Qual a aplicabilidade prática do novo Guia APIC para prevenção de infecção do trato uninário associada a sonda vesical de demora. Análise crítica do guia, suas princiapis recomendações e comparação com guias similares.
Introdução
As infecções do trato urinário associadas a cateter (ITUAC) representam uma parcela significativa das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) em diversos cenários de cuidado, resultando em aumento da morbimortalidade, tempo de internação e custos para os sistemas de saúde. A prevenção dessas infecções é uma prioridade global em segurança do paciente e controle de infecções. Nesse contexto, a Association for Professionals in Infection Control and Epidemiology (APIC) publicou em março de 2025 o “Guide to Preventing Catheter-Associated Urinary Tract Infections (CAUTI)”, um documento que visa fornecer orientação prática e baseada em evidências para profissionais de saúde. Esta sinopse tem como objetivo analisar detalhadamente o referido guia, abordando seu propósito, metodologia, recomendações, aplicabilidade, e realizando uma análise crítica comparativa, além de identificar lacunas e contribuições.
Objetivo e Responsáveis pelo Guia APIC 2025
O objetivo principal do “Guide to Preventing Catheter-Associated Urinary Tract Infections (CAUTI)” da APIC, edição de março de 2025, é fornecer informações e ferramentas para reduzir o risco de ITUAC em variados ambientes de prática. O guia busca condensar diretrizes baseadas em evidências em elementos-chave necessários para mitigar riscos e implementar processos de melhoria de desempenho. As recomendações são desenhadas para serem exequíveis e representarem estratégias eficazes na prevenção de IRAS, podendo orientar o desenvolvimento de políticas, procedimentos e protocolos institucionais.
A elaboração do guia esteve a cargo do Comitê de Orientação Prática de 2024 da APIC (2024 Practice Guidance Committee), com o suporte do Centro de Pesquisa, Prática e Inovação da APIC (APIC’s Center for Research, Practice, and Innovation). O documento conta com um corpo de autores principais composto por especialistas com diversas formações e certificações em controle de infecção e epidemiologia, como Rebecca Crapanzano-Sigafoos, DrPH, MPH, CIC, FAPIC, e Bethany Phillips, MPH, CIC, MLS(ASCP)cm, FAPIC, entre outros. A revisão foi realizada pelos Comitês de Comunicações e Educação da APIC de 2024, além de revisores individuais com expertise na área. Essa estrutura de elaboração e revisão por múltiplos especialistas e comitês visa garantir a robustez e a relevância prática do conteúdo.
Metodologia de Revisão Bibliográfica e Classificação de Evidências do Guia APIC 2025
Fontes de Pesquisa e Critérios de Seleção
O guia da APIC declara que sua abordagem em relação às evidências se baseia em diretrizes consolidadas (Evidence-Based Guidelines – EBGs) e documentos de consenso de especialistas quando a evidência científica é limitada. Especificamente, o guia utiliza como referência primária o documento “Strategies to Prevent Catheter-Associated Urinary Tract Infections in Acute-Care Hospitals: 2022 Update”, uma colaboração da Society for Healthcare Epidemiologists of America (SHEA), Infectious Disease Society of America (IDSA) e da própria APIC. Adicionalmente, a “Guideline for Prevention of CAUTI, 2009” do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) é citada como outra fonte de evidência.
O documento da APIC não detalha uma metodologia própria de busca sistemática de literatura, como os termos de busca utilizados, as bases de dados consultadas especificamente para este guia, o número de artigos rastreados ou os critérios explícitos para inclusão e exclusão de estudos individuais para a formulação de suas recomendações. Em vez disso, o guia opta por referenciar e condensar as recomendações de diretrizes já estabelecidas e reconhecidas na área, o que é uma abordagem comum para guias de implementação, que focam na tradução do conhecimento existente para a prática.
Número de Artigos e Achados Resumidos
Consequentemente, por não realizar uma revisão sistemática de novo, o guia da APIC não informa o número de artigos encontrados ou revisados especificamente para sua elaboração. Os achados resumidos são, na verdade, uma síntese das principais recomendações e evidências contidas nas diretrizes de referência, como a atualização SHEA/IDSA/APIC de 2022 e a diretriz do CDC de 2009. O guia apresenta dados epidemiológicos sobre ITUAC, como o número de infecções reportadas ao National Healthcare Safety Network (NHSN) em 2023, que totalizaram 21.525 em diferentes tipos de unidades de saúde, com 17.370 ocorrendo em hospitais de cuidados agudos. Também são citados os custos associados e o aumento da mortalidade devido às ITUAC, com base em dados da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) de 2017.
Critérios de Classificação e Seleção de Evidências
O guia da APIC não apresenta um sistema próprio de classificação da força da evidência ou do grau de recomendação para cada uma de suas orientações. Ele se apoia na classificação e na força das recomendações já estabelecidas pelas diretrizes fonte que utiliza. Por exemplo, ao discutir as “Práticas Essenciais” e “Práticas Adicionais”, o guia se baseia no corpo de conhecimento existente e na robustez das evidências citadas nas diretrizes da SHEA/IDSA/APIC e do CDC. As “Práticas Adicionais” são explicitamente mencionadas como tendo evidência limitada para apoiar sua eficácia, sugerindo uma menor força de recomendação e a necessidade de avaliação criteriosa antes da implementação.
Avaliação da Qualidade do Guia APIC 2025 (GRADE/PRISMA)
A avaliação da qualidade do desenvolvimento de diretrizes clínicas frequentemente utiliza sistemas como o GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) ou segue as recomendações do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) para revisões sistemáticas que as embasam. O “Guide to Preventing CAUTI” da APIC de 2025, por sua natureza de “guia de implementação”, não se apresenta como uma diretriz desenvolvida a partir de uma revisão sistemática original e exaustiva da literatura primária.
O guia declara explicitamente que condensa diretrizes baseadas em evidências e utiliza como referência primária a atualização de 2022 da SHEA/IDSA/APIC e a diretriz do CDC de 2009. Ele não detalha sua própria metodologia de busca sistemática, critérios de seleção de artigos, avaliação da qualidade dos estudos individuais ou o processo formal de graduação da força das recomendações, como seria esperado em um processo completo de desenvolvimento de diretrizes seguindo o GRADE. Portanto, uma avaliação direta da qualidade do desenvolvimento do guia APIC usando GRADE ou PRISMA não é factível com as informações fornecidas no próprio documento.
A qualidade do guia APIC está intrinsecamente ligada à qualidade metodológica e à atualidade das diretrizes que ele referência. Diretrizes como as da SHEA/IDSA geralmente passam por processos rigorosos de revisão de evidências, que podem incluir abordagens semelhantes ao GRADE. O valor do guia APIC reside mais em sua capacidade de traduzir essas recomendações complexas em estratégias práticas e ferramentas de implementação, com foco na ciência da implementação, do que na geração de novo de evidências ou recomendações. A ausência de um processo GRADE/PRISMA transparente para o próprio guia APIC não invalida seu conteúdo, mas situa seu papel como um facilitador da aplicação de conhecimento já consolidado.
Recomendações do Guia APIC 2025 e Seus Fundamentos
O Guia APIC 2025 organiza suas recomendações de prevenção de ITUAC em “Práticas Essenciais” e “Práticas Adicionais”, fundamentando-se nas diretrizes de referência, principalmente a atualização SHEA/IDSA/APIC de 2022.
Práticas Essenciais de Prevenção
As práticas essenciais são consideradas fundamentais e devem ser implementadas de forma consistente para a prevenção de ITUAC.
Elementos de Inserção
- Uso Necessário e Indicado do Cateter Urinário de Demora (CUD): A inserção de CUDs deve ocorrer apenas quando estritamente necessária e baseada em indicações clínicas aprovadas. Recomenda-se o uso do prontuário eletrônico para registrar a indicação no momento da inserção e reavaliá-la diariamente. Este princípio visa reduzir a exposição desnecessária ao principal fator de risco para ITUAC.
- Considerar Métodos de Menor Risco: Antes de optar por um CUD, devem ser consideradas alternativas como cateteres externos (masculinos e femininos) ou cateterismo intermitente. Processos para avaliação da retenção urinária, como o uso de ultrassonografia vesical (bladder scanner) e protocolos de teste de micção, são encorajados (vide Apêndice A do guia).
- Práticas de Inserção Apropriadas: A inserção deve seguir um procedimento documentado, utilizando técnica asséptica e material estéril. O uso de checklists no prontuário eletrônico pode aumentar a confiabilidade. A escolha do calibre adequado do cateter é crucial, e para inserções difíceis, deve-se recorrer a profissionais experientes para minimizar traumas e múltiplas tentativas. A disponibilidade de suprimentos estéreis é mandatória.
- Fixação do CUD Após Inserção: O cateter deve ser adequadamente fixado para prevenir movimentação e tração uretral, minimizando o risco de trauma e migração bacteriana.
Elementos de Manutenção
- Manter Sistema de Drenagem Estéril e Continuamente Fechado: A integridade do sistema fechado é vital para prevenir a entrada de microrganismos. A manipulação do sistema deve ser minimizada. Não se deve realizar lavagens rotineiras do cateter ou deixar o cateter aberto.
- Considerar Substituição em Caso de Quebra da Técnica Asséptica, Desconexão ou Vazamento: Se houver comprometimento do sistema fechado, o cateter e o sistema de coleta devem ser substituídos assepticamente. A substituição rotineira de CUDs não é recomendada.
- Técnica Adequada para Coleta de Urina para Cultura: A coleta deve ser realizada da porta de amostragem do cateter, após desinfecção, e não da bolsa coletora. Devem existir indicações claras para a solicitação de uroculturas, visando evitar o tratamento de colonização (bacteriúria assintomática). O transporte e armazenamento adequados da amostra também são cruciais.
- Garantir Fluxo de Urina Desobstruído: Evitar dobras na tubulação e manter a bolsa coletora sempre abaixo do nível da bexiga, inclusive durante o transporte do paciente, para prevenir o refluxo de urina. A bolsa não deve tocar o chão. O esvaziamento regular da bolsa é necessário.
- Higiene Rotineira do Paciente com Técnica Adequada: Cuidados perineais diários e após episódios de incontinência fecal são essenciais. A documentação desses cuidados no prontuário eletrônico pode ser incentivada. A contaminação por bactérias fecais é uma via importante para ITUAC.
- Remover o CUD Assim que as Indicações Não Forem Mais Atendidas: A reavaliação diária da necessidade do CUD é fundamental. Protocolos de remoção por enfermeiros (nurse-driven removal protocols) e alertas no prontuário eletrônico podem facilitar a remoção oportuna (vide Apêndice B do guia). Cada dia de cateterismo aumenta o risco de ITUAC.
Práticas Adicionais e Pontos para Pesquisas Futuras
As práticas adicionais são sugeridas para cenários onde as taxas de ITUAC permanecem elevadas apesar da implementação das práticas essenciais. O guia ressalta que estas práticas geralmente possuem evidência limitada e devem ser implementadas após avaliação de risco e discussão multidisciplinar, com objetivos e métricas de avaliação claros.
Algumas dessas práticas incluem:
- Algoritmos de ultrassonografia vesical (Bladder scanning algorithms): Para manejo de retenção urinária, especialmente pós-operatória, ou quando há reinserções frequentes de CUD.
- Monitoramento do uso do cateter e eventos adversos: Além da ITUAC, monitorar obstrução, remoção acidental, reinserção em 24h, e trauma, especialmente em unidades de alto risco.
- Vigilância de infecção do trato urinário não associada a cateter: Particularmente aquelas associadas a dispositivos alternativos ao CUD.
- Protocolos de remoção de CUD por enfermeiros (Nurse-driven IUC removal): Quando a revisão da indicação do CUD não é consistentemente abordada. Este é um ponto onde a pesquisa sobre a efetividade e barreiras à implementação em diferentes contextos continua relevante.
- Substituição do CUD antes da coleta de urocultura: Para reduzir falsos-positivos por colonização, se houver suspeita de que esta contribui para taxas elevadas.
- Departamento de emergência “Livre de Foley” (“Foley Free” emergency department): Reduzir a inserção de CUDs na emergência, utilizando alternativas, se a análise de dados indicar que este é um ponto crítico de inserção inadequada.
- Uso de clorexidina gluconato (CHG) na antissepsia do cateter urinário: Para reduzir a carga biológica, se as práticas de higiene parecerem contribuir para taxas elevadas apesar da conformidade.
Essas práticas adicionais representam áreas onde mais pesquisas são necessárias para solidificar a evidência de sua eficácia, custo-efetividade e generalização para diferentes populações e cenários de cuidado. O guia, ao listá-las, aponta para a necessidade contínua de investigação em estratégias complementares de prevenção de ITUAC. A implementação de “bundles” de prevenção, que agrupam várias dessas práticas, tem sido estudada, com resultados positivos na redução de taxas de ITUAC e utilização de cateteres, especialmente em UTIs. A análise de barreiras e facilitadores para a implementação dessas práticas, como destacado em revisões sistemáticas, também é crucial para o sucesso.
Aplicabilidade Prática do Guia APIC 2025
O “Guide to Preventing CAUTI” da APIC se destaca por seu forte enfoque na ciência da implementação, buscando traduzir o conhecimento científico em ações práticas e sustentáveis nos serviços de saúde.
Ferramentas de Implementação
O guia oferece diversas ferramentas e abordagens que facilitam sua aplicação:
- Formato Acessível: As informações são apresentadas de forma clara e organizada, com exemplos e recursos práticos.
- Estudos de Caso: São incluídos cenários baseados em hospitais comunitários e centros médicos, ilustrando a aplicação dos princípios do guia na identificação de problemas, investigação de causas e implementação de intervenções em diferentes contextos. Por exemplo, o Cenário 1 descreve a abordagem para um hospital comunitário com alta taxa de ITUAC e alta taxa de utilização de cateteres (SUR) em uma unidade médico-cirúrgica, com foco na avaliação de critérios de inserção e manutenção. O Cenário 2 aborda um centro médico com altas taxas de ITUAC, onde a investigação revela problemas nas práticas de solicitação de uroculturas, levando à formação de uma equipe para padronizar essas práticas.
- Apêndices com Ferramentas Práticas: O guia fornece exemplos de ferramentas adaptáveis, como um “Fluxograma para Retenção Urinária Aguda (Adulto)” (Apêndice A) e um “Algoritmo de Alternativas ao Cateter Urinário de Demora – Inserção e Avaliação Contínua (Adulto)” (Apêndice B). Esses algoritmos auxiliam na tomada de decisão clínica para evitar o uso desnecessário de CUDs e para manejar a retenção urinária com alternativas.
- Métricas de Processo e Resultado: O guia detalha diversas métricas para monitorar a eficácia do programa de prevenção de ITUAC, incluindo taxas de ITUAC, Razão de Infecção Padronizada (SIR), Razão de Utilização Padronizada (SUR) e Diferença Cumulativa Atribuível (CAD) como métricas de resultado. Além disso, propõe uma variedade de métricas de processo para avaliar a conformidade com as práticas essenciais, como frequência de documentação da indicação, conformidade com o bundle de inserção, e tempo médio de permanência do CUD, sugerindo métodos de coleta como observação direta, auditoria de prontuários e dados automatizados do prontuário eletrônico.
Componentes Essenciais do Programa de Prevenção de ITUAC
O guia estrutura a implementação de um programa de prevenção de ITUAC em torno de componentes centrais :
- Infraestrutura: Enfatiza a necessidade de uma equipe multidisciplinar, avaliação de risco específica para a instituição e intervenções focadas.
- Partes Interessadas-Chave (Key Stakeholders): Detalha os papéis de diversos profissionais (CCIH, enfermagem, médicos, educação permanente, técnicos, laboratório, TI, higiene ambiental, suprimentos) na equipe multidisciplinar, ressaltando a importância da liderança e do patrocínio executivo.
- Avaliação de Risco: Fornece considerações para uma avaliação de risco específica para ITUAC, incluindo análise de taxas históricas, causas de ITUACs anteriores, conformidade com processos existentes e disponibilidade de recursos.
- Equipamentos e Suprimentos: Orienta sobre a seleção de cateteres (tamanho, material, tipo), kits de inserção, produtos de higiene do paciente e alternativas aos CUDs, com considerações para garantir a disponibilidade e o treinamento adequado.
- Treinamento e Educação: Destaca a importância do treinamento inicial e contínuo, com validação de competências para atividades específicas. Sugere tópicos educacionais por função, abrangendo desde a indicação e inserção até a manutenção e remoção do cateter, e coleta de urocultura.
- Políticas e Procedimentos: Recomenda o desenvolvimento de políticas e procedimentos baseados em diretrizes reconhecidas, cobrindo tópicos como indicações, técnica de inserção, manutenção, higiene, coleta de amostras e remoção.
- Tecnologia da Informação: Explora como o prontuário eletrônico, softwares de vigilância e dashboards podem ser utilizados para dar suporte à decisão clínica, monitorar conformidade e comunicar resultados.
Essa abordagem estruturada e rica em ferramentas práticas confere ao guia APIC 2025 uma alta aplicabilidade, auxiliando as instituições a não apenas entenderem o que fazer, mas como implementar e sustentar um programa eficaz de prevenção de ITUAC. A ênfase na avaliação de risco e na adaptação às necessidades locais permite que as recomendações sejam ajustadas a diferentes realidades.
Análise Crítica do Guia APIC 2025
Análise Comparativa com Guias Similares
O Guia APIC 2025 se insere em um contexto de múltiplas diretrizes internacionais e nacionais para a prevenção de ITUAC. Sua principal característica distintiva é o foco na implementação.
- Diretrizes do CDC (EUA): As diretrizes do CDC, como a de 2009 e seus toolkits associados, fornecem a base para muitas das práticas essenciais de prevenção de ITUAC, incluindo a inserção apenas por indicações apropriadas, remoção o mais rápido possível, técnica asséptica, manutenção de sistema fechado e fluxo desobstruído. O Guia APIC 2025 expande essas recomendações ao detalhar como implementá-las, oferecendo exemplos, ferramentas e uma estrutura programática. A atualização de 2022 da SHEA/IDSA/APIC, que é uma fonte primária para o guia APIC, já incorpora e atualiza muitas dessas premissas do CDC.
- Diretrizes da SHEA/IDSA/APIC (2022 Update): Sendo uma referência central para o Guia APIC 2025, as recomendações são amplamente alinhadas. O Guia APIC 2025 funciona como um manual prático para colocar em ação as estratégias delineadas no documento de 2022, que é mais denso em termos de revisão de evidências e formulação de recomendações específicas. O artigo do site ccih.med.br que resume as recomendações da SHEA também espelha muitas das práticas essenciais e adicionais do Guia APIC.
- Diretrizes da European Association of Urology (EAU): As diretrizes da EAU (atualizadas em 2025) também enfatizam a minimização da duração do cateterismo, indicações apropriadas, protocolos de restrição e remoção imediata. Elas trazem nuances sobre tipos de cateter (recomendando os revestidos hidrofilicamente e não os de liga de prata ou impregnados com nitrofurazona para redução de ITUAC), e são bastante enfáticas na não utilização de profilaxia antimicrobiana rotineira para inserção ou remoção de cateteres, ou para cateterismo intermitente, devido ao risco de resistência antimicrobiana. O Guia APIC 2025, ao basear-se no SHEA/IDSA/APIC 2022, pode ter abordagens ligeiramente diferentes em relação a tipos específicos de cateteres ou profilaxia, dependendo das evidências consideradas por cada grupo.
- Diretrizes da ANVISA (Brasil): O Caderno 4 da ANVISA (2017) apresenta um conjunto abrangente de recomendações, incluindo práticas básicas (infraestrutura, vigilância, educação, manuseio correto) e estratégias especiais (identificar e remover cateteres desnecessários, manejo de retenção urinária pós-operatória). Muitas recomendações são congruentes com o Guia APIC, como a importância da técnica asséptica, sistema fechado, fixação, higiene e remoção precoce. A ANVISA também lista estratégias que não devem ser utilizadas, como o uso rotineiro de cateteres impregnados com antimicrobianos e o tratamento de bacteriúria assintomática, o que está alinhado com as tendências internacionais. O Guia APIC 2025, sendo mais recente, incorpora evidências e abordagens de implementação mais atuais. Estudos brasileiros têm explorado a validação de indicadores de práticas de prevenção e a efetividade de protocolos de enfermagem para redução de ITUAC, geralmente em UTIs, mostrando resultados positivos na redução do tempo de SVD e taxas de ITU.
- Outras diretrizes institucionais (ex: UCSF): Guias institucionais, como o da UCSF (atualizado em 2025), tendem a adaptar as recomendações de grandes sociedades e órgãos reguladores à sua realidade local. As recomendações da UCSF são bastante detalhadas e alinham-se com os princípios gerais de evitar uso desnecessário, inserção e manutenção assépticas, e remoção precoce, incluindo o uso de CHG para limpeza do meato e cateter, e protocolos orientados por enfermeiros para remoção. O Guia APIC 2025 fornece uma estrutura mais ampla para que as instituições desenvolvam ou refinem seus próprios protocolos.
Contribuições Inovadoras do Guia APIC 2025
A principal contribuição inovadora do Guia APIC 2025 reside em seu foco explícito e estruturado na ciência da implementação. Enquanto muitas diretrizes se concentram no que fazer, o guia da APIC dedica atenção considerável ao como fazer, fornecendo:
- Estrutura para um Programa de Prevenção: Detalha os componentes de um programa de prevenção de ITUAC, desde a infraestrutura e identificação de stakeholders até políticas, treinamento e uso de TI.
- Ferramentas Práticas: Inclui estudos de caso e apêndices com algoritmos que podem ser adaptados.
- Métricas Detalhadas: Oferece uma gama de métricas de processo e resultado, com sugestões de métodos de coleta, permitindo um monitoramento robusto dos programas.
- Abordagem Multidisciplinar: Enfatiza consistentemente a necessidade de uma equipe multidisciplinar para o sucesso da prevenção de ITUAC.
- Atualização e Síntese: Embora não seja uma diretriz de novo, ele sintetiza e atualiza as recomendações com base em documentos recentes e de alta qualidade (SHEA/IDSA/APIC 2022), tornando-as mais acessíveis para os profissionais da linha de frente.
Este foco na implementação é crucial, pois a simples existência de diretrizes não garante sua adoção na prática. Barreiras como falta de conhecimento, crenças sobre consequências (conveniência), influências sociais e limitações de recursos são frequentemente citadas como obstáculos à prevenção de ITUAC. O Guia APIC tenta abordar esses desafios ao fornecer uma estrutura mais completa para a mudança de prática.
Limitações e Omissões do Guia APIC 2025
Apesar de suas qualidades, algumas limitações e omissões podem ser apontadas:
- Ausência de Revisão Sistemática Própria: Como discutido, o guia não realiza uma nova revisão sistemática da literatura, baseando-se em diretrizes existentes. Isso significa que a profundidade da análise de evidências para cada recomendação específica depende da qualidade e abrangência das fontes primárias.
- Generalidade das Recomendações para Populações Específicas: Embora mencione a necessidade de adaptar as práticas, o guia pode não aprofundar suficientemente as nuances da prevenção de ITUAC em populações altamente especializadas (ex: grandes queimados, pacientes neurológicos complexos, transplantados) se estas não forem extensivamente cobertas pelas diretrizes fonte.
- Avaliação de Novas Tecnologias: A incorporação de recomendações sobre tecnologias emergentes (novos tipos de cateteres, dispositivos de monitoramento) pode ser limitada pela data de corte das diretrizes de referência.
- Não Aborda Diretamente a Implementação de Sistemas como GRADE/PRISMA: O guia não discute como as instituições podem aplicar metodologias como GRADE para desenvolver ou adaptar suas próprias políticas internas com base nas evidências mais recentes, focando mais na implementação das recomendações já existentes.
É importante notar que estas não são necessariamente falhas, mas características inerentes ao seu escopo como um “guia de implementação”. Seu propósito não é ser uma revisão exaustiva de toda a literatura primária, mas sim um recurso prático para a melhoria da qualidade e segurança do paciente.
Conclusões e Recomendações
O “Guide to Preventing Catheter-Associated Urinary Tract Infections (CAUTI)” da APIC, edição de março de 2025, representa uma ferramenta valiosa e atualizada para profissionais de saúde e instituições que buscam reduzir a incidência de ITUAC. Seu principal diferencial e força residem no foco robusto em ciência da implementação, fornecendo uma estrutura clara, ferramentas práticas e métricas detalhadas para a construção e monitoramento de programas de prevenção eficazes.
O guia cumpre seu objetivo de condensar diretrizes baseadas em evidências, notadamente a atualização de 2022 da SHEA/IDSA/APIC, em recomendações acionáveis. As práticas essenciais de inserção e manutenção de cateteres urinários de demora estão bem delineadas e alinhadas com as melhores práticas internacionais. A inclusão de práticas adicionais, com a ressalva sobre a evidência limitada para algumas delas, incentiva uma abordagem crítica e adaptada ao contexto local, além de apontar para áreas que necessitam de mais pesquisa.
Apesar de não apresentar uma revisão sistemática original ou um sistema próprio de graduação de evidências nos moldes do GRADE, sua fundamentação em diretrizes de alta qualidade confere credibilidade às suas recomendações. A aplicabilidade prática é reforçada por estudos de caso e apêndices com algoritmos, que auxiliam na tradução da teoria para a prática clínica diária.
Recomendações para Utilização do Guia:
- Adoção como Referência para Programas de Prevenção: As instituições de saúde devem considerar o Guia APIC 2025 como um recurso central para desenvolver, revisar e aprimorar seus programas de prevenção de ITUAC.
- Ênfase na Abordagem Multidisciplinar: A implementação das recomendações deve envolver uma equipe multidisciplinar, conforme destacado no guia, para garantir a adesão e a sustentabilidade das intervenções.
- Avaliação de Risco Local: As instituições devem realizar uma avaliação de risco específica para ITUAC, utilizando as considerações do guia, para priorizar intervenções e adaptar as recomendações à sua realidade e população de pacientes.
- Implementação de Práticas Essenciais: As práticas essenciais devem ser implementadas de forma rigorosa e monitoradas continuamente através das métricas de processo e resultado sugeridas.
- Consideração Criteriosa das Práticas Adicionais: As práticas adicionais devem ser avaliadas criticamente, considerando a evidência disponível, os recursos necessários e o contexto institucional, antes da implementação.
- Foco na Educação e Treinamento Contínuos: Programas de educação e treinamento para todos os profissionais envolvidos no manejo de cateteres urinários são cruciais e devem ser baseados nas orientações do guia.
- Utilização de Tecnologia da Informação: Explorar o potencial do prontuário eletrônico e outras ferramentas de TI para apoiar a adesão às práticas preventivas, como alertas para remoção de cateteres e documentação de indicações.
- Pesquisa e Inovação: As áreas identificadas como “práticas adicionais” com evidência limitada devem ser vistas como oportunidades para pesquisa clínica e translacional, visando fortalecer a base de evidências para a prevenção de ITUAC.
Pontos para Pesquisas Futuras (derivados da análise do guia):
- Estudos de custo-efetividade das diferentes “práticas adicionais” em variados contextos de saúde.
- Investigação sobre as barreiras e facilitadores específicos para a implementação de cada componente do guia em países de baixa e média renda.
- Desenvolvimento e validação de novas tecnologias para prevenção, diagnóstico e manejo de ITUAC.
- Avaliação do impacto de longo prazo de programas de “stewardship de cateteres” e de culturas de urina.
Referências
Guia APIC (FONTE):
ASSOCIATION FOR PROFESSIONALS IN INFECTION CONTROL AND EPIDEMIOLOGY (APIC). Guide to Preventing Catheter-Associated Urinary Tract Infections (CAUTI). Arlington, VA: APIC, 2025. ISBN 978-1-933013-83-1. 2025_CAUTI_Implementation_Guide_May-Update
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Sinopse por:
Antonio Tadeu Fernandes:
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