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Rhodosporidiobolus fluvialis: descrição de um novo fungo hipervirulento e pan-resistente

Saiba mais sobre o Rhodosporidiobolus fluvialis, um fungo recentemente descrito em pacientes na China, altamente resistente aos antifúngicos e surpreendentemente sensível a um antibacteriano.

Introdução

Aproximadamente 3,75 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência de infecções causadas por patógenos fúngicos invasivos. Apesar do crescente aumento das infecções fúngicas invasivas (IFIs), particularmente entre indivíduos imunocomprometidos,   e do surgimento de doenças fúngicas invasivas causadas por patógenos fúngicos com resistência a múltiplos medicamentos, ainda há uma escassez de dados de qualidade sobre a distribuição de doenças fúngicas e padrões de resistência aos antifúngicos. Além disso, o aquecimento global está causando uma mudança nos nichos ecológicos de muitos fungos saprofíticos e ambientais, levando à sua interseção com a sociedade humana e ao surgimento de uma miríade de novos patógenos nas últimas décadas.

Acredita-se que o perigo e a importância tanto dos patógenos fúngicos emergentes quanto dos patógenos já conhecidos estão sendo seriamente subestimados. Logo, a implementação de sistemas de vigilância para doenças fúngicas é crucial para fornecer informações sobre novos patógenos fúngicos antes que se tornem amplamente difundidos, facilitando o desenvolvimento e a criação de terapias direcionadas.

Descrição dos casos

Um programa de vigilância de fungos invasivos da China Hospital Invasive Fungal Surveillance Net, identificou dois casos independentes de infecção humana por um patógeno fúngico invasivo raro (não-Candida, não-Aspergillus, não-Cryptococcus) descrito pela primeira vez como patógeno humano: o Rhodosporidiobolus fluvialis. Esse gênero de fungo inclui diversas espécies que são altamente resistentes ao fluconazol e à caspofungina.

O fungo Rhodosporidiobolus fluvialis foi isolado da amostra de dois pacientes masculinos que não estavam relacionados espacialmente ou temporalmente (NJ103 e TZ579). Um dos pacientes tinha 61 anos, era imunossuprimido, tinha pancreatite aguda grave, lesão renal aguda e foi admitido na unidade de terapia intensiva de um hospital em Nanjing, China. O paciente recebeu fluconazol e caspofungina como tratamento antifúngico e acabou falecendo devido a falência múltipla dos órgãos. O outro paciente de 85 anos apresentava arritmias ventriculares, insuficiência respiratória, pneumonia, doença cardíaca coronária esclerótica, diabetes e foi admitido na unidade de terapia intensiva de um hospital em Tianjin, China. O paciente recebeu fluconazol como terapia antifúngica até falecer devido à insuficiência respiratória.

Descrição do novo patógeno fúngico invasivo

Todas as cepas do gênero Rhodosporidiobolus analisadas pelo programa de vigilância podem produzir pigmentos laranja, devido ao acúmulo intracelular de carotenoides. A maioria das cepas cresce predominantemente na forma de levedura, com uma pequena proporção de células mostrando morfologia pseudohifal. Os isolados clínicos de R. fluvialis NJ103 e TZ579 podem proliferar bem a uma temperatura semelhante à temperatura central do corpo humano (37°C), sugerindo sua capacidade de superar as defesas endotérmicas humanas.

Análises fenotípicas abrangentes e testes de suscetibilidade antifúngica revelaram que a maioria das espécies de Rhodosporidiobolus testadas neste estudo são resistentes ao fluconazol e à caspofungina, mas sensíveis à anfotericina B. Em particular, R. fluvialis NJ103 e TZ579 foram também mais resistentes a múltiplos regimes de azóis em comparação com outras espécies de Rhodosporidiobolus. R. fluvialis é sensível à 5-flucitosina e à anfotericina B. No entanto, foi demonstrado que o tratamento com altas concentrações de 5-flucitosina causou o desenvolvimento de resistência com uma frequência dramaticamente alta, e o  MIC de 5-flucitosina aumentou rapidamente com o aumento do tempo de incubação do medicamento.

Através da montagem dos genomas de NJ103 e TZ579 e análises genômicas foi demonstrado que a resistência ao fluconazol em R. fluvialis é provavelmente devido à variação genética nos genes ERG11. Além disso, a produção de carotenoides contribui para a resistência ao caspofungin em R. Fluvialis.

Experimentos em modelo de camundongo imunocomprometido  que foram inoculados por via intravenosa com células de isolados de oito espécies de Rhodosporidiobolus, mostraram uma persistência de altas cargas fúngicas em vários órgãos de camundongos infectados com as cepas NJ103 ou TZ579 em contraste com a maioria das outras cepas. O isolado ambiental de R. nylandii também apresentou uma carga fúngica notavelmente maior em todos os órgãos testados do que os isolados ambientais de outras espécies de Rhodosporidiobolus, demonstrando que R. nylandii tem uma forte capacidade de adaptação in vivo no modelo de camundongo.

A adaptação in vivo das espécies de Rhodosporidiobolus está altamente correlacionada com o crescimento a 37 °C, que é semelhante à temperatura corporal central típica dos mamíferos. Esta descoberta é consistente com estudos anteriores sobre outros patógenos fúngicos que indicaram que a tolerância à temperatura corporal dos mamíferos desempenha um papel importante na sobrevivência fúngica em hospedeiros mamíferos. Curiosamente, um isolado ambiental de R. nylandii também é tolerante ao estresse térmico e demonstra uma sobrevivência muito melhor em um modelo de camundongo do que outras espécies patogênicas não-Rhodosporidiobolus. Essa descoberta sugere que R. nylandii termotolerante pode ser um patógeno fúngico ‘oculto’ com potencial para causar infecções em humanos, embora tais infecções ainda não tenham sido registradas.

Os pesquisadores demonstraram que R. fluvialis pode passar da fase de levedura para a fase de pseudo-hifas, sendo a incubação a 37 °C um fator chave na indução da formação de variantes pseudohifais e que eventualmente deram origem a colônias enrugadas. Também foi demonstrado que o crescimento de pseudo-hifas aumenta sua virulência, visto que os mutantes pseudohifais são mais resistentes ao ataque dos macrófagos e podem prejudicar a viabilidade dessas células imunológicas. O gene ACE2 têm sido mostrado como repressor central da formação de pseudohifas e neste trabalho foi demonstrado que sua ausência aumentou significativamente a virulência de R. fluvialis no modelo de camundongo.

Os pesquisadores também mostraram que a infecção em camundongos ou a temperatura corporal de mamíferos induz sua mutagênese, permitindo o surgimento de mutantes hipervirulentos que favorecem o crescimento de pseudo-hifas. Resultados mostraram um maior acúmulo de ROS (espécies reativas de oxigênio) em células incubadas a 37 °C em comparação com aquelas incubadas a 25 °C, sugerindo que a indução de ROS pelo estresse térmico é um mecanismo importante para a mutagênese dependente da temperatura em R. fluvialis.

A mutagênese induzida pela temperatura também pode provocar o surgimento de mutantes pan-resistentes (resistência a três dos antifúngicos de primeira linha mais comumente usados: fluconazol, caspofungina e anfotericina B) em diferentes espécies de Rhodosporidiobolus. Foi demonstrado que o estresse térmico pode induzir mutações associadas à resistência à anfotericina B em R. fluvialis, levando ao surgimento de mutantes pan-resistentes capazes de resistir a todos os três antifúngicos mencionados. Também foi observado que a temperatura dos mamíferos pode induzir resistência à anfotericina B em R. nylandii, que tolera 37 °C para crescimento e é intrinsecamente resistente ao fluconazol e à caspofungina. Por fim, descobriu-se que o antibiótico bactericida polimixina B exibe uma potente atividade contra os mutantes de Rhodosporidiobolus resistentes a múltiplos medicamentos, apoiando seu potencial como opção terapêutica para o tratamento de infecções causadas por este patógeno fúngico. Apesar dessas vantagens, a polimixina B possui algumas limitações, como nefrotoxicidade e neurotoxicidade. Nesse sentido, futuros estudos em animais seriam úteis para elucidar mais detalhadamente os efeitos terapêuticos da polimixina B.

Conclusão

Ao identificar e caracterizar um patógeno fúngico humano previamente não descrito no gênero Rhodosporidiobolus, forneceu-se evidências de que a mutagênese dependente da temperatura pode permitir o desenvolvimento de resistência a múltiplos medicamentos e hipervirulência em fungos. A polimixina B apresenta uma atividade promissora contra variantes pan-resistentes, apoiando seu potencial como opção terapêutica para o tratamento de infecções por Rhodosporidiobolus.

Os autores apoiam a ideia de que o aquecimento global pode promover a evolução de novos patógenos fúngicos.

Fontes:

https://www.nature.com/articles/s41564-024-01720-y

https://doi.org/10.1038/s41564-024-01720-y.

https://www.who.int/publications/i/item/9789240060241

Tradução e síntese: Beatriz Grion

https://www.linkedin.com/in/beatriz-alessandra-rudi-grion-57213315b/

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