É hora de mudar a profilaxia pré-operatória de cirurgias de próstata?
O aumento da resistência microbiana também ocorre na comunidade, terá isto impacto na antibioticoprofilaxia? Leia esta sinopse de uma carta sobre o tema em cirurgias de próstata.
Quais as principais complicações infecciosas em cirurgias de próstata?
Em procedimentos de próstata, infecções do trato urinário e prostatite são responsáveis pela maioria das complicações infecciosas pós-operatórias, sendo a Escherichia coli o patógeno mais comum (75-90% dos casos). Embora existam mecanismos complexos que levam à resistência a antibióticos, é de amplo conhecimento que a utilização inadequada de antibióticos é um importante fator contribuinte para o aumento da resistência.
Como as fluoroquinolonas (FQs) têm sido demonstradas estarem particularmente correlacionadas com o aumento do risco de infecção pós-procedimento, a Infectious Disease Society of America (IDSA) recomenda evitar o uso empírico de FQs em infecções geniturinárias. Apesar disso, a atual declaração de melhores práticas da American Urological Association (AUA) ainda recomenda FQs como agentes antimicrobianos primários para profilaxia pré-operatória e outros procedimentos transuretrais.
Estarão as bactérias resistentes à profilaxia habitual nas cirurgias de próstata?
O objetivo do estudo foi avaliar a resistência a FQs entre isolados de E. coli no Cooper University Hospital, uma estrutura estadunidense em que desde 2018 a ciprofloxacina (uma FQ) está em uso como profilático pré-operatório. O antibiograma de toda a instituição relata ~30% de resistência a FQ e os autores tiveram como objetivo determinar a suscetibilidade à E. coli como marcador de flora geniturinária (GU) resistente a antibióticos na população de homens submetidos a procedimentos de próstata na instituição.
Como os autores procuraram responder essa questão?
Este foi um projeto de melhoria. Os autores identificaram homens adultos que foram submetidos a um procedimento primário de próstata entre janeiro de 2014 e dezembro de 2017 e tiveram isolados positivos de E. coli de urina ou sangue nos 12 meses anteriores. Os prontuários médicos destes pacientes foram revisados e o desfecho primário foi a prevalência de E. coli resistente a FQ.
Quais foram os principais resultados?
O estudo incluiu 57 homens, entre os quais a prostatectomia radical foi o procedimento mais comum (44%), seguido pela foto vaporização da próstata (23%), ressecção transuretral da próstata (21%) e TRUS-PBx (12%). Todos os pacientes receberam antibióticos pré-operatórios, sendo a maioria deles monoterapia com cefalozina (que é uma cefalosporina de primeira geração) em 49% dos casos e FQs em 26% dos casos.
Entre a coorte, a resistência a FQ foi significativamente maior do que a porcentagem geral da instituição, totalizando 53% dos isolados de E. coli. Por outro lado, apenas 14% eram resistentes à ceftriaxona (uma cefalosporina de terceira geração). No geral, 72% dos pacientes receberam FQs dentro de 1 ano após o procedimento e a resistência às fluoroquinolonas foi significativamente associada ao uso prévio de FQ.
Quais foram as principais conclusões dos autores?
Levando em consideração a prevalência significativamente maior de resistência a FQ na população do estudo em comparação com o antibiograma de todo o hospital, os autores concluem que os antibiogramas regionais ou hospitalares podem não refletir com precisão o subconjunto de resistência de pacientes urológicos do sexo masculino. Os autores também demonstraram que o uso prévio de FQ estava associado à presença de isolados resistentes, o que corrobora o uso de antibióticos alternativos para profilaxia e tratamento empíricos.
Portanto, eles concluem que, se os dados pré-procedimento estiverem disponíveis, a escolha da profilaxia deve ser direcionada para o isolado bacteriano e suas suscetibilidades particulares; já, quando tal informação não estiver disponível, eles sugerem que agentes alternativos como a ceftriaxona devem ser considerados para procedimentos transuretrais ou transretais.
Quais foram as limitações do estudo?
Tratando-se de um projeto de melhoria, publicado em forma de carta ao editor, diversas limitações são intrínsecas; sendo a mais relevante o fato de as análises terem sido realizadas em um único centro e não serem generalizáveis.
Quais comentários finais e críticas?
A resistência aos antibióticos e suas consequências são uma realidade no dia a dia da prática médica e devem ser observadas com muita atenção. Este é um, entre muitos assuntos na área da saúde que precisa da colaboração ativa de todas as partes interessadas – desde o planejamento de políticas, à implementação de protocolos, à revisão e melhoria das práticas.
Esta carta ao editor pode servir como um bom ponto de reflexão sobre a stewardship de antimicrobianos e a gestão da resistência, que são questões que só podem ser geridas com sucesso pelo esforço ativo e sinérgico de todas as frentes.
Fonte: Sperling CD, Rose L, Yang H, Byrne DD, Fraimow HS, Tomaszewski JJ, Seftel AD. Evaluation of Escherichia coli resistance to fluoroquinolones in men undergoing prostate procedures: Is it time to change preoperative prophylaxis? Infect Control Hosp Epidemiol. 2022 Aug;43(8):1078-1080
Link: https://doi.org/10.1017/ice.2021.168
Links relacionados:
Modification of antimicrobial prophylaxis based on rectal culture results to prevent fluoroquinolone-resistant Escherichia coli infections after prostate biopsy https://doi.org/10.1086/671734
Prevalence and characteristics of fecal antimicrobial-resistant Escherichia coli in a cohort of Japanese men undergoing prostate biopsy https://doi.org/10.1111/iju.13308
Best practice policy statement on urologic surgery antimicrobial prophylaxis. American Urological Association website – https://auanet.org/education/guidelines/antimicrobialprophylaxis.cfm
FDA inclui fluoroquinolonas em lista atualizada de medicamentos potencialmente perigosos.
Stewardship de antibióticos e resistência antimicrobiana: https://www.ccih.med.br/stewardship-de-antimicrobianos-gerenciando-o-uso-dos-antimicrobianos-para-salvar-vidas/
Prevenção e controle de infecção: https://www.ccih.med.br/como-e-por-que-controlar-as-infeccoes-hospitalares/
Sinopse por: Maria Julia Ricci
Instagram: https://www.instagram.com/sonojuju/
E-mail: [email protected]
Palavras chave / TAGs: prostatectomia, antibioticoprofilaxia, infecção do trato urinário, prostatite, fluoroquinolonas, E. coli, Resistência microbiana, Stewardship de antimicrobianos, ceftriaxona, cefazolina, prostatectomia.
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