados de susceptibilidade local (antibiograma) da instituição. (Ref. 1) O risco mais preditivo para MDR HAP é o uso de antibióticos intravenosos nos 90 dias anteriores (Odds Ratio, 5.17). (Ref. 1)

Critério de Vigilância Foco Objetividade/Reproducibilidade Principal Limitação
PAV Tradicional (CDC Antigo/ANVISA) Infecção (Clínica e Radiográfica) Baixa (Alta variabilidade interobservador) Alto risco de sobrediagnóstico e viés de vigilância. Estudo brasileiro recente mostrou 85.7% de não confirmação por adjudicadores. (Ref. 1, Ref. 17)
VAE (Ventilator-Associated Events) – NHSN Dano/Complicação Fisiológica Alta (Parâmetros PEEP/FiO2​ estruturados) Não distingue a etiologia infecciosa da não infecciosa (Ex: sobrecarga volêmica é 30-40% dos VAEs). (Ref. 1)

 

III. O Novo Paradigma Epidemiológico: VAE, SIR e a Governança de Risco

A ineficácia do sistema de vigilância tradicional de PAV forçou o CDC/NHSN a uma transição metodológica, migrando para a vigilância objetiva de Eventos Associados à Ventilação (VAE), um novo paradigma de qualidade assistencial. (Ref. 1, Ref. 8)

3.1. A Transição Metodológica: O VAE (Ventilator-Associated Events)

O sistema VAE, implementado em 2013, foca na medição do dano real associado à ventilação mecânica, e não apenas na infecção. (Ref. 1) Sua metodologia baseia-se no monitoramento de parâmetros ventilatórios estruturados, passíveis de automação, para detectar uma nova e sustentada deterioração respiratória. (Ref. 1, Ref. 8) Um VAE é acionado por um aumento na Pressão Expiratória Final Positiva (PEEP de ≥3 cm H2​O) ou na Fração de Oxigênio Inspirado (FiO2​ de ≥20 pontos), ambos sustentados por pelo menos dois dias. (Ref. 1, Ref. 8)

A grande vantagem do VAE é sua objetividade e reprodutibilidade, tornando-o menos suscetível ao viés de vigilância. (Ref. 1) Embora a pneumonia represente apenas 30% a 40% dos VAEs, a maioria é causada por outras complicações previsíveis, como sobrecarga volêmica (30%-40%) e atelectasia. (Ref. 1) Essa mudança de foco de “infecção” para “dano” é crucial, pois permite que as iniciativas de melhoria de qualidade se concentrem em estratégias eficazes que otimizam a mecânica respiratória e reduzem a exposição ao dispositivo, como o manejo restritivo de fluidos. (Ref. 1, Ref. 8) O VAE correlaciona-se fortemente com desfechos negativos, incluindo aumento da duração da VM e mortalidade bruta (31%). (Ref. 1, Ref. 16)

3.2. Standardized Infection Ratio (SIR): A Métrica da Equidade

O Standardized Infection Ratio (SIR) é a métrica sumária primária do NHSN para rastrear a incidência de IRAS ajustada por risco. (Ref. 1) O SIR é calculado comparando o número real de IRAS observadas com o número de infecções que seriam preditas, dada a linha de base de infecção na população de referência do NHSN. (Ref. 1)

A relevância crucial do SIR reside no seu ajuste de risco. Ao contrário das taxas de incidência brutas, que não refletem a complexidade do paciente, o SIR ajusta para fatores de risco que contribuem para a incidência da IRAS, como o tipo de unidade e a gravidade do perfil clínico. (Ref. 1) Isso garante que a comparação (benchmarking) entre hospitais que tratam populações de alto risco e aqueles com populações de baixo risco seja equitativa. Um SIR maior que 1.0 indica desempenho “Pior que o Esperado”, enquanto um valor menor que 1.0 indica que menos infecções foram observadas do que o predito. (Ref. 1)

3.3. Device Utilization Rate (DUR): Risco de Exposição e Gravidade

A métrica Device Utilization Rate (DUR), ou Taxa de Utilização de Dispositivo, é complementar e essencial. Definida como a proporção de dias de paciente em que um dispositivo de risco foi utilizado, a DUR reflete diretamente a severidade e a intensidade da exposição ao risco da população de pacientes. (Ref. 9) Uma UTI com um DUR alto (ex: 16% dos dias de paciente) tem uma população mais crítica. O DUR é fundamental para contextualizar o risco basal da população e é utilizado, em conjunto com o SIR, para fornecer uma avaliação precisa do desempenho do controle de infecção. (Ref. 9, Ref. 1)

  1. Microbiologia, Stewardship e a Batalha Contra a Resistência

A PAV é caracterizada pela rápida colonização por patógenos hospitalares e pela predominância de resistência, exigindo um Antimicrobial Stewardship rápido e eficaz. (Ref. 1)

4.1. Perfil Etiológico Hospitalar e Fatores de Risco para MDR

A etiologia da PAH/PAV é marcada por bactérias Gram-negativas e Gram-positivas resistentes. (Ref. 1) Os dados de vigilância mostram a prevalência de Staphylococcus aureus (30% a 40% dos casos, com 37% de resistência à meticilina/MRSA) e Bacilos Gram-Negativos (GNB), como Pseudomonas aeruginosa (15% a 20%) e Acinetobacter baumannii. (Ref. 1) A resistência a carbapenêmicos em A. baumannii é particularmente crítica, com taxas elevadas (cerca de 55% nos EUA). (Ref. 1)

O risco de patógenos multirresistentes (MDR) é mais bem previsto por fatores de risco específicos, em substituição ao conceito falho de HCAP. (Ref. 1, Ref. 2) Fatores de risco validados incluem: uso de antibióticos intravenosos nos 90 dias anteriores (o fator mais significativo para HAP MDR, com OR 5.17) (Ref. 1), choque séptico no momento da PAV, SARA e necessidade de terapia de substituição renal. (Ref. 2)

4.2. Estratégias de Gerenciamento Antimicrobiano e Desescalada

O manejo da PAV exige o início precoce de terapia empírica agressiva para evitar a mortalidade associada ao atraso, especialmente em pacientes com choque séptico. (Ref. 1) Para pacientes com alto risco de MDR, a terapia inicial deve incluir cobertura dupla Gram-negativa (dois agentes antipseudomonais de classes diferentes) e cobertura anti-MRSA (Vancomicina ou Linezolida). (Ref. 1)

A otimização Farmacocinética/Farmacodinâmica (PK/PD) é um imperativo clínico. Para a Vancomicina, o alvo de concentração sérica de trough level de 15 a 20 μg/mL é recomendado para maximizar a eficácia na pneumonia. (Ref. 1) A Linezolida é frequentemente preferida devido à sua melhor penetração pulmonar e menor nefrotoxicidade em comparação com a Vancomicina. (Ref. 1)

O princípio fundamental da terapia é a desescalada rápida. Ensaios clínicos randomizados estabeleceram que 7 a 8 dias de antibioticoterapia são suficientes para a maioria dos pacientes com PAV, não havendo benefício em estender o curso para 15 dias. (Ref. 11, Ref. 1)

4.3. O Papel Estratégico dos Biomarcadores: Procalcitonina (PCT)

A Procalcitonina (PCT) atua como um adjunto valioso para o Antimicrobial Stewardship. Meta-análises demonstraram que a terapia guiada por PCT (utilizando o nível de corte para iniciar ou uma queda superior a 50% para descontinuar) pode guiar a interrupção segura e precoce da antibioticoterapia, reduzindo a exposição a antibióticos sem aumentar o risco de desfechos adversos (Ref. 12). (Ref. 1, Ref. 12)

A ausência de MRSA no swab nasal (rastreio por PCR) é outra estratégia de stewardship de alto impacto, que permite ao clínico interromper com segurança a cobertura empírica contra MRSA (Vancomicina/Linezolida), otimizando o uso de recursos e reduzindo a toxicidade. (Ref. 1)

Biomarcador Função Principal no Manejo da Pneumonia Achado Estatisticamente Relevante Implicação para o CCIH
Procalcitonina (PCT) Guia de descontinuação segura da terapia (Desescalada) Reduz a duração da terapia antibiótica (curto curso de 7-8 dias) sem aumentar o risco de desfechos adversos (Ref. 12). (Ref. 1, Ref. 12) Institucionalizar o uso para garantir desescalada rápida.
PCR MRSA Nasal Estratificação de Risco (Exclusão) Negativo permite a descontinuação segura da cobertura empírica anti-MRSA. (Ref. 1) Ferramenta de alto impacto no Stewardship, reduzindo o uso de Vancomicina/Linezolida.

 

V. Prevenção: O Rigor Operacional dos Bundles e a Controvérsia da Clorexidina

A prevenção de PAV/VAE é o pilar central da atuação do CCIH, e o sucesso é determinado pela disciplina operacional e pela adesão aos bundles baseados em evidências. (Ref. 1)

5.1. As Práticas Essenciais do SHEA e o Foco em Outcomes Objetivos

As diretrizes da Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA 2022) priorizam intervenções que demonstram melhorias em desfechos objetivos, como a redução da duração da VM. (Ref. 1, Ref. 13)

As intervenções mais eficazes são aquelas que minimizam o tempo de exposição à VM, incluindo:

  1. Minimizar a Sedação: Níveis mais baixos de sedação e a implementação de Interrupções Diárias da Sedação (Spontaneous Awakening Trials – SATs) combinadas com Testes de Respiração Espontânea (Spontaneous Breathing Trials – SBTs). (Ref. 1, Ref. 16)
  2. Mobilização Precoce: Programas de exercício e mobilização precoce, que estão associados a menor tempo de ventilação e internação. (Ref. 1)
  3. Controle da Aspiração: Elevação da cabeceira do leito (30 a 45 Graus) para reduzir o risco de refluxo gástrico e microaspiração. (Ref. 1)

A implementação disciplinada de pacotes de medidas (VAP Bundles) provou ser a estratégia mais eficaz, resultando em reduções estatisticamente robustas. Em alguns estudos, a incidência de PAVM em neonatos caiu de 11.79 para 1.93 casos por 1000 dias-ventilador (p < 0.01) após a implementação do bundle. (Ref. 13) A adesão operacional deve ser mantida acima de 95% para sustentar as baixas taxas. (Ref. 1)

5.2. O Comentário Crítico sobre a Clorexidina Oral: A Mudança de Paradigma

Uma reavaliação crítica das práticas preventivas levou ao desaconselhamento do uso rotineiro de clorexidina oral na prevenção de PAV pela SHEA 2022. (Ref. 1, Ref. 13) Embora a clorexidina possa reduzir a colonização oral, meta-análises e revisões sistemáticas recentes (2024) não demonstraram que ela seja eficaz na prevenção da PAV ou na redução da mortalidade (Ref. 7). (Ref. 1, Ref. 7)

Mais significativamente, a evidência sugere que o uso rotineiro de clorexidina oral em pacientes ventilados pode estar associado a um possível aumento da mortalidade geral. (Ref. 1, Ref. 16) Essa preocupação justifica a exclusão da clorexidina dos bundles essenciais. A ênfase atual é transferida para a higiene oral mecânica rigorosa (escovação), que visa a remoção física do biofilme orofaríngeo. (Ref. 1)

5.3. Fator de Risco Subestimado e Achado Metodológico

Um achado metodológico crucial, proveniente de um estudo prospectivo sobre PAVM (Ref. 15), identificou a sinusite aguda como o fator mais fortemente associado ao desenvolvimento de PAVM, apresentando uma Razão de Chances (OR) de 38.8. (Ref. 1, Ref. 15)

Este achado extremo demonstra que o investimento em protocolos de higiene nasal e manejo cuidadoso de sondas nasoentéricas pode ter um impacto desproporcional na redução do risco de PAVM. O CCIH deve priorizar intervenções focadas nesse fator de risco de alto impacto, exigindo excelência na prática de enfermagem e fisioterapia.

  1. Pneumonia Crônica (PC): A Fronteira Oculta no Paciente Hospitalar

A Pneumonia Crônica (PC), definida pela persistência de infiltrados pulmonares por semanas a meses, exige do CCIH e dos clínicos um enfoque de diagnóstico diferencial que transcende o algoritmo da infecção aguda. (Ref. 1)

6.1. O Diagnóstico Diferencial Complexo e a Cronicidade

A PC manifesta-se tipicamente com tosse, dispneia, febre persistente e sintomas constitucionais, sendo primariamente definida por achados radiográficos anormais persistentes (infiltrados, nódulos ou cavitações). (Ref. 1) O desafio reside em distinguir a PC de causas não infecciosas (que representam fatores confundidores importantes), como vasculites, neoplasias, sarcoidose ou doenças induzidas por drogas. (Ref. 1)

A Tomografia Computadorizada (TC) de alta resolução é indispensável. Em pacientes imunocomprometidos, a TC pode revelar o Sinal do Halo (sugerindo aspergilose invasiva) ou o Sinal do Halo Reverso (sugerindo mucormicose), achados que exigem o início imediato de terapia antifúngica empírica, dada a urgência dessas micoses oportunistas. (Ref. 1) A investigação etiológica deve ser metódica, utilizando a anamnese detalhada (exposição geográfica, ocupação) e procedimentos invasivos (Broncoscopia com Lavado Broncoalveolar – BAL, ou biópsia por Cirurgia Toracoscópica Videoassistida – VATS) para obter um diagnóstico definitivo. (Ref. 1)

6.2. O Espectro Etiológico Crônico: NTM e Oportunismo Fúngico

No espectro das infecções crônicas, as Micobacterioses Não Tuberculosas (NTM), como o Mycobacterium avium complex (MAC), são causas prototípicas e mimetizam a tuberculose. (Ref. 1) Um estudo retrospectivo (Ref. 14) reforçou a prevalência do M. avium (32%) em doença pulmonar por NTM e notou sua forte associação com doença pulmonar estrutural prévia (bronquiectasias). (Ref. 14) O tratamento das NTM é longo e complexo, sublinhando a importância da diferenciação rápida entre NTM e Tuberculose (TB), que exige isolamento respiratório. (Ref. 1)

Outra preocupação é o oportunismo fúngico em pacientes com imunossupressão combinada. O uso de corticosteroides no contexto de infecções graves (como COVID-19) e comorbidades como o Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2) cria um ambiente propenso à Aspergilose Pulmonar Invasiva (API) ou subaguda. (Ref. 1) A vigilância ativa, usando testes de antígeno (galactomanano) e PCR, é fundamental para o diagnóstico precoce e a prevenção da progressão para formas crônicas fibrocavitárias. (Ref. 1)

6.3. Coincidências e Divergências no Manejo

Os quatro capítulos convergem na importância da vigilância epidemiológica e do stewardship. No entanto, há uma distinção fundamental no manejo do tratamento:

  • Coincidência (Etiologia Comum): Os patógenos que causam PAV (como P. aeruginosa e S. aureus (Ref. 1)) podem, em hospedeiros com doenças subjacentes, levar a processos necrotizantes crônicos, estabelecendo a PAVM como um precursor potencial de doenças pulmonares estruturais crônicas. (Ref. 1)
  • Divergência (Abordagem Terapêutica): Enquanto a PAV aguda exige terapia empírica imediata, a Pneumonia Crônica estável, segundo as recomendações dos autores (Mandell Cap. 70), deve evitar a terapia empírica em favor de uma avaliação diagnóstica metódica. A urgência da terapia antibiótica na PAV é guiada pela necessidade de reduzir a mortalidade atribuível, enquanto na PC, o foco é a precisão etiológica para evitar toxicidade e tratamentos inadequados. (Ref. 1) A única exceção para terapia empírica imediata na PC é a suspeita de TB ou progressão rápida em imunocomprometidos graves. (Ref. 1)

VII. Adoção da Ciência de Precisão no Brasil: Desafios e o Caminho Inspirador

A análise do contexto nacional expõe a urgência de alinhar a vigilância brasileira de IRAS aos padrões internacionais de objetividade (VAE) e avaliação de risco (SIR).

7.1. Crítica da Vigilância Nacional: A Fragilidade das Densidades de Incidência

O sistema nacional, sob as diretrizes da ANVISA, utiliza predominantemente a Densidade de Incidência (DI) de PAV por 1000 dias-ventilador. (Ref. 1, Ref. 17) Embora útil para rastreamento, a DI bruta, sem ajuste de risco como o SIR, pode superestimar o problema e não reflete a performance do hospital em comparação com a gravidade do paciente. (Ref. 1)

A fragilidade desse sistema é comprovada por estudos nacionais. O estudo de caso realizado durante a pandemia de COVID-19 em uma UTI do Paraná demonstrou picos de DI de PAV alarmantes, atingindo 93.75 PAV/1000 VM-dia (Ref. 3) (Ref. 3). Tais taxas, embora influenciadas pela severidade da pandemia, sugerem falha operacional e metodológica sob condições de estresse.

Mais criticamente, um estudo multicêntrico brasileiro (2025) comparando a vigilância PAV (critérios ANVISA) com a metodologia VAE do CDC revelou que 85.7% das PAV reportadas pelos centros não foram confirmadas por adjudicadores independentes (Ref. 17) (Ref. 17). A discordância na aplicação dos critérios PAV foi de 16.7% (kappa = 0.32), indicando alta subjetividade. Em contraste, a adjudicação de VAEs mostrou discordância de apenas 4%, confirmando a maior objetividade do paradigma VAE. (Ref. 17) Esta comprovação da subjetividade da métrica PAV tradicional no Brasil invalida o benchmarking justo e exige uma reorientação.

7.2. Recomendações Estratégicas e o Imperativo de Liderança

O CCIH brasileiro tem o dever de liderar a transição para a ciência de precisão para elevar o padrão da assistência.

  1. Adoção do Paradigma VAE/SIR: A ANVISA e as CCIHs devem estudar a migração para a vigilância objetiva de Eventos Associados à Ventilação (VAE). (Ref. 1, Ref. 17) A implementação obrigatória do Standardized Infection Ratio (SIR), em conjunto com o DUR (Ref. 9), é crucial para fornecer uma avaliação justa e ajustada por risco do desempenho dos hospitais, incentivando a transparência e a melhoria contínua. (Ref. 1)
  2. Atualização dos Bundles Baseada em Evidências: Os protocolos preventivos devem ser imediatamente revisados para refletir as Práticas Essenciais do SHEA (2022) (Ref. 13), priorizando o encurtamento da VM e a exclusão da clorexidina oral de rotina, enfatizando a escovação mecânica rigorosa (Ref. 1) (Ref. 7). O CCIH deve focar em medir a conformidade operacional do bundle (adesão) como a principal métrica de qualidade, e não apenas a taxa subjetiva de infecção. (Ref. 13)
  3. Stewardship e Biomarcadores: Institucionalizar o uso da Procalcitonina (PCT) e do PCR de MRSA nasal como ferramentas de decisão clínica para guiar a desescalada e a duração curta da antibioticoterapia (7-8 dias), combatendo o uso excessivo de antimicrobianos (Ref. 1, Ref. 12) (Ref. 12).
  4. Foco em Fatores de Risco de Alto Impacto: Priorizar a prevenção da sinusite aguda, dado o seu risco extremo (OR 38.8) para o desenvolvimento de PAVM, através de protocolos de higiene nasal mais rigorosos (Ref. 1, Ref. 15) (Ref. 15).

VIII. Conclusões Finais: O Imperativo da Liderança em CCIH

A Pneumonia Hospitalar, em todas as suas facetas, exige uma abordagem que reconheça a falha do diagnóstico subjetivo tradicional. Os capítulos de Mandell e Bennett & Brachman, em consonância com a literatura moderna, delineiam um caminho de excelência:

  • Revolução na Vigilância: A vigilância tradicional da PAV está obsoleta, marcada pela inespecificidade clínica e pelo alto risco de viés. A adoção do sistema VAE e do Standardized Infection Ratio (SIR) é a única forma de obter métricas objetivas, reprodutíveis e ajustadas por risco, essenciais para uma governança clínica equitativa (Ref. 1, Ref. 17) (Ref. 17).
  • Gestão Acelerada do Risco: A prevenção deve focar em desfechos objetivos, priorizando intervenções que encurtam a duração da VM (sedação mínima, SAT/SBTs, mobilização precoce) e eliminando práticas questionáveis (clorexidina oral de rotina) (Ref. 1) (Ref. 7). O sucesso reside na disciplina inabalável da equipe assistencial na execução dos bundles (Ref. 13).
  • Stewardship Orientado por Dados: O manejo antimicrobiano deve equilibrar a cobertura empírica agressiva para patógenos MDR (baseada em fatores de risco individuais, não mais no HCAP) com a desescalada rápida e segura, guiada por biomarcadores como a Procalcitonina (Ref. 1) (Ref. 12).

A luta contra a PAH é, em sua essência, a luta pela excelência operacional. Exige que o CCIH atue como um líder e epidemiologista, utilizando a inteligência de dados para transformar as diretrizes baseadas em evidências em ações rotineiras à beira do leito (Ref. 1) (Ref. 17). Este é o desafio inspirador da segurança do paciente no século XXI.

IX. Conclusão

A análise crítica do tema demonstra que a Pneumonia Hospitalar não pode mais ser enfrentada com diagnósticos baseados em subjetividade e protocolos desatualizados. O paradigma da vigilância mudou: Eventos Associados à Ventilação (VAE) e o Standardized Infection Ratio (SIR) oferecem métricas equitativas e objetivas, indispensáveis para a governança clínica.

O caminho para a excelência requer:

  • Prevenção centrada em outcomes objetivos (redução da ventilação mecânica, mobilização precoce, bundles com adesão >95%);
  • Abandono de práticas de eficácia questionável (como clorexidina oral de rotina);
  • Implementação de stewardship baseado em fatores de risco reais e biomarcadores como Procalcitonina e PCR nasal para MRSA.

A revolução da vigilância pulmonar é, acima de tudo, uma revolução de liderança. Cabe ao CCIH transformar diretrizes em prática cotidiana, garantindo que cada intervenção seja guiada por evidências sólidas e resultados tangíveis.

 

X. Referências Bibliográficas

Ref. 1: KLOMPAS, Michael. Hospital-Acquired Pneumonia. In: BENNETT, John V.; BRACHMAN, Philip S. Bennett & Brachman’s Hospital Infections. 7. ed. Philadelphia: Wolters Kluwer.

Resumo: Capítulo fundamental que define PAH, PAV, PNV-AH; aborda a fisiopatologia, epidemiologia (PAH como infecção mais mórbida), a falha diagnóstica (baixa especificidade clínica) e a transição crucial para o sistema de vigilância por Eventos Associados à Ventilação (VAEs) do CDC, destacando sua objetividade e automação.

Ref. 2: DALY, Jennifer S.; ELLISON III, Richard T. Acute Pneumonia. In: GORBACH, Sherwood L.; FALGAS, Maria E. (Ed.). Infectious Disease. 4. ed. New York: Wolters Kluwer, 2017. Cap. 67, p. 889-913.

Resumo: Material base para discussão da Pneumonia Aguda, etiologia (viral, bacteriana), abandono do HCAP e o papel dos biomarcadores (PCT) e otimização PK/PD.

Ref. 3: SANTOS, C. M. L. S. et al. Análise descritiva de IRAS em UTI no ano de 2020. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8829371/. Acesso em: 18 out. 2024. DOI: 10.1016/j.bjid.2021.10.007.

Resumo: Estudo descritivo e retrospectivo de IRAS em UTI no Paraná (Guarapuava) durante 2020. Demonstra picos de PAV alarmantes (93.75 PAV/1000 VM-dia), ilustrando a fragilidade da vigilância nacional sob estresse.

Ref. 4: MOREIRA, Barbara França et al. Principais intervenções de enfermagem na prevenção da pneumonia associada à ventilação mecânica: revisão integrativa. Rev. Ciênc. Plur., v. 10, n. 2, p. 31059, 29 ago. 2024. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1570424.

Resumo: Revisão integrativa que ressalta o papel crucial das intervenções de enfermagem, como a higiene oral, na alta adesão aos bundles e na prevenção da PAVM.

Ref. 5: CANO RODRÍGUEZ, Cristina et al. Lung infection with nontuberculous mycobacteria. Radiologia (English Edition), v. 65, n. 5, p. 392-401, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.rxeng.2023.09.001. DOI: 10.1016/j.rxeng.2023.09.001.

Resumo: Revisão sobre NTM, enfatizando a importância dos achados radiológicos (bronquiectasias) e a necessidade de diferenciar MNT de Tuberculose.

Ref. 6: INSTITUTO CCIH+. Epidemiologia Hospitalar no Século XXI: Inteligência, Liderança e Transformação. CCIH.med.br, 27 de agosto de 2025. Disponível em: https://www.ccih.med.br/epidemiologia-hospitalar-no-seculo-xxi-inteligencia-lideranca-e-transformacao/.

Resumo: Artigo que discute a evolução da epidemiologia hospitalar, focando na necessidade de inteligência de dados e liderança para a transformação nos sistemas de controle de infecção.

Ref. 7: ZANETTI, J. S. et al. Chlorhexidine is not effective at any concentration in preventing ventilator-associated pneumonia: a systematic review and network meta-analysis. J Anesth Analg Crit Care, v. 4, n. 1, p. 30, 3 maio 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s44158-024-00166-2. DOI: 10.1186/s44158-024-00166-2.

Resumo: Revisão sistemática e meta-análise recente que conclui que a clorexidina oral não é eficaz na prevenção da PAV ou na redução da mortalidade, desaconselhando seu uso rotineiro.

Ref. 8: CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Patient Safety Component Manual. Atlanta: CDC. Disponível em: https://www.cdc.gov/nhsn/pdfs/pscmanual/pcsmanual_current.pdf. Acesso em: 18 out. 2024. Resumo: Manual oficial do NHSN, que define as regras de vigilância para VAE e outras IRAS, fornecendo a base para as métricas objetivas.

Ref. 9: ELSHALAHAT, Shaban et al. Device utilization ratio and device-associated hospital-acquired infection rate in a medical ICU: a 2-year analysis. Infection and Drug Resistance, v. 14, p. 5353-5361, 2021. Disponível em:(https://doi.org/10.2147/IDR.S343657). DOI: 10.2147/IDR.S343657.

Resumo: Estudo que utiliza as fórmulas de taxa de IRAS e DUR (Device Utilization Ratio), reforçando o papel da DUR como indicador de gravidade do paciente.

Ref. 10: CHALMERS, J. D., et al. Healthcare-associated pneumonia does not accurately identify potentially resistant pathogens: a systematic review and meta-analysis. Clin Infect Dis, v. 58, n. 3, p. 330-339, 1 fev. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/cit684. DOI: 10.1093/cid/cit684.

Resumo: Revisão seminal que critica o conceito de HCAP, mostrando baixa prevalência de resistência e uso excessivo de antibióticos de amplo espectro, fornecendo a base para o abandono dessa classificação.

Ref. 11: CHASTRE, J., et al. Comparison of 8 vs 15 days of antibiotic therapy for ventilator-associated pneumonia in adults: a randomized trial. JAMA, v. 290, n. 19, p. 2588-2598, 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1001/jama.290.19.2588. DOI: 10.1001/jama.290.19.2588.

Resumo: Ensaio clínico randomizado que estabeleceu que 8 dias de antibioticoterapia são suficientes para a maioria dos casos de PAV.

Ref. 12: SCHUETZ, P., et al. Effect of procalcitonin-guided antibiotic treatment on mortality in acute respiratory infections: a patient level meta-analysis. Lancet Infect Dis, v. 18, n. 1, p. 95-107, 2018. Disponível em:(https://doi.org/10.1016/S1473-3099(17)30583-4). DOI: 10.1016/S1473-3099(17)30583-4.

Resumo: Meta-análise que valida o uso da Procalcitonina para guiar o encurtamento seguro da duração da terapia antibiótica em infecções respiratórias graves.

Ref. 13: MASTROGIANNI, M., et al. The Impact of Care Bundles on Ventilator-Associated Pneumonia (VAP) Prevention in Adult ICUs: A Systematic Review. Antibiotics, v. 12, n. 2, p. 227, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.3390/antibiotics12020227. DOI: 10.3390/antibiotics12020227.

Resumo: Revisão sistemática que mostra que bundles multifacetados são altamente eficazes na redução da PAV, destacando a importância da alta conformidade.

Ref. 14: COUTO, Catarina La Cueva et al. Nontuberculous Mycobacterial Infections: A Retrospective Analysis From a Tertiary Hospital in Portugal. Cureus, v. 16, n. 11, p. e74836, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.7759/cureus.74836. DOI: 10.7759/cureus.74836.

Resumo: Estudo retrospectivo que identificou o Mycobacterium avium (32%) como o agente NTM pulmonar mais prevalente, reforçando a associação com doença pulmonar estrutural prévia.

Ref. 15: GUIMARÃES, Márcio Martins de Queiroz; ROCCO, José Rodolfo. Prevalência e prognóstico dos pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica em um hospital universitário. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 32, n. 4, p. 302-308, 2006. Disponível em:(https://www.scielo.br/j/jbpneu/a/D6d4g4Kq4sM4FwD5gS5pTfH/?lang=pt).

Resumo: Estudo prospectivo que identificou a sinusite aguda (OR 38.8) como o principal fator de risco para PAVM e observou que a PAVM aumenta a morbidade, mas não a letalidade hospitalar na UTI no grupo estudado.

Ref. 16: BOUADMA, L., et al. Ventilator-associated events: prevalence, outcome, and relationship with ventilator-associated pneumonia. Crit Care Med, v. 43, n. 9, p. 1798-1806, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000001099. DOI: 10.1097/CCM.0000000000001099.

Resumo: Estudo que valida o VAE, mostrando sua forte associação com aumento da morbidade, uso de antibióticos e mortalidade (31%), reforçando sua relevância como métrica de qualidade.

Ref. 17: DE OLIVEIRA-RAMALHO, N. C., et al. Ventilator-Associated Events criteria in assessment of ventilator-associated pneumonia incidence: a Brazilian multicentric study. Braz J Infect Dis. 2025 (no prelo). Disponível em:(https://www.bjid.org.br/en-ventilator-associated-events-criteria-in-assessment-articulo-S1413867025000443). DOI: 10.1016/j.bjid.2025.100443.

Resumo: Estudo multicêntrico brasileiro que revelou a alta subjetividade dos critérios PAV tradicionais (85.7% de não confirmação), validando a maior objetividade da metodologia VAE e sugerindo a necessidade de aprimoramento na vigilância nacional.

 

Autora:

Karine Oliveira:

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