Dispositivos automatizados que diluem desinfetantes concentrados com água são comumente utilizados em hospitais. No entanto, um estudo recente revelou falhas críticas nesses dispensadores, demonstrando a necessidade de um monitoramento rigoroso para evitar riscos à segurança dos pacientes.
FAQ: Falhas na Diluição de Desinfetantes – Riscos e Boas Práticas
Esta seção de Perguntas Frequentes (FAQ) foi desenvolvida para orientar gestores hospitalares, membros da CCIH, médicos, farmacêuticos e enfermeiros sobre a importância crítica da diluição correta de saneantes e as graves consequências que as falhas nesse processo podem acarretar para a segurança do paciente e para a instituição.
Seção 1: Conceitos Fundamentais e Riscos Gerais (Para Todos)
1. Qual é o “perigo invisível” da diluição incorreta de desinfetantes?
O perigo invisível é a falsa sensação de segurança. Acredita-se que uma superfície está desinfetada quando, na verdade, a solução utilizada não tem eficácia (subdosagem) ou pode causar danos (superdosagem), criando um risco microbiológico e químico oculto tanto para pacientes quanto para profissionais.
- Referências:
2. O que acontece quando um desinfetante é “subdosado” (diluído mais do que o recomendado)?
A solução perde sua capacidade microbicida. Isso resulta em uma desinfecção ineficaz, permitindo que patógenos sobrevivam, se multipliquem e formem biofilmes nas superfícies. Essa falha contribui diretamente para a contaminação cruzada e o aumento das Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS).
3. Quais são os riscos da “superdosagem” (solução mais concentrada que o necessário)?
A superdosagem acarreta múltiplos riscos:
- Toxicidade: Aumento da exposição química para profissionais e pacientes, causando irritações de pele, problemas respiratórios e reações alérgicas.
- Danos a Materiais: Corrosão de equipamentos médicos, danos a pisos e mobiliários, reduzindo a vida útil e gerando custos.
- Desperdício Financeiro: Gasto desnecessário de produto.
- Riscos Ambientais: Descarte de resíduos químicos mais concentrados.
- Referência:
- CCIH Brasil (YouTube) – Riscos Químicos no Uso de Saneantes (Link ilustrativo para o conceito)
4. A diluição incorreta pode, de fato, induzir resistência microbiana?
Sim. A exposição contínua de bactérias a concentrações subletais (subdosagem) de certos agentes desinfetantes pode levar à seleção de cepas mais tolerantes, que desenvolvem mecanismos para sobreviver na presença do produto. Isso é uma grande ameaça à segurança do paciente a longo prazo.
- Referência:
5. O que são biofilmes e como as falhas de diluição contribuem para sua formação?
Biofilmes são comunidades complexas de microrganismos aderidas a uma superfície, protegidas por uma matriz que eles mesmos produzem. Essa matriz os torna extremamente resistentes a desinfetantes. Uma solução subdosada não consegue eliminar as bactérias, permitindo que elas se fixem e iniciem a formação de um biofilme, tornando a desinfecção futura ainda mais difícil.
Seção 2: Para a CCIH e Gestores Hospitalares – Estratégia e Supervisão
6. Qual o papel da CCIH no processo de diluição de saneantes?
A CCIH é responsável por padronizar os produtos a serem utilizados, validar os processos de limpeza e desinfecção, desenvolver protocolos claros de diluição baseados nas recomendações dos fabricantes, e auditar a conformidade desses processos, garantindo que a prática corresponda à teoria.
- Referência:
- Anvisa – RDC nº 15, de 15 de março de 2012 (Boas Práticas para o Processamento de Produtos para Saúde) (Art. 68 e 69 sobre validação)
7. Como a gestão pode justificar o investimento em sistemas de diluição automática?
O investimento se justifica pelo Retorno sobre o Investimento (ROI) em segurança e eficiência. Diluidores automáticos garantem a precisão da dosagem, o que:
- Reduz o risco de IRAS associadas a falhas de limpeza, diminuindo custos de tratamento.
- Evita o desperdício de produto por superdosagem.
- Aumenta a segurança do colaborador, que tem menos contato com o produto concentrado.
- Garante a padronização e a qualidade do processo.
- Referência:
8. Como deve ser feita a validação do processo de limpeza e desinfecção?
A validação deve confirmar que o processo, incluindo a diluição correta, de fato remove e/ou inativa os microrganismos. Isso pode ser feito através de métodos como a cultura de superfícies ou o uso de marcadores como ATP-bioluminescência para verificar a eficácia da limpeza antes da desinfecção.
- Referência:
- CCIH Brasil (YouTube) – Validação da Limpeza em CME: Como Fazer? (Link ilustrativo para o conceito)
9. A escolha do desinfetante deve considerar a facilidade de diluição?
Sim. Ao padronizar um produto, a CCIH e a farmácia devem considerar não apenas a eficácia e o custo, mas também a praticidade e a segurança do processo de diluição. Produtos com sistemas de dosagem mais simples ou que já vêm prontos para uso podem reduzir a chance de erros humanos.
10. Qual a importância do treinamento específico para a equipe de higiene?
É fundamental. O treinamento não deve ser apenas sobre “como limpar”, mas sobre “porquê limpar” daquela maneira. A equipe precisa entender os riscos da diluição incorreta, saber ler os rótulos, conhecer os tempos de contato e usar os EPIs corretamente. Treinamentos práticos e contínuos são essenciais.
Seção 3: Para Enfermagem e Equipe de Limpeza – A Linha de Frente
11. Por que é proibido diluir “no olho” ou usar tampinhas como medida?
Esses métodos são extremamente imprecisos e quase sempre resultam em diluições incorretas. A única forma de garantir a concentração correta é usar dosadores, provetas graduadas, bombas diluidoras ou seguir as instruções de sistemas automatizados. A eficácia do desinfetante depende da concentração exata.
12. Quais informações do rótulo do produto são as mais importantes?
- Diluição recomendada: A proporção exata de produto e água (ex: 1:100).
- Tempo de contato: O tempo que a superfície precisa ficar molhada com o produto para que a desinfecção ocorra.
- EPIs necessários: Quais equipamentos de proteção são obrigatórios para o manuseio.
- Validade: Tanto do produto concentrado quanto da solução diluída.
- Referência:
13. Qual Equipamento de Proteção Individual (EPI) é obrigatório para manusear saneantes concentrados?
O manuseio de produtos químicos concentrados exige, no mínimo: luvas de borracha de cano longo, óculos de proteção ampla, e, dependendo do produto, avental impermeável e máscara de proteção respiratória para evitar a inalação de vapores.
14. A solução desinfetante diluída pode ser guardada para o dia seguinte?
Geralmente não. A maioria das soluções diluídas perde a estabilidade e a eficácia após um certo período (geralmente horas ou no máximo ao final do turno de trabalho). É crucial seguir a recomendação do fabricante sobre a validade da solução após a diluição e descartar o que não for utilizado.
15. A equipe de enfermagem também realiza diluição de desinfetantes?
Sim, frequentemente. A enfermagem é responsável pela desinfecção de equipamentos e superfícies em unidades de internação e ambulatórios, e muitas vezes realiza a diluição de produtos para esse fim. Portanto, o mesmo rigor e conhecimento exigidos da equipe de higiene se aplicam à enfermagem.
Seção 4: Para Médicos e Farmacêuticos – Papéis de Suporte e Consequências Clínicas
16. Como o médico pode suspeitar que um aumento de IRAS está ligado a falhas de limpeza?
Um médico pode suspeitar quando observa um aumento de infecções por microrganismos tipicamente ambientais (ex: Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa, Clostridioides difficile) em uma mesma enfermaria, ou quando vários pacientes desenvolvem a mesma infecção sem um vínculo aparente, sugerindo uma fonte comum no ambiente.
17. Qual é a responsabilidade do farmacêutico no ciclo de vida dos desinfetantes?
A farmácia hospitalar tem um papel central na aquisição, armazenamento, controle de qualidade e padronização dos saneantes. O farmacêutico deve avaliar tecnicamente os produtos, garantir que possuem registro na Anvisa, e colaborar com a CCIH para selecionar as opções mais seguras e eficazes para a instituição.
- Referência:
18. Resíduos de desinfetantes por superdosagem podem interferir com exames ou causar danos a pacientes?
Sim. Resíduos químicos em excesso em superfícies podem causar dermatite de contato em pacientes e profissionais. Em equipamentos, como endoscópios, resíduos de desinfetantes mal enxaguados podem causar colite química grave no paciente. A superdosagem aumenta esse risco.
19. A equipe médica precisa conhecer os desinfetantes utilizados no hospital?
Sim, em um nível geral. É importante que os médicos entendam quais produtos são usados em suas unidades para compreender as limitações e o espectro de ação, especialmente durante a investigação de surtos, e para apoiar e valorizar o trabalho da equipe de higiene e enfermagem.
20. Onde encontrar informações confiáveis sobre o registro e a eficácia de um desinfetante?
A fonte primária e mais confiável é o portal da Anvisa, onde é possível consultar se o produto possui registro. Além disso, a Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ) e os dados técnicos fornecidos pelo fabricante são documentos essenciais.
Como o estudo foi realizado?
Pesquisadores avaliaram a eficácia dos sistemas automatizados de diluição em 10 hospitais dos Estados Unidos, coletando amostras de desinfetantes de dispensadores e soluções de baldes em uso em enfermarias cirúrgicas e UTIs. Foram analisados desinfetantes à base de quaternário de amônio e um produto à base de ácido peracético e peróxido de hidrogênio para verificar se as concentrações estavam dentro dos padrões recomendados. Os valores esperados eram de aproximadamente 1300 ppm (pH ~3) para o ácido peracético e entre 700–800 ppm (pH 8–9) para o quaternário de amônio.
Amostras com concentrações abaixo do ideal foram testadas quanto à eficácia contra Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), no caso do quaternário de amônio, e Clostridioides difficile ATCC 43598, para o ácido peracético. O tempo de exposição foi de 5 minutos para o ácido peracético e de 10 minutos para os desinfetantes de quaternário de amônio.
Além disso, um dos hospitais implementou um monitoramento mais rigoroso após identificar falhas na dispensação do desinfetante à base de quaternário de amônio, resultando em melhorias no controle da concentração do produto.
Quais foram os resultados?
O estudo revelou problemas preocupantes na dispensação dos desinfetantes:
· Nenhum dos hospitais relatou realizar monitoramento rotineiro dos dispensadores de desinfetante.
- 90% dos hospitais apresentaram pelo menos um dispensador com mau funcionamento, comprometendo a eficácia da desinfecção.
- 80% tinham dispensadores que liberavam solução sem qualquer desinfetante detectável, aumentando o risco de contaminação.
- 27,1% dos sistemas dispensaram concentrações abaixo do esperado, incluindo 14% que não liberavam desinfetante algum.
- O ácido peracético apresentou grandes variações de concentração: apenas 20% das amostras estavam dentro da faixa recomendada, enquanto a maioria (57,8%) tinham níveis acima do esperado, 8,9% tinham concentrações abaixo do ideal e 13,3% não apresentavam desinfetante detectável.
- Das 80 amostras coletadas de carrinhos de serviços ambientais, 33,8% apresentavam concentrações inadequadas de desinfetante, sendo que 17,5% não continham qualquer desinfetante detectável, comprometendo a eficácia da higiene hospitalar.
- O teste de eficácia mostrou que amostras com ácido peracético ≤900 ppm e quaternário de amônio ≤400 ppm não alcançaram a redução microbiana esperada para Clostridioides difficile e MRSA (redução inferior a 3 log₁₀ de unidades formadoras de colônia)
Após a implementação de um monitoramento mais rigoroso em um dos hospitais, houve melhora na consistência das concentrações dispensadas, demonstrando que medidas corretivas podem solucionar o problema.
Causas das falhas nos dispensadores e outros problemas identificados
As falhas nos dispensadores foram atribuídas principalmente a erros humanos, incluindo recipientes de concentrado mal conectados, danificados ou não substituídos no momento adequado. No entanto, em um caso, o indicador de nível do produto não funcionou corretamente, resultando na liberação de produto sem desinfetante, e em três casos a causa da falha não pôde ser determinada.
Outro problema identificado foi a manutenção inadequada das soluções de desinfecção. Alguns funcionários dos serviços ambientais não renovavam os produtos regularmente, permitindo o uso de soluções ineficazes. Além disso, em algumas ocorrências, produtos identificados como desinfetantes eram, na verdade, detergentes diluíveis destinados à limpeza de pisos, comprometendo a eficácia da desinfecção hospitalar.
Por que isso importa?
A desinfecção eficaz é um pilar fundamental da segurança do paciente. Falhas na diluição de desinfetantes podem comprometer a eliminação de microrganismos, aumentando o risco de infecções e surtos. Este estudo reforça a necessidade de medidas rigorosas para garantir que os sistemas automatizados de dispensação funcionem corretamente, evitando falhas que podem colocar pacientes e profissionais de saúde em risco.
Recomendações do estudo
A realização de testes periódicos para verificar a concentração dos desinfetantes é fundamental para garantir o funcionamento adequado dos dispensadores automatizados. Os autores recomendam, no mínimo, a análise das concentrações e pH sempre que um novo recipiente de concentrado for instalado e sempre que o produto dispensado apresentar odor ou aparência incomuns.
Além disso, variações na concentração do ácido peracético, incluindo níveis acima do esperado, já foram relatadas em estudos anteriores sobre sistemas automatizados. Investigações adicionais são necessárias para avaliar os possíveis riscos dessa exposição para os profissionais de saúde e serviços ambientais, garantindo que a segurança seja mantida tanto para os usuários quanto para os pacientes.
Conclusão
Os resultados deste estudo evidenciam a necessidade urgente de aprimorar o monitoramento dos dispensadores automatizados de desinfetantes. A inconsistência na diluição pode comprometer a eficácia da desinfecção, aumentando o risco de infecções hospitalares. Portanto, é fundamental implementar um controle rigoroso desses sistemas, com testes regulares para garantir concentrações adequadas e, assim, assegurar um ambiente mais seguro para pacientes e profissionais de saúde.
Limitações do estudo
Apenas 10 hospitais foram incluídos, e nem todos os dispensadores foram testados. Além disso, o impacto de uma intervenção baseada em monitoramento foi avaliado em apenas uma instituição.
Estudos adicionais são necessários para identificar abordagens eficazes que garantam o funcionamento correto dos dispensadores e um monitoramento contínuo.
Fonte: Cadnum JL, Kaple CE, Eckstein EC, Saade EA, Ray AJ, Zabarsky TF, Guerrero BJ, Yassin MH, Donskey CJ. Dilution dysfunction: evaluation of automated disinfectant dispenser systems in 10 hospitals demonstrates a need for improved monitoring to ensure that correct disinfectant concentrations are delivered. Infect Control Hosp Epidemiol. 2024 Oct 10:1-4. doi: 10.1017/ice.2024.148. Epub ahead of print. PMID: 39387208.
Disponível
em : https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39387208/
Elaborado por:
Beatriz Grion
https://www.linkedin.com/in/beatriz-alessandra-rudi-grion-57213315b/
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