Resumo do que o novo guia APIC recomenda para prevenção de infecção do trato urinário associada a cateteres
Objetivo do Guia
O guia tem por objetivo estabelecer práticas baseadas em evidências científicas para reduzir a incidência das infecções do trato urinário associadas ao uso de cateteres (CAUTI). Essas infecções são frequentes no ambiente hospitalar e têm um significativo impacto sobre a morbidade, mortalidade e custos assistenciais.
Entidades Responsáveis
O guia foi desenvolvido por entidades renomadas, incluindo a Society for Healthcare Epidemiologists of America (SHEA), Infectious Disease Society of America (IDSA) e a Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology (APIC). Além disso, orientações regulatórias e padrões são fornecidos pelos Centers for Medicare & Medicaid Services (CMS), The Joint Commission (TJC), Det Norske Veritas (DNV) e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
Revisão Bibliográfica, Fontes e Critérios de Seleção
A revisão bibliográfica foi feita a partir de diretrizes baseadas em evidências (EBGs) e documentos de consenso elaborados por especialistas quando as evidências disponíveis eram insuficientes. As principais fontes incluem:
- CDC (Diretrizes para Prevenção de CAUTI, 2009)
- Atualização de 2022 das estratégias SHEA/IDSA/APIC
- Capítulos específicos do texto APIC sobre acreditação e vigilância.
A metodologia para seleção dos artigos consistiu em uma revisão detalhada e rigorosa das evidências científicas disponíveis, classificando as melhores práticas segundo a atualidade e relevância clínica. Entretanto, o guia não especifica diretamente o número exato de artigos encontrados ou critérios detalhados utilizados para classificação e seleção segundo o método GRADE, o que pode resultar em certo viés em suas conclusões.
Avaliação da Qualidade do Guia (Sistema GRADE)
Embora o guia utilize referências e práticas reconhecidas internacionalmente, ele não descreve especificamente o emprego do sistema GRADE para classificar diretamente a força das recomendações, o que limita sua transparência metodológica nesse aspecto específico. Esta é uma falha importante deste guia sob o ponto de vista de evidências científicas.
Recomendações e seu Fundamento
- Uso racional de dispositivos urinários:
- O guia recomenda o uso de dispositivos urinários permanentes (DIU) apenas quando há clara indicação clínica, com o objetivo de reduzir o tempo de exposição e, consequentemente, o risco de infecção. Recomenda-se também métodos alternativos, como cateteres externos ou cateterização intermitente, que apresentam menor risco infeccioso.
- Técnicas assépticas rigorosas na inserção e manutenção:
- Justifica-se pela comprovação de que práticas inadequadas aumentam significativamente o risco de infecção, especialmente quando há quebra da técnica asséptica ou desconexão do sistema fechado. A manutenção de um sistema fechado reduz substancialmente a contaminação bacteriana do ambiente.
- Uso de listas de verificação e protocolos claros:
- Esses elementos são justificados por sua capacidade comprovada de reduzir erros humanos, melhorar a adesão às melhores práticas e garantir consistência na inserção e manutenção dos cateteres urinários.
- Coleta correta de amostras para cultura:
- É recomendada a coleta da amostra diretamente do tubo ou porta do cateter, e não do saco coletor, porque a urina no saco pode estar contaminada com resíduos anteriores, resultando em culturas inadequadas e tratamentos desnecessários com antibióticos.
- Garantir fluxo contínuo e desobstruído de urina:
- A justificativa para esta recomendação é que obstruções ou refluxo urinário aumentam o risco de infecção devido à estase urinária, facilitando a proliferação bacteriana.
- Cuidados de higiene perineal rigorosos:
- Justifica-se porque as bactérias das fezes podem contaminar o dispositivo urinário permanente e causar infecções urinárias. Cuidados perineais adequados são, portanto, essenciais para reduzir esse risco.
- Remoção precoce do cateter urinário:
- Cada dia adicional com o cateter aumenta o risco de infecção urinária associada ao dispositivo. Portanto, recomenda-se avaliações diárias para determinar a continuidade ou retirada do cateter, baseado em critérios rigorosos.
Essas recomendações são fundamentadas em diversos estudos demonstrando que práticas de higiene, indicação clara e técnica adequada reduzem significativamente os riscos de CAUTI.
Pontos em Aberto para Pesquisas Futuras
O guia sugere a necessidade de pesquisas adicionais sobre métodos mais eficazes de redução da colonização do cateter, o impacto de novos materiais antimicrobianos e técnicas específicas para prevenção de infecções durante o uso prolongado do cateter urinário. Também aponta a necessidade de estudos mais robustos sobre práticas avançadas, como o uso de clorexidina para limpeza do cateter.
Aplicabilidade Prática
Este guia é altamente aplicável à prática clínica hospitalar, especialmente em unidades de cuidados intensivos, emergências e centros de reabilitação, onde o uso de cateteres urinários é frequente. A aplicabilidade inclui protocolos claros, ferramentas práticas para treinamento e métricas específicas para monitorar a adesão às melhores práticas sugeridas.
Análise Crítica
O guia é abrangente e tem sólido embasamento científico, porém apresenta lacunas na descrição da metodologia para classificação das evidências segundo o sistema GRADE, o que poderia aprimorar sua transparência e aplicabilidade rigorosa na prática baseada em evidências. Contudo, mantém alta aplicabilidade prática e é de fácil implementação, especialmente devido às orientações claras e objetivas para profissionais de saúde. Infelizmente pouco acrescenta ao que já sabemos, reforçando apenas práticas bem estabelecidas, mas muitas vezes não empregadas.
Fonte:
Society for Healthcare Epidemiologists of America; Infectious Disease Society of America; Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology. Guia para prevenir infecções do trato urinário associadas a cateteres (CAUTI): atualização de 2025. 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1017/ice.2022.87. Acesso em: 28 mar. 2025.
Fontes relacionadas:
- Meddings J, Manojlovich M, Fowler KE, et al. A tiered approach for preventing catheter-associated urinary tract infection. Ann Intern Med. 2019;171(7 Suppl):S30-S37. Disponível em: https://doi.org/10.7326/M18-3482. Acesso em: 28 mar. 2025.
- Saint S, Greene MT, Krein SL, et al. A Program to Prevent Catheter-Associated Urinary Tract Infection in Acute Care. N Engl J Med. 2016;374(22):2111-2119. Disponível em: https://doi.org/10.1056/NEJMoa1504906. Acesso em: 28 mar. 2025.
- “Cateterismo Vesical: Desafios e Soluções para Prevenção de Infecções”. Disponível em: https://www.ccih.med.br/cateterismo-vesical-desafios-e-solucoes-para-prevencao-de-infeccoes/. Acesso em: 28 mar. 2025.
- “Prevenção de infecções do trato urinário associadas ao uso de cateteres urinários: o que há de novo?”. Disponível em: https://www.ccih.med.br/prevencao-de-infeccoes-do-trato-urinario-associadas-ao-uso-de-cateteres-urinarios-o-que-ha-de-novo/.
FAQ: Prevenção de Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter (ITU-AC)
1. O que é uma Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter (ITU-AC ou CAUTI)?
É uma infecção do trato urinário que ocorre em um paciente que está ou esteve recentemente (até 48 horas após a remoção) com um cateter vesical de demora (CVD) ou sonda vesical de demora (SVD). É uma das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) mais comuns em todo o mundo.
- Referência: Guia para Prevenção de Infecções do Trato Urinário Associada a Cateteres (SVD) – ccih.med.br
2. Por que a prevenção da ITU-AC é tão importante para a segurança do paciente?
A ITU-AC aumenta o tempo de internação hospitalar, os custos do tratamento, o uso de antimicrobianos (contribuindo para a resistência bacteriana) e, em casos graves, pode levar a complicações como pielonefrite, bacteremia e sepse, aumentando a mortalidade.
- Referência: Catheter-Associated Urinary Tract Infections (CAUTI) – Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
3. Qual é a medida isolada mais importante para prevenir a ITU-AC?
A medida mais eficaz é evitar o uso desnecessário do cateter vesical de demora. O cateterismo deve ser realizado apenas quando estritamente indicado e o dispositivo deve ser removido assim que a indicação cessar.
- Referência: Prevenção de Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical de Demora – Caderno 4 – Anvisa
4. Quais são as indicações apropriadas para o uso de um cateter vesical de demora?
As principais indicações incluem: 1) Retenção urinária aguda ou obstrução do fluxo; 2) Cirurgias urológicas ou outras cirurgias de grande porte; 3) Monitoramento rigoroso do débito urinário em pacientes críticos; 4) Para auxiliar na cicatrização de feridas perineais ou sacrais em pacientes incontinentes.
- Referência: Guia para Prevenção de Infecções do Trato Urinário Associada a Cateteres (SVD) – ccih.med.br
5. Quais são os usos inadequados mais comuns de um cateter vesical?
O uso inadequado mais comum é para o manejo da incontinência urinária em pacientes não críticos ou como um substituto para a assistência de enfermagem na mobilização do paciente para urinar. A imobilidade ou a conveniência da equipe não são indicações para o cateterismo de demora.
6. Qual o papel do médico na prevenção da ITU-AC?
O papel do médico é primordialmente avaliar diariamente a necessidade da permanência do cateter. A prescrição médica deve incluir a indicação do cateter, e sua reavaliação diária é fundamental para garantir a remoção precoce do dispositivo.
7. Qual a responsabilidade da equipe de enfermagem na prevenção?
A enfermagem é responsável pela inserção asséptica do cateter, pela manutenção diária (higiene perineal, manutenção do sistema fechado), por garantir o posicionamento correto da bolsa coletora e, crucialmente, por lembrar a equipe médica sobre a necessidade de reavaliar a indicação e remover o cateter.
8. O que é a “manutenção do sistema de drenagem fechado”?
Significa que o circuito entre o cateter, o tubo de drenagem e a bolsa coletora nunca deve ser desconectado. A desconexão desnecessária quebra a barreira estéril e é uma porta de entrada para microrganismos. As amostras de urina devem ser coletadas de forma asséptica através do dispositivo de coleta da sonda.
- Referência: Prevenção de Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical de Demora – Caderno 4 – Anvisa
9. Qual a posição correta da bolsa coletora de urina?
A bolsa coletora deve ser mantida sempre abaixo do nível da bexiga do paciente e não deve tocar o chão. Isso previne o refluxo de urina da bolsa para a bexiga, o que aumentaria significativamente o risco de infecção.
- Referência: Guia para Prevenção de Infecções do Trato Urinário Associada a Cateteres (SVD) – ccih.med.br
10. Qual a diferença entre Bacteriúria Assintomática (BA) e ITU-AC?
A Bacteriúria Assintomática é a presença de bactérias na urina de um paciente cateterizado sem sinais ou sintomas de infecção (febre, dor suprapúbica, urgência, etc.). Já a ITU-AC requer a presença de sinais e sintomas além da cultura de urina positiva.
11. Devemos tratar a Bacteriúria Assintomática em um paciente com cateter?
Não. O tratamento da bacteriúria assintomática em pacientes cateterizados não traz benefícios, não previne o desenvolvimento de infecção sintomática e contribui para o aumento da resistência antimicrobiana. O foco deve ser na remoção do cateter, não no tratamento da colonização.
- Referência: Clinical Practice Guideline for the Management of Asymptomatic Bacteriuria: 2019 Update by the IDSA
12. Como o farmacêutico pode ajudar na prevenção da ITU-AC?
O farmacêutico tem um papel crucial no programa de Antimicrobial Stewardship, ajudando a evitar o tratamento inadequado da bacteriúria assintomática. Ele pode questionar prescrições de antibióticos baseadas apenas em uroculturas de rotina e educar a equipe sobre o uso racional desses medicamentos.
13. O cateter e a bolsa coletora devem ser trocados rotineiramente?
Não. A troca programada ou rotineira do cateter ou do sistema de drenagem não é recomendada e pode aumentar o risco de infecção por trauma uretral e quebra do sistema fechado. A troca só deve ser feita se houver obstrução, vazamento ou infecção clinicamente manifesta.
- Referência: CDC Guideline for Prevention of CAUTI (2009)
14. Quais são as alternativas ao cateterismo vesical de demora?
As alternativas incluem o uso de cateterismo intermitente (“de alívio”), dispositivos externos para incontinência masculina (tipo “pen-rose” adaptado) e, em alguns casos, o cateterismo suprapúbico. A escolha depende da condição clínica do paciente.
15. O uso de cateteres impregnados com antimicrobianos ou antissépticos é recomendado?
O uso rotineiro não é recomendado pela maioria das diretrizes, incluindo as da Anvisa. Embora alguns estudos mostrem uma pequena redução na bacteriúria, não há evidências fortes de que eles reduzam as infecções sintomáticas. O foco deve ser nas práticas básicas de prevenção.
16. Como deve ser realizada a higiene perineal em um paciente cateterizado?
A higiene deve ser realizada diariamente, com água e sabão, e sempre que houver necessidade. O uso rotineiro de antissépticos para a limpeza do meato uretral não é recomendado, pois não demonstrou benefício e pode irritar a mucosa.
- Referência: Prevenção de Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical de Demora – Caderno 4 – Anvisa
17. O que é um “bundle” de prevenção de ITU-AC?
Um bundle é um conjunto de 3 a 5 práticas baseadas em evidências que, quando aplicadas de forma consistente e conjunta, resultam em uma melhora significativa. Para ITU-AC, o bundle geralmente inclui: 1) Evitar cateterismo desnecessário; 2) Usar técnica asséptica na inserção; 3) Manter o sistema fechado; 4) Revisar diariamente a necessidade e remover o quanto antes.
18. Como a cultura de segurança do hospital impacta as taxas de ITU-AC?
Uma forte cultura de segurança, que empodera a equipe de enfermagem a questionar a necessidade do cateter e promove uma comunicação aberta e respeitosa com a equipe médica, é fundamental para garantir a adesão às melhores práticas e a remoção precoce do dispositivo.
- Referência: Segurança Psicológica na Prática Clínica: Segurança para Profissionais e Pacientes – ccih.med.br
19. É necessário coletar urocultura de rotina em pacientes cateterizados?
Não. A coleta de urocultura em pacientes assintomáticos é desaconselhada. Isso leva à detecção de bacteriúria assintomática, que frequentemente resulta em tratamento antibiótico inadequado. A urocultura só deve ser coletada se houver sinais e sintomas que sugiram ITU-AC.
20. Onde encontro as diretrizes oficiais brasileiras sobre prevenção de ITU-AC?
As diretrizes oficiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estão disponíveis publicamente e servem como principal referência para os serviços de saúde em todo o Brasil.
Sinopse por:
Antonio Tadeu Fernandes:
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