Entender como os profissionais de saúde percebem os programas de Prevenção e Controle de Infecções (PCI) é essencial para aprimorar práticas assistenciais e reduzir infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS).
É exatamente sobre isso que trata o artigo “Health care workers’ perceptions about infection prevention and control in Latin America”, publicado na American Journal of Infection Control em 2025.
Principal Achado
O estudo identificou que, embora os profissionais de saúde (PS) percebam alto nível de adesão pessoal às práticas de Controle de Infecção, essa percepção é significativamente menor quando se referem à adesão de seus colegas. Além disso, foi constatada uma lacuna importante na formação e no acesso a dados de Programa de Controle de Infecção (PCI), especialmente entre médicos.
Importância do Tema
A carga das IRAS e da resistência antimicrobiana é elevada em países latino-americanos. Diante desse cenário, entender como os profissionais enxergam as práticas de PCI permite identificar barreiras e oportunidades para fortalecer estratégias que assegurem a segurança do paciente.
O que já se sabia
Estudos anteriores mostravam que o engajamento da equipe assistencial e o apoio da liderança são fundamentais para o sucesso dos programas de PCI. Contudo, havia escassez de dados sobre as percepções dos próprios profissionais de saúde na América Latina.
Metodologia do Estudo
Foi conduzida uma pesquisa anônima e voluntária, entre agosto e setembro de 2022, com 1.340 profissionais de 30 hospitais em quatro países: Argentina, Equador, Guatemala e Panamá. Médicos, enfermeiros e profissionais de limpeza hospitalar foram os principais grupos recrutados.
Principais Resultados
- Percepção de adesão pessoal: 94,7% relataram alta adesão à higiene das mãos e 89% aos bundles de prevenção.
- Percepção da adesão dos colegas: os índices caíram para 81,1% (higiene das mãos) e 74,6% (bundles).
- Treinamento em PCI: recebido por 87,2% dos profissionais de limpeza, 65,1% dos enfermeiros e apenas 44,8% dos médicos.
- Acesso a indicadores de IRAS: 76,5% (limpeza), 60% (enfermeiros), 51,3% (médicos).
- Trabalho em equipe para melhoria da qualidade: percebido positivamente por 89,5% dos enfermeiros, 97% da limpeza e apenas 81,9% dos médicos.
- Participação da família nos cuidados: 73,1% relataram que familiares se envolvem diretamente na assistência ao paciente.
Conclusões dos Autores
Há claras oportunidades para fortalecer os programas de PCI na América Latina por meio de:
- Melhoria no acesso à formação e educação continuada.
- Aumento da transparência na divulgação de dados de adesão e IRAS.
- Integração dos médicos e outros profissionais em iniciativas de qualidade e segurança.
Fatores Limitantes
- A pesquisa utilizou uma amostragem por conveniência, concentrando-se em apenas quatro países.
- A distribuição do questionário dificultou o cálculo da taxa de resposta.
- Possível viés de desejabilidade social nas respostas.
Recomendações dos Autores
- Investir em sistemas eletrônicos de vigilância.
- Aumentar o número de profissionais e o orçamento dedicado à PCI.
- Estimular a cultura de segurança com apoio da liderança hospitalar.
- Fortalecer a colaboração entre comitês de segurança do paciente, microbiologia e stewardship.
Comentário Adicional
Este estudo reforça o papel estratégico da equipe multidisciplinar na efetividade dos programas de PCI. As diferenças de percepção entre as categorias profissionais indicam a necessidade de abordagens formativas mais equitativas e personalizadas. A visibilidade dos dados de desempenho deve ser democratizada para todos os envolvidos no cuidado.
Fonte:
FABRE, Valeria et al. Health care workers’ perceptions about infection prevention and control in Latin America. American Journal of Infection Control, v. 53, p. 222–227, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ajic.2024.10.004.
Artigos relacionados:
CHIN, Valencia V.; CHEN, Wen-Bin; CHEN, Chien-Hsing; TU, Chi-Wen; LIN, Hsiu-Fen; CHEN, Mei-Yu. Knowledge, attitudes, and practices of Jamaican healthcare workers on nosocomial infection control. Journal of Microbiology, Immunology and Infection, 2023. Nota: Volume, número de fascículo, páginas e DOI não disponíveis nas informações fornecidas.
FABRE, Valeria; COSGROVE, Sara E.; SECAIRA, Clara; TAPIA TORREZ, Juan Carlos; LESSA, Fernanda C.; PATEL, Twisha S.; QUIROS, Rodolfo. Antimicrobial stewardship in Latin America: Past, present, and future. Antimicrobial Stewardship & Healthcare Epidemiology, v. 2, n. 1, e68, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ash.2022.47.
FABRE, Valeria et al. Contextual barriers to infection prevention and control program implementation in hospitals in Latin America: a mixed methods evaluation. Antimicrobial Resistance & Infection Control, v. 13, n. 1, p. 132, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s13756-024-01484-4.
FABRE, Valeria et al. Health care workers’ perceptions about infection prevention and control in Latin America. American Journal of Infection Control, v. 53, p. 222–227, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ajic.2024.10.004.
GOMES, Paloma Menezes; LINS, Mikaeli Lisle Dantas; CASTRO, Rebecca Dianci Andrades de; MELO, Quezia Catharinne Cavalcante de; SANTOS, Pollyanna de Ulhôa; TEIXEIRA, Anita Coelho dos Santos; SOUSA, Silvely Tiemi Kojo; FERREIRA, Marcus Vinicius Nascimento; ALMEIDA, Mirian Cristina dos Santos. Intervenção educativa sobre medidas de biossegurança com trabalhadores da saúde no enfrentamento da COVID 19. SciELO Preprints, 2025. Preprint. Disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.10991.
RODRÍGUEZ-GONZÁLEZ, Robert; GALLOZA, Aleksis; MEDINA, Edgar J.; OLIVER, Valeria; RODRÍGUEZ, Natalia I.; RAMOS-COLÓN, Elizabeth; VELÁZQUEZ-FERRER, Mileily; RIVERA-ALERS, Dayaneira; VARGAS, Wanda; RIVERA-AMILL, Vanessa. Preventive Measures among Healthcare Workers (HCWs) during the COVID-19 Pandemic in Puerto Rico: A Cross-Sectional Study. Healthcare, v. 11, n. 5, p. 747, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.3390/healthcare11050747.
O Elo Frágil da Prevenção: O Que Está Faltando no Controle de Infecções em Instituições de Longa Permanência?: https://bit.ly/44EeBcC
Além do controle: como a CCIH pode se tornar o centro de inteligência para a qualidade assistencial: https://bit.ly/3S5Ghzt
Conclusões a partir deste estudos levantados:
Temas Emergentes, Consistências e Lacunas de Conhecimento na Literatura Latino-Americana sobre PCI
A análise conjunta dos estudos sobre Prevenção e Controle de Infecções (PCI) na América Latina, incluindo o trabalho seminal de Fabre et al. (2025) e pesquisas correlatas, revela temas recorrentes, consistências nos achados e importantes lacunas de conhecimento que merecem atenção.
3.1. A Persistente Dissonância Perceptiva: Autoavaliação vs. Avaliação dos Pares
O achado central de Fabre et al. (2025) sobre a significativa diferença entre a alta percepção de adesão pessoal às práticas de PCI e a percepção consideravelmente menor da adesão dos colegas é um tema que ressoa em diversas discussões sobre comportamento profissional e cultura de segurança. Esta dissonância não é exclusiva da América Latina, mas sua manifestação na região, conforme detalhado no estudo, levanta questões importantes.
As possíveis explicações para este fenômeno são multifatoriais. O viés de desejabilidade social, onde os indivíduos tendem a apresentar uma imagem mais favorável de si mesmos, é uma consideração relevante, como apontado pelos próprios autores. Adicionalmente, a ausência de sistemas de feedback transparentes e objetivos sobre o desempenho em PCI pode contribuir para essa discrepância. Em ambientes onde não há uma cultura de avaliação construtiva e aprendizado com os erros, mas sim uma tendência à culpabilização, as percepções podem se tornar distorcidas. É possível, também, que exista uma real variabilidade na adesão entre os profissionais, e a percepção da adesão dos colegas reflita, em parte, essa realidade. A falta de acesso a dados consolidados sobre as taxas de IRAS e os níveis de adesão às práticas de PCI, um problema destacado por Fabre et al. (2025) , provavelmente exacerba essa dissonância. Sem dados objetivos para balizar as avaliações, as percepções tendem a ser moldadas por observações anedóticas, experiências pessoais e vieses cognitivos.
A ausência de uma discussão aberta e da disponibilidade de dados transparentes sobre a adesão às práticas de PCI e as taxas de IRAS pode perpetuar uma cultura onde os problemas não são reconhecidos coletivamente. Isso, por sua vez, pode levar a percepções individuais potencialmente inflacionadas sobre a própria performance e, simultaneamente, a uma subestimação da performance dos outros. Se não existem dados objetivos e compartilhados sobre o desempenho da equipe ou as taxas de infecção, os profissionais podem basear suas percepções em autoavaliações (que tendem a ser otimistas devido ao viés de desejabilidade social) e em observações pontuais – e talvez desproporcionalmente negativas – do comportamento dos colegas. Em uma cultura organizacional que não promove a discussão franca sobre erros ou desvios de práticas , é menos provável que os profissionais discutam abertamente as dificuldades de adesão ou busquem soluções de forma conjunta. Este cenário pode levar a uma situação onde cada um acredita que “eu estou fazendo a minha parte, mas os outros não estão”, sem um entendimento real do desempenho coletivo ou das barreiras compartilhadas que afetam a todos. Portanto, promover a transparência dos dados (de forma não punitiva) e fomentar uma cultura de segurança psicológica, onde os desafios da adesão possam ser discutidos abertamente, são passos cruciais para alinhar as percepções e impulsionar a melhoria coletiva das práticas de PCI.
3.2. O Desafio do Engajamento Médico em PCI
A constatação de Fabre et al. (2025) de que os médicos, em comparação com outras categorias profissionais, recebem menos treinamento em PCI, têm acesso mais limitado a dados de IRAS e demonstram uma percepção menos positiva sobre a eficácia do trabalho em equipe para a melhoria da qualidade é um achado de particular criticidade. Este padrão não é um caso isolado e encontra paralelos em outros contextos e áreas da segurança do paciente.
Estes achados estão em consonância com as observações de Fabre et al. (2022) sobre a resistência de alguns médicos a aceitar recomendações de programas de stewardship de antimicrobianos. Ambos os comportamentos podem estar ligados aos “determinantes culturais” e às hierarquias profissionais mencionadas por Fabre et al. (2024) como barreiras à implementação de PCI. As possíveis causas para este menor engajamento médico são diversas e podem incluir a percepção de que a PCI é uma responsabilidade primariamente da equipe de enfermagem, a alegação de falta de tempo devido a outras demandas assistenciais, currículos de graduação e residência médica que dedicam espaço insuficiente à PCI, ou uma cultura profissional que, em certos aspectos, valoriza mais a autonomia individual do que a padronização de processos e o trabalho colaborativo em áreas como a prevenção de infecções.
Os médicos desempenham um papel de liderança clínica essencial, e seus comportamentos e atitudes exercem uma influência significativa sobre toda a equipe de saúde. No entanto, paradoxalmente, eles parecem ser o grupo profissional com o maior déficit de engajamento formal com os programas de PCI. Os médicos tomam decisões cruciais que afetam diretamente o risco de infecção para os pacientes, como a indicação e o manejo de dispositivos invasivos ou a prescrição de antimicrobianos. Sua adesão rigorosa às práticas de PCI, como a higiene das mãos antes do contato com o paciente e a aplicação de técnicas assépticas em procedimentos, é vital para a prevenção de IRAS. Contudo, o estudo de Fabre et al. (2025) demonstra que eles frequentemente possuem menos treinamento específico e acesso mais restrito a dados relevantes de PCI. Se os líderes clínicos não estão plenamente engajados ou informados sobre as melhores práticas e os resultados locais de PCI, torna-se extremamente difícil criar e sustentar uma cultura de segurança robusta em toda a instituição. A percepção menos positiva dos médicos sobre o trabalho em equipe voltado para a melhoria da qualidade pode indicar que eles não se veem como parte integral dessas iniciativas, ou que não as valorizam tanto quanto outras atividades clínicas. Consequentemente, estratégias específicas e direcionadas para engajar os médicos são urgentemente necessárias. Tais estratégias podem incluir: a incorporação mais robusta e transversal da PCI nos currículos de graduação e residência médica; o desenvolvimento de programas de educação continuada que sejam adaptados às necessidades, horários e formatos de aprendizagem preferidos pelos médicos; a apresentação de dados de IRAS e de adesão de forma clinicamente relevante, demonstrando o impacto direto nos desfechos dos pacientes; o envolvimento ativo de médicos como “campeões” e líderes em iniciativas de PCI; e o reconhecimento e a valorização institucional da sua participação em comitês e projetos de melhoria da qualidade e segurança.
3.3. A Centralidade da Atitude e a Insuficiência do Conhecimento Isolado
O estudo jamaicano de Chin et al. (2023) traz à luz um aspecto fundamental: a atitude dos profissionais de saúde, mais do que o seu nível de conhecimento técnico, parece ser o principal preditor da prática efetiva de PCI. Este achado tem implicações profundas para o desenho e a implementação de intervenções em PCI.
Esta conclusão sugere que as estratégias de PCI devem transcender a simples disseminação de informações e protocolos. A promoção de uma “cultura de segurança” e a garantia do “apoio da liderança”, conforme recomendado por Fabre et al. (2025) , são elementos fundamentais para moldar atitudes positivas e proativas em relação à PCI. Se os profissionais não acreditam genuinamente na importância das medidas, ou se as percebem como impraticáveis ou excessivamente onerosas em seu contexto de trabalho, é improvável que a adesão seja consistente, mesmo que possuam o conhecimento teórico necessário. Uma lacuna importante na literatura latino-americana reside na escassez de estudos que investiguem como medir de forma confiável e intervir eficazmente sobre as atitudes dos profissionais de saúde em relação à PCI, considerando as especificidades culturais e contextuais da região.
Muitos profissionais “sabem” o que deve ser feito em termos de PCI, mas, por diversas razões, nem sempre “fazem”. A atitude em relação à importância percebida, à exequibilidade e ao benefício esperado dessas práticas parece ser o fator determinante que preenche (ou não) essa lacuna entre o saber e o fazer. O estudo de Chin et al. (2023) corrobora essa ideia ao mostrar que a prática se correlaciona significativamente com a atitude, e não com o conhecimento isolado. Fabre et al. (2025) recomendam “estimular a cultura de segurança com apoio da liderança hospitalar”. Uma cultura de segurança positiva, por definição, promove atitudes favoráveis à PCI, pois valoriza a prevenção, a transparência e a responsabilidade compartilhada. As barreiras contextuais identificadas por Fabre et al. (2024), como a falta de recursos e o apoio insuficiente da liderança , podem, inversamente, gerar atitudes negativas entre os profissionais (por exemplo, pensamentos como “não adianta tentar, pois não temos o material necessário” ou “a chefia não se importa com isso”). A percepção de que os colegas não aderem às práticas, conforme relatado por Fabre et al. (2025) , também pode influenciar negativamente a atitude individual, levando a um sentimento de “por que só eu devo me esforçar?”. Portanto, as intervenções devem focar em construir e reforçar atitudes positivas. Isso inclui: garantir que os recursos necessários estejam consistentemente disponíveis (para que as práticas sejam percebidas como exequíveis); demonstrar o compromisso da liderança através de ações concretas e visíveis; compartilhar histórias de sucesso e o impacto positivo da PCI nos desfechos dos pacientes (tornando o benefício tangível); utilizar o feedback de desempenho (auditoria) de forma construtiva e educativa, e não punitiva; e envolver ativamente os profissionais na solução de problemas e na adaptação de diretrizes à realidade local, promovendo um senso de propriedade e corresponsabilidade.
3.4. Barreiras Sistêmicas e a Necessidade de Soluções Integradas
Estudos como o de Fabre et al. (2024) explicitam de forma contundente a presença e o impacto de barreiras sistêmicas que obstaculizam a implementação eficaz de programas de PCI na América Latina. Estas barreiras incluem a falta de pessoal adequado em número e qualificação, a escassez de recursos materiais e financeiros, o apoio insuficiente ou inconsistente por parte das lideranças hospitalares e, inclusive, “determinantes culturais” que podem influenciar as interações e a adesão a protocolos.
Essas barreiras sistêmicas impactam diretamente a capacidade dos profissionais de saúde de aderir consistentemente às práticas de PCI e de participar de programas de treinamento e educação continuada. Por consequência, influenciam suas percepções, atitudes e motivação. A elevada carga de IRAS frequentemente observada em países de baixa e média renda é, em grande medida, um reflexo dessas deficiências estruturais e organizacionais. Uma lacuna notável na pesquisa regional é a carência de estudos de intervenção robustos que avaliem a eficácia de abordagens multifacetadas, capazes de abordar simultaneamente as necessidades do indivíduo (conhecimento, habilidades, atitudes), da equipe (comunicação, colaboração) e do sistema (recursos, processos, cultura organizacional).
As deficiências em nível de sistema – como a inadequação de recursos, a sobrecarga de pessoal e a falta de um direcionamento claro e apoio da liderança – criam um ambiente onde as melhores intenções e o conhecimento individual sobre PCI podem não se traduzir em práticas consistentes e seguras. Fabre et al. (2024) apontam para a falta de pessoal e de recursos como barreiras chave para a implementação de programas de PCI. Se um enfermeiro está sobrecarregado com um número excessivo de pacientes, a prática da higiene das mãos entre cada contato com o paciente pode ser comprometida devido à pressão do tempo, mesmo que o profissional conheça e acredite na importância fundamental dessa medida. Se faltam insumos básicos, como álcool em gel, sabão antisséptico ou Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados, a adesão se torna, em muitos casos, impossível. A ausência de um apoio efetivo da liderança pode levar à não priorização da PCI nas alocações orçamentárias, perpetuando a escassez de recursos materiais e de pessoal treinado. Este ciclo de deficiências pode gerar frustração, desânimo e cinismo entre os profissionais, afetando negativamente suas atitudes (conforme sugerido por Chin et al. ) e suas percepções sobre a adesão dos colegas (como observado por Fabre et al. 2025 ). Diante disso, as recomendações de Fabre et al. (2025) para “aumentar o número de profissionais e o orçamento dedicado à PCI” e “estimular a cultura de segurança com apoio da liderança hospitalar” são cruciais, pois abordam diretamente essas barreiras sistêmicas. Sem a resolução dessas questões fundamentais, as intervenções focadas exclusivamente no treinamento individual ou em campanhas pontuais terão um impacto limitado e dificilmente sustentável a longo prazo.
3.5. O Papel Crítico do Treinamento: Quantidade, Qualidade e Continuidade
A necessidade premente de melhoria no acesso à formação inicial e à educação continuada em PCI é um tema que emerge de forma consistente e recorrente na literatura analisada. Diversos estudos, incluindo os de Fabre et al. (2025), Fabre et al. (2024) e Chin et al. (2023), apontam para deficiências significativas nesta área.
Os desafios relacionados ao treinamento em PCI transcendem a simples questão de oferecer “mais horas de aula”. Trata-se, fundamentalmente, de garantir que o treinamento seja eficaz, ou seja, que resulte em mudanças positivas e duradouras no conhecimento, nas atitudes e, principalmente, nas práticas dos profissionais. Para isso, o treinamento deve ser adaptado às necessidades específicas das diferentes categorias profissionais, como demonstrado pela variabilidade na participação e nos resultados entre médicos, enfermeiros e outras equipes. Além disso, a continuidade do treinamento é essencial. O estudo de Chin et al. (2023) revelou uma baixa taxa de participação em programas de treinamento contínuo , o que é preocupante, dado que o conhecimento e as práticas em PCI precisam ser constantemente reforçados e atualizados. Finalmente, o conteúdo do treinamento deve abordar não apenas o conhecimento técnico (“o quê” e “como” fazer), mas também as atitudes (“porquê” fazer e a crença na eficácia) e o desenvolvimento de habilidades práticas através de métodos ativos de aprendizagem. Uma lacuna importante na pesquisa regional é a ausência de estudos que comparem, de forma robusta, a eficácia de diferentes modelos e metodologias de treinamento em PCI para distintas categorias profissionais e em variados contextos hospitalares na América Latina.
O treinamento em PCI é frequentemente tratado como um evento pontual, uma obrigação a ser cumprida na admissão do profissional ou esporadicamente. No entanto, para que seja verdadeiramente eficaz na promoção de uma cultura de segurança e na redução das IRAS, o treinamento deve ser concebido e implementado como um processo contínuo, dinâmico e integrado à prática diária dos profissionais de saúde. Fabre et al. (2025) identificam uma lacuna significativa na formação em PCI, especialmente entre os médicos. Chin et al. (2023) descobriram que, embora 60% dos profissionais de saúde tivessem recebido algum treinamento nos últimos três anos, apenas 22,5% participavam de programas de treinamento contínuo. Adicionalmente, o estudo de Gomes et al. (2025) mostrou que um mesmo tipo de treinamento pode ser eficaz para uma prática específica (como a higiene das mãos), mas não necessariamente para outra mais complexa (como o uso adequado de EPI). É importante reconhecer que o conhecimento e as diretrizes de PCI evoluem constantemente. Novas ameaças infecciosas (como as vistas em pandemias) podem surgir, exigindo a rápida adaptação de protocolos e práticas. A rotatividade de pessoal nas instituições de saúde é uma realidade que também demanda um esforço contínuo de capacitação. Portanto, um treinamento inicial, por mais abrangente e bem elaborado que seja, terá sua eficácia limitada no tempo se não for sistematicamente reforçado, atualizado e adaptado às necessidades emergentes. As instituições de saúde na América Latina precisam investir em programas de treinamento em PCI que sejam: a) Regulares e Contínuos: não se limitando ao momento da admissão, mas incluindo reciclagens periódicas e atualizações frequentes; b) Adaptados: às necessidades específicas de cada categoria profissional e aos riscos inerentes a cada setor do hospital; c) Práticos: utilizando metodologias ativas de aprendizagem, como simulações, estudos de caso e observação direta da prática com feedback, em vez de se restringir a abordagens puramente teóricas; d) Integrados: com os sistemas de vigilância, auditoria e feedback de desempenho, para que o aprendizado seja aplicado, monitorado e corrigido quando necessário; e e) Abrangentes: cobrindo não apenas o “o quê” e o “como” das práticas de PCI, mas também o “porquê”, reforçando as atitudes positivas e a compreensão do impacto dessas práticas na segurança do paciente.
4. Conclusões e Recomendações Futuras
A análise dos estudos sobre as percepções dos profissionais de saúde em relação à Prevenção e Controle de Infecções (PCI) na América Latina, com destaque para o trabalho de Fabre et al. (2025) e as pesquisas correlatas aqui apresentadas , converge para a identificação de desafios significativos e oportunidades de melhoria. Compreender como os profissionais que estão na linha de frente do cuidado percebem e vivenciam a PCI é vital para o desenvolvimento de estratégias eficazes e sustentáveis. Os achados consolidados indicam a persistência de uma dissonância perceptiva entre a autoavaliação da adesão às práticas de PCI e a avaliação da adesão dos colegas. Observam-se lacunas importantes na formação e no acesso a dados, especialmente entre a categoria médica, que também demonstra uma percepção menos favorável sobre o trabalho em equipe para a melhoria da qualidade. Emerge com clareza a centralidade das atitudes dos profissionais, que parecem influenciar mais diretamente as práticas do que o conhecimento técnico isolado. Finalmente, o impacto negativo de barreiras sistêmicas – como recursos inadequados, falta de pessoal e apoio insuficiente da liderança – sobre a capacidade de implementação e a motivação dos profissionais é inegável.
Estes achados têm implicações diretas para o delineamento de políticas de saúde e para a gestão das práticas assistenciais na América Latina. Torna-se imperativo o investimento em programas de PCI que sejam robustos, multifacetados e capazes de abordar tanto os comportamentos individuais e de equipe quanto os fatores sistêmicos e organizacionais. É urgente o desenvolvimento e a implementação de estratégias eficazes para promover o engajamento da categoria médica, reconhecendo seu papel crucial como líderes clínicos e formadores de opinião. A priorização da criação e manutenção de uma cultura de segurança positiva, caracterizada por uma liderança visivelmente comprometida, comunicação transparente e acesso facilitado a dados de desempenho, é fundamental. Adicionalmente, os programas de treinamento em PCI necessitam de uma reformulação profunda, de modo a se tornarem contínuos, eminentemente práticos, adaptados às realidades e necessidades de cada grupo profissional e focados não apenas na transmissão de conhecimento, mas também na modelagem de atitudes e no desenvolvimento de habilidades.
No que tange às direções para pesquisas futuras na América Latina, algumas áreas se destacam como prioritárias. São necessários mais estudos de intervenção, com desenhos metodológicos robustos, que avaliem a eficácia de diferentes abordagens para melhorar a adesão às práticas de PCI, com ênfase particular na mensuração de mudanças de atitude e comportamento a longo prazo. Pesquisas qualitativas aprofundadas podem oferecer insights valiosos para a compreensão dos “determinantes culturais” específicos da região e das percepções particulares de diferentes categorias profissionais, desvendando as complexidades subjacentes aos comportamentos observados. O desenvolvimento e a validação de ferramentas e instrumentos adaptados ao contexto latino-americano para medir a cultura de segurança e as atitudes em relação à PCI também representam uma necessidade importante. Por fim, considerando o achado de Fabre et al. (2025) de que 73,1% dos profissionais relataram o envolvimento direto de familiares na assistência ao paciente , estudos sobre o impacto da participação do paciente e da família nas práticas de PCI e na redução das IRAS poderiam revelar novas avenidas para intervenção.
Sinopse por:
Karine Oliveira:
https://www.linkedin.com/in/karine-oliveira-789815b4/
https://www.instagram.com/karine_oliveiraoficial/
Antonio Tadeu Fernandes:
https://www.linkedin.com/in/mba-gest%C3%A3o-ccih-a-tadeu-fernandes-11275529/
https://www.instagram.com/tadeuccih/
#pequisaqualitativa #percepção #profissionaisdesaúde #PAS #ccih #PCIH
Instituto CCIH+ Parceria permanente entre você e os melhores professores na sua área de atuação
Conheça nossos cursos de especialização ou MBA:
MBA Gestão em Saúde e Controle de Infecção
MBA Gestão em Centro de Material e Esterilização
MBA EQS – Gestão da Segurança do Paciente e governança clínica